Repórter
Publicado em 18 de março de 2025 às 14h54.
Última atualização em 18 de março de 2025 às 17h56.
A indústria 4.0 já se consolidou globalmente, mas a Siemens enxerga um novo estágio em curso: a sociedade 5.0. O conceito, originado no Japão, propõe que a tecnologia industrial não apenas otimize fábricas, mas também traga benefícios diretos à sociedade, promovendo sustentabilidade e melhorando a qualidade de vida. A inteligência artificial (IA) está no centro dessa transformação, tornando as operações industriais mais eficientes e previsíveis.
A avaliação é do italiano Daniel Scuzzarello, VP e country manager da Siemens Software na América do Sul. Com mais de 25 anos de experiência no setor, Scuzzarelo já ocupou cargos de liderança na Siemens em diferentes países, incluindo Suécia, Itália e Alemanha. No Brasil desde 2021, ele comanda a estratégia da empresa para acelerar a digitalização da indústria nacional. Segundo ele, “O software é um grande equalizador, e o Brasil pode se destacar nisso. O profissional brasileiro é inovador e resolve problemas rapidamente”, afirma.
Daniel Scuzzarello: country manager da Siemens Software (Divulgação)
Em entrevista à EXAME, o executivo reforça a aposta na IA para reduzir desperdícios e otimizar recursos. Um dos principais avanços é o uso do gêmeo digital compreensivo, que permite rastrear todo o ciclo de vida de um produto. Esse modelo é essencial para a economia circular, pois possibilita prever o impacto ambiental desde a produção até o descarte.
No entanto, o avanço da IA também traz desafios. Os data centers, responsáveis pelo processamento dos algoritmos, consomem volumes massivos de energia. A solução, segundo a Siemens, está no uso de fontes renováveis. Com uma matriz energética predominantemente limpa, o Brasil tem potencial para se tornar um polo de tecnologia sustentável.
Confira os principais trechos da conversa abaixo:
A Siemens enxerga a indústria 4.0 como um conceito consolidado. O que vem depois dela?
A indústria 4.0 já tem quase 16 anos. Agora, estamos em um momento de expansão, em que a digitalização se torna ainda mais profunda e integrada. O próximo passo, que já está em curso, é a sociedade 5.0, conceito que surgiu no Japão e foca no benefício direto das pessoas com o uso das tecnologias industriais. Isso significa que não basta apenas tornar fábricas mais eficientes; precisamos garantir que a tecnologia melhore a vida das pessoas, otimize recursos e crie soluções sustentáveis. A inteligência artificial está cada vez mais integrada às operações industriais, permitindo maior eficiência e previsibilidade.
A Siemens investe fortemente em inteligência artificial para a indústria. Como isso impacta a sustentabilidade?
A inteligência artificial permite que as empresas projetem produtos e processos de maneira mais eficiente, reduzindo desperdícios e otimizando materiais. Na Siemens, trabalhamos com a ideia de um gêmeo digital compreensivo, que conecta todas as informações do ciclo de vida de um produto. Isso é essencial para a economia circular. Com um rastreamento digital completo, conseguimos prever o impacto ambiental de um produto desde sua fabricação até o descarte, ajudando empresas a desenvolver soluções sustentáveis.
Mas a aceleração da inteligência artificial não traz também um custo ambiental elevado?
Sim, há um paradoxo. Os data centers que alimentam a inteligência artificial consomem energia equivalente a países inteiros. A chave está em garantir que essa energia venha de fontes renováveis. No Brasil, temos uma vantagem: nossa matriz energética é majoritariamente renovável. Isso cria uma oportunidade para o país se tornar um polo de tecnologia limpa. Mas precisamos investir em infraestrutura para suportar essa transformação.
Em setembro de 2024, o governo brasileiro lançou um programa de modernização do parque industrial. Como a Siemens pode contribuir?
Acompanhamos de perto essas iniciativas e acreditamos que o Brasil tem uma grande chance de saltar etapas na modernização industrial. Antes, era necessário um alto investimento em máquinas para competir globalmente. Hoje, o software é um grande equalizador. Com soluções digitais, conseguimos modernizar fábricas sem precisar trocar toda a infraestrutura. Além disso, o Brasil tem profissionais altamente capacitados e inovadores, o que pode acelerar essa adaptação.
E essa reconfiguração global das cadeias produtivas traz quais oportunidades para o Brasil?
O mundo está redesenhando suas cadeias de suprimentos, reduzindo a dependência da Ásia. Isso abre espaço para novos polos produtivos, e o Brasil pode se beneficiar. Temos um mercado interno forte e proximidade com outras economias emergentes, como América Latina e África. Mas, para aproveitar essa oportunidade, precisamos de mais estabilidade e infraestrutura. O investidor precisa confiar que o cenário econômico e regulatório não mudará abruptamente.
Como a Siemens lida com a formação de talentos para a transformação digital?
A indústria tem um papel fundamental na capacitação de profissionais. Estamos cada vez mais próximos de universidades e escolas técnicas para adaptar os currículos às demandas atuais. Hoje, um profissional pode se tornar desenvolvedor de low-code em seis meses, sem precisar de uma formação tradicional em ciência da computação. Isso abre oportunidades para muitas pessoas e ajuda a reduzir o déficit de talentos tecnológicos.
Qual o papel da liderança nesse cenário de transformação?
Os líderes precisam ter empatia e flexibilidade. O modelo antigo, baseado apenas em comando e controle, não funciona mais. O líder de hoje deve ouvir, entender e criar um ambiente em que as pessoas se sintam valorizadas. Na Siemens, nossa cultura é baseada nisso. Nos últimos quatro anos, temos crescido de forma consistente, e isso se deve, em grande parte, ao engajamento das pessoas. Quando criamos um ambiente positivo, os resultados vêm naturalmente.