Inteligência Artificial

Novo livro de Yuval Harari: “Nexus” alterna entre narrativa envolvente e superficialidade técnica

Obra mais recente do autor de Homo Sapiens atrai críticas por simplificar debates técnicos sobre IA e seu impacto global

Yuval Harari, autor de Homo Sapiens: novo livro explora o impacto da inteligência artificial em sua nova obra Nexus, que divide opiniões entre leitores e críticos (Getty Images)

Yuval Harari, autor de Homo Sapiens: novo livro explora o impacto da inteligência artificial em sua nova obra Nexus, que divide opiniões entre leitores e críticos (Getty Images)

Miguel Fernandes
Miguel Fernandes

Chief Artificial Intelligence Officer da Exame

Publicado em 28 de dezembro de 2024 às 13h59.

Última atualização em 28 de dezembro de 2024 às 13h59.

Aproveitei os feriados de fim de ano para me debruçar sobre Nexus, o mais recente livro de Yuval Harari, autor de sucessos como Homo Sapiens e Homo Deus.

A obra tem causado debate: enquanto alguns a consideram essencial para entender o impacto da inteligência artificial (IA) no mundo atual, outros criticam a abordagem simplista do autor. Já nas primeiras páginas, percebi elementos que sustentam ambas as visões.

Narrativa acessível, mas problemática

É inegável o talento de Harari como narrador – sua capacidade de tecer histórias complexas de forma acessível é evidente. No entanto, esta mesma característica que torna o livro tão envolvente acaba sendo sua fraqueza quando se trata de temas técnicos. Logo no prefácio, sua comparação entre IA e instrumentos musicais revela uma simplificação problemática que permeia toda a obra.

Um equívoco sobre a autonomia da IA

O livro repete um padrão já visto em obras anteriores de Harari: privilegia uma narrativa alarmista sobre análise técnica aprofundada. Logo no início ele fala sobre a guitarra, que permite que o ser humano amplifique o som, mas não cria a melodia. E então sugere que a IA é uma tecnologia fundamentalmente diferente, capaz de criar autonomamente e não apenas amplificar. Esta analogia, embora sedutora em sua simplicidade, revela uma compreensão superficial da tecnologia que compromete o argumento subsequente.

O que torna essa analogia particularmente problemática é que ela atribui à IA uma capacidade de agência que simplesmente não existe. Da mesma forma que um instrumento musical não funciona sem alguém para operá-lo, uma IA não gera conteúdo sem intervenção humana: ela necessita de prompts, direcionamento, e uma extensa infraestrutura humana para funcionar.

A cadeia humana ignorada

O que falta na análise de Harari – e aqui está uma das principais críticas acadêmicas ao livro – é o reconhecimento da complexa rede humana por trás de cada ação da IA. Não há menção aos engenheiros, desenvolvedores, gestores e usuários que compõem a verdadeira cadeia de decisão. Esta omissão não é apenas uma simplificação, mas um erro fundamental de análise.

Concentração de poder: o ponto forte do livro

O único momento em que o livro ganha consistência é na discussão sobre a concentração de poder tecnológico. Quando Harari aborda os “senhores da IA”, toca em uma preocupação legítima sobre o controle tecnológico. Ainda assim, mesmo esta análise carece de originalidade, repetindo argumentos já explorados em suas obras anteriores.

Entre infoentretenimento e análise séria

Embora Harari ofereça uma narrativa envolvente e levante questões relevantes sobre nosso futuro tecnológico, “Nexus” parece mais próximo do infoentretenimento do que de uma análise rigorosa. A obra é bem-sucedida em provocar reflexões importantes, mas falha em oferecer o aprofundamento técnico necessário para sustentá-las.

A verdadeira discussão sobre IA precisa ir além de narrativas alarmistas e simplificações excessivas. Precisamos de análises que reconheçam tanto o potencial quanto os riscos reais da tecnologia, sempre lembrando que, por trás de cada sistema de IA, existe uma complexa rede de decisões e responsabilidades humanas.

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