Inteligência Artificial

A IA pode mudar a forma como nos enxergamos?

Nova campanha da Dove afirma que a inteligência artificial é uma das maiores ameaças à representação da beleza real nos últimos 20 anos


Imagem gerada por @inventormiguel pelo MidJourney
 (MidJourney/Reprodução)

Imagem gerada por @inventormiguel pelo MidJourney (MidJourney/Reprodução)

Miguel Fernandes
Miguel Fernandes

Chief Artificial Intelligence Officer da Exame

Publicado em 12 de abril de 2024 às 16h36.

A Dove recentemente lançou uma campanha publicitária abordando a relação entre inteligência artificial e os padrões de beleza. Com o título "A beleza na era da Inteligência Artificial", a empresa busca questionar o papel da tecnologia na idealização do ‘rosto e corpo perfeitos’, reafirmando o compromisso com a promoção da "beleza real".

A campanha inclui um vídeo intitulado "Código Dove: A construção de um futuro livre de estereótipos", que discute o impacto da IA na percepção da beleza. Dove também conduziu uma pesquisa global chamada "O Real Estado da Beleza 2024", entrevistando 33 mil pessoas em 20 países para entender as mudanças e desafios relacionados à beleza na era digital.

Como conclusão da campanha, a empresa argumenta que a IA e seus vieses constituem uma das maiores ameaças à representação da beleza real nos últimos 20 anos.

Minha crítica sobre a campanha

Muita gente compartilhou comigo o vídeo da campanha. Como diretor de inteligência artificial da EXAME e grande entusiasta do tema, me senti compelido a expressar minha discordância em relação à abordagem da Dove nessa campanha.

As imagens geradas pela IA no vídeo da campanha são de má qualidade técnica, o que demonstra um certo descuido da empresa em explorar de forma interessante e inovadora essa nova tecnologia. Esse desleixo reforça a ideia de que a Dove está mais preocupada em demonizar a IA do que em compreender e aproveitar seu potencial de maneira construtiva.

A tecnologia é nova, os problemas são velhos

A obsessão com a beleza e os padrões estéticos irreais não são um produto da IA, mas sim um reflexo de questões culturais e sociais profundamente enraizadas na história da humanidade.

Embora as redes sociais tenham aprofundado esse problema, a pressão para se adequar a um ideal de beleza específico existia muito antes do advento da tecnologia digital. Culpar a IA por esses desafios é uma simplificação ingênua que não aborda a raiz da questão.

Argumentar contra o uso da IA é um posicionamento retrógrado e contraproducente. A tecnologia em si não é o problema, mas sim o uso que fazemos dela. Cabe a nós, como sociedade, estabelecer diretrizes éticas e responsáveis para o desenvolvimento e aplicação da IA. Rejeitar essa ferramenta é como se opor ao uso de computadores devido à existência de crimes cibernéticos.

A responsabilidade social das empresas também é tecnológica

Marcas como a Dove, que têm um histórico de promover causas sociais importantes, deveriam dar o exemplo e liderar o caminho no uso ético e responsável da IA.

No entanto, a postura adotada pela empresa nessa campanha é covarde e contraproducente. Em uma era em que a tecnologia está cada vez mais presente em nossas vidas, é fundamental termos líderes e empresas corajosas o suficiente para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades oferecidas pela IA.

Além de desafiar os padrões de beleza, a IA também pode ser uma ferramenta poderosa para desconstruir estereótipos de gênero. Ao gerar imagens que desafiam as noções tradicionais de masculinidade e feminilidade, a IA pode ajudar a promover uma sociedade mais igualitária e livre de preconceitos.

Coragem para inovar

Para aproveitar o potencial da IA na promoção da beleza real e inclusiva, é essencial a colaboração entre empresas como a Dove e especialistas em IA. Essa parceria é crucial para garantir o desenvolvimento e a aplicação ética e responsável da tecnologia. Ao rejeitar a inteligência artificial, como a empresa vai proporcionar essa integração?

A postura da Dove em relação à IA é um reflexo de uma tendência mais ampla de empresas que se esquivam de sua responsabilidade social em face de novos desafios tecnológicos. É fundamental que as empresas assumam um papel ativo na moldagem de um futuro mais ético e inclusivo.

IA para causar impacto positivo

Imaginem o impacto positivo que a Dove poderia ter se, em vez de se afastar da IA, abraçasse essa tecnologia para gerar imagens que celebrem a diversidade e desafiem os padrões de beleza ultrapassados. A marca poderia ser um exemplo inspirador de como a IA pode ser usada para promover a representatividade e a autoestima, em vez de perpetuar estereótipos limitantes.

Em um mundo cada vez mais moldado pela tecnologia, precisamos de empresas corajosas que estejam dispostas a assumir a responsabilidade de liderar o caminho. A Dove tem a oportunidade de ser essa líder, mas para isso precisa superar o medo e a ignorância em relação à IA e abraçar seu potencial transformador.

Convido os leitores a refletirem sobre o papel da beleza na era da IA e a imaginarem um futuro onde a beleza seja celebrada em toda a sua diversidade e onde a tecnologia seja usada para empoderar, em vez de oprimir. Somente com coragem, inovação e um compromisso com a ética e a inclusão poderemos construir esse futuro.

Grandes marcas como a Dove tem o poder de moldar essa mudança, mas para isso precisam repensar sua abordagem, superar o medo e a ignorância em relação à IA e abraçar seu potencial transformador. Encarar os desafios da era da inteligência artificial de frente, com determinação, visão e uma perspectiva construtiva de futuro, sem demonização.

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