Petrobras: como o passado de perdas de R$ 100 bi pesa sobre o futuro estratégico
Mercado gosta, mas desacredita, de plano estratégico para os próximos cinco anos da companhia
Publicado em 2 de dezembro de 2022 às 09:48.
O plano de investimentos da Petrobras (PETR3/PETR4) para os cincos anos de 2023 a 2027 é a melhor e a pior notícia para a estatal. O valor aprovado é de US$ 78 bilhões, excluídos gastos com afretamento, 15% acima do total anunciado no último plano, que valia para o intervalo de 2022 a 2026. A melhor notícia é porque veio dentro do que era esperado, com a maior parte dos recursos, mais de 82% do total, concentrada no setor de exploração e produção, que possui a melhor rentabilidade entre as atividades da empresa e é considerado seu core business. A pior é que ninguém acredita nele. Isso porque é esperada uma troca na administração da petroleira, em razão da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e uma consequente mudança desse planejamento. As declarações do presidente eleito e de sua equipe, até o momento, apontam para aumento do investimento em refino e menor pagamento de dividendos.
Quem ouviu a apresentação da companhia para investidores ontem pôde sentir o tamanho da preocupação. Boa parte das perguntas foi destinada a entender a governança do plano, como é feito e com que facilidade ele pode ser alterado. Os executivos da estatal explicaram que essa projeção é construída de baixo para cima. O que isso significa? Que são os gerentes de cada área da Petrobras que definem as prioridades e os investimentos. Depois isso é submetido a um comitê técnico, com 12 gerentes. Em seguida, a diretoria avalia e decide e, na sequência, a discussão sobe para o conselho de administração.
“Pode ser que a política de investimentos não mude de uma hora para a outra. Mas é sabido que a Petrobras tem várias correntes internas dentro dela e tem quem seja contra os dividendos e queira ampliar os gastos em refino. Se o novo governo eleger um conselho que pensa dessa forma é natural que, internamente, as pessoas alinhadas com essa visão irão ascender. Então, essa mecânica não garante nada”, comentou um analista, que prefere não se identificar dada a sensibilidade do assunto.
As contas que a história deixou
A preocupação tem razão de existir. E muita. A Petrobras foi o coração dos escândalos investigados na Operação Lava-Jato. Depois do início das investigações, a petroleira fez ajustes no balanço que levaram a um total de quase R$ 100 bilhões em baixas contábeis, ou seja, da redução do valor do patrimônio da companhia por projetos que não teriam retorno positivo.
Somente em 2013, a companhia investiu mais de US$ 48 bilhões — 61% do total do plano atual para os próximos cinco anos. Tudo bem, o câmbio médio daquele ano foi R$ 2,15. Mas tratar os investimentos em reais não é o mais adequado: a grande maioria dos gastos são em dólares e os preços dos fornecedores têm relação também com o preço do barril. O brent hoje está em torno de US$ 87, depois de rondar a casa dos US$ 120 com o estouro da guerra na Ucrânia. Esse raciocínio vale especialmente para o plano atual, concentrado na exploração e produção de petróleo. No início dos anos 2010, o petróleo subiu e oscilou em torno dos US$ 100 e ajudou a estimular os projetos para os pré-sal, mas os planos estratégicos da época tinham boa parte dos investimentos em construção, no projeto das refinarias.
Não por acaso, Ricardo Pessoa, controlador e presidente da UTC Engenharia, deu a dimensão da força de investimento da estatal com sua fala em sua fala à CPI da Petrobras, nas alturas de 2015: “A Petrobras investe R$ 1 bilhão a cada três dias”, disse ele sobre aquele período. Ao câmbio atual, esse valor seria de R$ 2,1 bilhões. Apenas como comparação, o plano atual equivale a R$ 1,6 bilhão por semana — ao câmbio médio de 2013, seriam R$ 640 milhões.
Em 2016, quando trabalhava no Valor Econômico, tive acesso a documentos sigilosos da Petrobras sobre os projetos aprovados das refinarias. O que eles revelavam, entre tantas coisas, é que os projetos para as refinarias de Comperj, Abreu e Lima (Rnest) e a petroquímica de Suape foram aprovados tendo na largada valor presente líquido (VPL) negativo, indicador que mede a expectativa de retorno do emprego dos recursos. Na largada, a projeção era de retorno negativo de US$ 3,4 bilhões, para um investimento inicialmente planejado de US$ 26 bilhões. Depois dos tão famosos aditivos dos contratos com as construtoras, o prejuízo esperado subiu para US$ 36,6 bilhões, antes das baixas contábeis realizadas, e o investimento somava US$ 46 bilhões, até o fim de 2014.
Nos quatro anos, de 2010 a 2013, o investimento anual da Petrobras superou US$ 40 bilhões anualmente.
Retorno positivo
Diante desse histórico, dá para entender o esforço da atual administração, ao falar sobre o plano estratégico até 2027, de reiterar na apresentação dos números que todos os projetos aprovados têm o bendito VPL positivo, inclusive nos cenários de estresse — de queda no preço do barril do petróleo.
