Na corrida da IA, o Brasil pode entrar no mapa dos data centers
País pode atrair empresas em busca de eletricidade limpa – mas custos e entraves regulatórios ainda são questões relevantes, ponderam analistas
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 17 de julho de 2024 às 14:49.
O rápido avanço da inteligência artificial generativa deve escalar a demanda por data centers em todo o mundo – e com ela, o consumo de energia limpa necessária para uma montanha cada vez maior de dados e treinar modelos cada vez mais complexos.
Seria essa uma oportunidade para finalmente o Brasil conseguir ‘exportar’ sua capacidade de produzir energia renovável? Nos últimos dias, diversos sell sides se debruçaram sobre a questão, todos de acordo com o tamanho da oportunidade em potencial – e com boas divergências sobre a capacidade real de o Brasil aproveitá-las.
Para o Santander, um dos mais otimistas, o Brasil pode ser um dos beneficiários desse mercado, que atingiu US$ 329,3 bilhões em 2023 e pode chegar a US$ 438,6 bilhões até 2028, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 6,6%.
Embora os data centers estejam atualmente concentrados nos Estados Unidos e na Europa, esses mercados enfrentam desafios relacionados ao fornecimento de energia e água (usada para resfriar equipamentos), bem como à regulamentação sobre eficiência energética e emissões de carbono.
“Nesse contexto, o Brasil se destaca globalmente pela sua geração de energia limpa, disponibilidade de recursos e eficiência de custos”, destacam os analistas do banco espanhol.
O time do Itaú BBA foi consultar a Nvidia, fabricante de semicondutores cujas ações simbolizam a euforia com a IA: se valorizaram 1100% desde as mínimas em 2022. A resposta sobre os gargalos energéticos, dizem os analistas, foi interessante.
“Geografias com renováveis baratas e abundantes poderiam hospedar data centers de IA. E isso inclui a América do Sul.”
O mais cético é o time do UBS. Para os analistas do banco suíço, o Brasil terá data centers, mas não numa quantidade capaz de mudar o jogo e colocar o país na rota de investimentos – e tampouco mexer de forma estrutural com a sobreoferta de energia renovável que vem assolando o país em meio ao baixo crescimento econômico e disparada da geração distribuída.
De acordo com a equipe de Giuliano Ajeje, a distância geográfica entre data centers no Brasil e principais hubs nos Estados Unidos e na União Europeia leva a preocupações com latência. Em outras palavras: essa distância impacta a velocidade da transmissão de dados, o que é crucial para as operações dos data centers, afirma o UBS.
Para o time do BBA, esse ponto, porém, pode ser menos relevante. “Embora haja uma oportunidade para inferência local (ou seja, rodar os modelos localmente), a maior oportunidade é para treinamento de LLM (large language model, que trata da arquitetura de um modelo neural dos sistemas), onde que a latência não é um problema”, escrevem os analistas.
Custos e regulamentação
Outra questão é a carga tributária e o peso das tarifas de transmissão nas tarifas, que acaba influenciando o custo da energia, pondera o UBS.
Eles calculam que a carga tributária eleve o preço da eletricidade para data centers a ponto de deixá-lo próximo do praticado nos Estados Unidos (US$ 66/MWh no Brasil contra cerca de US$ 80/MWh para o mercado americano).
“Impostos (PIS/Cofins e ICMS) combinados com custos de transporte de energia tornam os preços da energia não tão atraentes”, pondera a equipe de Giuliano Ajeje.
A alternativa seria fazer modelos de autoprodução, que tem vantagens fiscais – que vêm sendo contestadas em projetos no legislativo e no executivo –, e pode favorecer contratos bilaterais de longo prazo.
Soma-se a isso o fato de que a infraestrutura das redes de transmissão e distribuição precisaria ser ampliada para atender à necessidade de disponibilidade de energia dos data centers praticamente 100% do tempo, especialmente fora do Sudeste.
A questão tributária também é um ponto de atenção para a própria atração dos data centers, segundo o Santander. O país tem um dos maiores impostos no setor entre os países da OCDE, o que aumenta os custos de instalação e operação.
Uma regulamentação que apoie o avanço de investimentos em data centers é um ponto em comum na análise dos três bancos.
De fato, para o time do BBA, regulação e expansão confiável da infraestrutura são duas áreas-chave para o Brasil ganhar competitividade nesse jogo.
“Esse potencial aumento na demanda poderia ajudar a reduzir a situação de excesso de oferta no médio a longo prazo, fazendo os preços dos acordos de compra de energia renovável subirem para níveis mais próximos ao custo marginal de expansão”, argumentam os analistas do BBA.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado