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China

Robôs e mais robôs: a resposta chinesa à liderança americana em IA

Para competir com Microsoft e Google, os chineses apostam cada vez mais no que fazem de melhor: fabricar coisas

Beyond Expo, em Macau: a divisão geopolítica vai fazer com que empreendedores tenham que “escolher um lado”. (Lucas Amorim/Exame)
Beyond Expo, em Macau: a divisão geopolítica vai fazer com que empreendedores tenham que “escolher um lado”. (Lucas Amorim/Exame)
Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Publicado em 23 de maio de 2024 às 08:56.

Macau* — Anéis, relógios, óculos, próteses, escovas de dente, robôs que carregam caixas, robôs que preparam café, robôs que constroem outros robôs. A feira de tecnologia Beyond Expo, em Macau, condensa a visão da China para inteligência artificial.

Enquanto do outro lado do mundo Google e Microsoft apresentam assistentes virtuais cada vez mais humanos, capazes de captar emoções e responder com ironia, os empreendedores chineses buscam um caminho alternativo. A deeptech chinesa, como fica cada vez mais claro, é conectada a hardware de ponta e uso dos dados do mundo real.

A solução é uma estratégia muito pragmática de investimentos. "Precisamos focar no que as pessoas precisam, não no que elas gostam", diz Lu Zhang, chinesa criadora do Vision Fund, no Vale do Silício. "Nos Estados Unidos os empreendedores digitais gostam de fazer coisas que ajudam o consumidor a economizar tempo; na China, as inovações são para as pessoas gastarem tempo", complementa Harry Man, sócio do fundo de investimentos Matrix na China.

Os dois empreendores participaram de um painel na Beyond Expo que tratou justamente da mudança na estratégia de investimentos na era da inteligência artificial. Endossaram visões correntes em outros painéis e nos corredores da maior feira tech da Ásia: a China em particular, e a Ásia, de uma forma mais ampla, precisam levar para IA o pragmatismo que sempre adotaram na indústria. 

Isso exige reconhecer que a liderança de ChatGPT, Gemini e Copilot vai ser difícil de ser alcançada -- ao menos no curto prazo. "Acho que 90% das oportunidades nesta primeira onda de inteligência artificial serão dominadas pelas grandes. Porque elas dominam os dados", diz Zhang. "Mas as indústrias e as empresas de logística têm muitos dados, e não vão querer compartilhar com Google e Microsoft. Soluções B2B são uma gigantesca oportunidade".

É onde entra a conexão com a robótica. "A China fabrica tudo que o mundo precisa nos últimos 20 anos. Sabemos como fazer coisas. A IA vai permitir um ecossistema robótico que seja realidade na vida de pessoas e empresas", diz Man.

"O inglês dá uma vantagem competitiva para os Estados Unidos nos dados on-line. Por isso precisamos focar nos dados do mundo real, de fábricas, de hospitais, do trânsito", afirmou Jung-Hee, empreendedor sul-coreano do fundo Futureplay.

O caminho natural, aponta Zhang, é começar por indústrias que tenham muitos dados à disposição. "Depois os próprios robôs passam a ser geradores de dados para ir melhorando as ferramentas", diz. 

Mudança de eras

A tendência de conexão entre robôs e plataformas de inteligência artificial marca uma mudança de eras no mercado de tecnologia, apontou Eugene Zhang, empreendedor chinês que comanda, na Califórnia, o fundo TSVC, com investimento em unicórnios como o Zoom.

"Eu sou da geração do silício, dos chips, dos semicondutores. Depois fomos para software como serviços. Mas as coisas estão mudando. Hardware, chips e robotics voltaram a ser importantes, assim como novas fontes de energias", diz.

Para aproveitar as oportunidades desta nova era, e fazer com que o universo de protótipos da Beyond Expo virem negócios bilionários, a China tem desafios pela frente, reconhecem os empreendedores. "O mercado de fusões e aquisições é muito mais ativo nos Estados Unidos. São elas que dão agilidade para que as empresas encontrem soluções e contratem as pessoas certas", diz Man.

Com um mercado de investimento privado ainda restrito na China, o caminho natural para as startups do país é buscar dinheiro fora. O problema: quando se trata de inteligência artificial e acesso a bases de dados, estar sediado na China vira um problema do tamanho da Cidade Proibida.

"Cada vez mais as empresas vão se ver na posição de escolher um lado. Para acessar dinheiro americano, vão precisar construir sua história por lá", diz Man. "Antes não era assim, mas a divisão geopolítica faz dessa escolha uma necessidade".

A própria diferença nos idiomas fará com que China e Estados Unidos sigam em universos paralelos quando se fala em IA. Com o passar do tempo, aponta Lu Zhang, a necessidade de chegar a novas regulações globais vai ficar cada vez mais evidente. "Os dois lados precisam conversar", diz.

*O jornalista viajou a convite da Beyond Expo.

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Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, começou a carreira no Diário Catarinense. Está na Exame desde 2008, onde começou como repórter de negócios. Já foi editor de negócios e coordenador do aplicativo da Exame.

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