A Petrobras considera como cenário de estresse US$ 35 por barril para projetos greenfield (do zero). Entretanto o parque atual da companhia com o pré-sal muito representativo, já rentável e com parte dos investimentos amortizados, dilui essa média e faz com que o cenário de estresse seja com o barril a US$ 20. Esse é o preço mínimo para retorno positivo dos projetos. O que a administração da Petrobras diz é que no plano atual, nos investimentos de exploração, o retorno seria positivo até esse valor do petróleo.
A companhia, contudo, ressaltou na apresentação que não possui um retorno mínimo esperado, ou seja, com base no VPL, a partir do qual considere um projeto viável ou não. Eles precisam ser apenas positivos.
A polêmica do refino
Com esse histórico e os avanços que a Petrobras conquistou nos últimos anos, a preocupação de mudanças no plano estratégico da companhia — leia-se, aumento de investimentos e redução de dividendos — é que a companhia amplie os gastos em refino. Ou seja, o medo é que a petroleira coloque dinheiro em projetos com baixo retornou ou nenhum.
Por isso, os investidores e analistas que participaram da teleconferência de ontem, pediram para saber de retorno de investimentos em refino. No plano estratégico de 2023 a 2027, os recursos dedicados a essa área aumentaram em 30%, para US$ 9,2 bilhões, na comparação com a projeção para 2022-2026. A companhia vai expandir a frente de gás e também em refinarias para produtos “verdes”, na expectativa inclusive de produzir combustível de baixa pegada de carbono para aviação. Entretanto, os gastos não têm relação com novos projetos, mas com expansão de capacidade e melhoria de qualidade, inclusive na eficiência climática, das plantas já existentes.
A Petrobras, mais uma vez, não quis falar de retorno dos investimentos orçados. Mas deu uma indicação, levando em consideração a operação atual. Enquanto o retorno sobre capital dos projetos de exploração e produção de petróleo estão em torno de 20%, no caso do refino, esse percentual cai para 12%.
E é isso que os investidores temem. Por que? Dividendos é a resposta. E governança. Uma percepção de governança ruim fará mal — só a expectativa já fez — para o valor da Petrobras na bolsa. A companhia, que chegou a valer mais de R$ 500 bilhões na B3, já perdeu a posição para a Vale e hoje está avaliada em menos de R$ 360 bilhões. A expectativa é que retorno para o investidor cai dos atuais quase 30% para cerca de 10%.
O receio não é “apenas” com o refino. É que a companhia, assim como ocorreu com a descoberta do pré-sal se torne uma máquina de investimento, usada pelo governo, mas com princípios equivocados, para fazer indiretamente política industrial. Em 2010, era o pré-sal. Agora, a companhia tem uma nova fronteira para explorar, a tal da margem equatorial, como são chamados os novos campos que ficam nos mares do Norte e alto do Nordeste do país. Nesse plano estratégico, pela primeira vez, a região passou o pré-sal do Sudeste nos investimentos dedicados: 49% de tudo que será dedicado à exploração e produção, ante 45% para o Sudeste.
Quando investia mais de US$ 40 bilhões ao ano, a Petrobras não tinha um Ebitda anual acima de US$ 50 bilhões, como tem hoje e era muito mais alavancada. Em tese, portanto, a capacidade para investir era muito menor. Depois de pagar mais de US$ 100 bilhões em dívida desde 2015, o que fez a despesa financeira cair de US$ 7 bilhões por ano para algo como os US$ 2 bilhões projetados para este ano, a estatal tem uma relação entre dívida líquida e Ebitda de 0,5 vez. O que isso significa? Espaço para investir muito mais do que simplesmente cortando dividendos, como os analistas esperam.
Se a Petrobras ampliar essa relação para 2 vezes (o que ainda é considerado um nível saudável), ou seja fizer mais dívidas para investir, não tem PEC que compita com o que isso significa em injeção de recursos na economia. O difícil vai ser convencer os investidores disso, garantir retorno e não levar junto o dólar e o risco Brasil às alturas. Será preciso uma governança para lá de boa, muita transparência e uma comunicação exemplar. É difícil encontrar um balanço para isso. Mas é um desafio que terá de ser encarado pelo governo.
E na conta, terá de constar o quanto a estatal paga em dividendos e tributos — dinheiro que aumenta quando o lucro da petroleira cresce e que, uma vez no caixa do União, o governo tem toda legitimidade para definir como usa. Só para lembrar, a companhia pagou R$ 1,1 trilhão em impostos desde 2017. O plano estratégico atual, de acordo com os cálculos da empresa, trará um retorno entre US$ 215 e US$ 235 bilhões para a sociedade (União), considerando impostos e dividendos projetados. São quase R$ 1,2 trilhão (ao dólar atual) no bolso do governo, 50% mais do que os R$ 800 bilhões da "PEC do estouro" (estouro do Testo de Gastos do governo) para todo o governo Lula. A questão é que esse dinheiro já está no orçamento, endividar da Petrobras é que é dinheiro novo e não está na conta.
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