Eletrobras: mercado ignora falta de governança na escolha de Limp
Analistas e investidores saúdam Rodrigo Limp e ignoram riscos futuros que prevalência da vontade do governo traz
Publicado em 26 de março de 2021 às 11:03.
Última atualização em 26 de março de 2021 às 11:09.
Lembram do fuzuê quando o governo, do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), decidiu tirar o Roberto Castello Branco da Petrobras para colocar o Joaquim Silva e Luna? Foi o maior alvoroço no mercado, correto? A reação foi uma redução de R$ 30 bilhões no valor da petroleira na B3 e uma chuva de relatórios de analistas para apontar o aumento do risco político.
Pois bem. Já quando o mesmo governo decidiu ignorar o processo de seleção de um novo presidente para a Eletrobras, coordenado pelo conselho de administração, com amparo da consultoria especialista Korn & Ferry, foi quase uma comemoração. Sabe o ESG? Dessa vez, não apareceu ninguém para falar. Ou quase ninguém.
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A indicação de Rodrigo Limp fez as ações da estatal de energia – em um processo de privatização que ora anda para frente, ora anda para trás – subirem quase 5%. A Eletrobras ganhou R$ 2,4 bilhões em valor de mercado — isso mesmo, teve valorização — e fechou o pregão de ontem avaliada em R$ 53,3 bilhões.
A contratação da Korn & Ferry para escolher um substituto a Wilson Ferreira, que renunciou à presidência da Eletrobras para assumir a posição na BR Distribuidora, foi justamente uma ação rápida do conselho da estatal para tentar evitar justamente o que ocorreu. Diante da vaga, o colegiado agiu para iniciar um processo profissional, de escolha por competência. Mesmo feito na velocidade da luz, para algo tão complexo, era o caminho certo.
Mas ignorar essa questão não pareceu um problema de gestão para o coletivo “mercado”. Bastou alguém com um perfil mais técnico para satisfazer, não importando a ausência de experiência no setor privado, a despeito dos conhecimentos no setor de energia.
Nos relatórios de analistas, a mesma comemoração. Ninguém reduziu recomendação ou preço-alvo. Só confetes e serpetinas. O Credit Suisse resumiu assim sua avaliação sobre a indicação para a Eletrobras: “Positivo. Limp é advogado, conhece o setor bem e está envolvido com as discussões da privatização (apoiando), como secretário do Ministério de Minas e Energia [MME], e foi diretor da Aneel”.
Limp, nas palavras dos especialistas do JP Morgan: “possui todas credenciais técnicas, legais e regulatórias para liderar a Eletrobras. Mais do que isso, detém profundo conhecimento do setor de energia depois de ser diretor da Aneel e secretário no MME. Mais importante, ele não combina não apenas as habilidades certas para o trabalho como possui conexões com o governo e com o congresso, uma capacidade crítica para ajudar na evolução da privatização.”
Até aqui, nem uma única palavra sobre risco de interferência política ou sobre o desrespeito às boas práticas de governança que levaram, inclusive, o conselheiro da Eletrobras Mauro Rodrigues da Cunha a renunciar a sua posição. Em uma dura e curta carta, ele sintetizou a situação: “houve quebra irremediável de confiança no processo de governança deste conselho”.
Mas o que Mauro viu e apontou, o mercado preferiu não ver, em sua maioria – daí que o resumo foi a alta das ações, entre poucos críticos e muitos não críticos. De dezembro para cá, a Eletrobras perdeu o trio de ouro que da uma cara privada e profissional ao negócio, com Ferreira como presidente e Mauro Cunha e José Guimarães Monforte (renunciou em dezembro) no conselho. Os três escolheram sair.
Aliás, analistas e investidores só avaliaram “o lado bom” de Limp: o clássico do copo meio cheio. Mas se o copo meio cheio estivesse cheio mesmo, seria meio copo. Risco ignorado. O que o joguinho de palavras quer dizer?
Quer dizer que não foi colocado em perspectiva como o conselho da Eletrobras vai se impor perante o governo daqui para frente, após a conduta desse caso, nas inúmeras transações com partes relacionadas até conseguir fazer a capitalização (privatização) — se e quando vier. Como ficam as definições de valores? Tem preço de outorga pela frente, valor de Eletronuclear que precisa ser repassado para a União, valor de Itaipu. A coleção é tão grande que o site da Eletrobras tem um ícone para “transações com partes relacionadas”.
Na lista dos relatórios, Safra tem um tom mais cauteloso. A casa reduziu a recomendação de compra para manutenção das ações desde a renúncia de Ferreira. Contudo, também aponta as habilidades potenciais de Limp para acelerar e conduzir a questão da privatização. O Bofa, de forma mais suscinta mesmo para relatar as condições da indicação, diz estar com uma visão “construtiva” de Eletrobras e apontou apenas para os quesitos técnicos de Limp.
Bem menos festivo, embora positivo com a indicação de Limp, é o BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME ). Os analistas da instituição foram os únicos a dar destaque para a renúncia de Mauro Cunha do conselho diante da circunstância. A visão mais positiva vem da ponderação de que seria "justo supor que encontrar um CEO de alto nível da iniciativa privada não seria uma tarefa fácil" e que, em comparação com as demais indicações vindas do governo, Limp possui a capacitação técnica do setor, conforme relatório.
Rara voz dissonante foi a Genial Investimentos que, diferentemente das demais, trouxe sim uma percepção de “aumento da desconfiança” e do “risco de ingerência política”, a despeito das qualidades de Limp.
Na balança Petrobras e Eletrobras, a leitura é que o ESG é o de menos. O que importa é a política de preços da Petrobras e a privatização da Eletrobras. Ou seja, em um mercado com ânimo para Vale, Petrobras e Eletrobras, o E (ambiental), o S (social) e o G (governança) são questões para se preocupar quando a companhia ou sua gestão, por alguma razão, não levam lucro aos investidores. Parece ainda mais argumento póstumo das tragédias do que preocupação.
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