André Esteves: "se fizermos o mínimo certo, teremos uma reprecificação de ativos no Brasil"
Novo arcabouço fiscal, se trouxer previsibilidade para país ter dívida sustentável, pode abrir espaço para correção da taxa de juros
Graziella Valenti
Editora Exame IN
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 às 11:31.
Última atualização em 14 de fevereiro de 2023 às 11:50.
A despeito de todo barulho e burburinho neste começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil está em uma situação e em um momento privilegiados. “Se fizermos o mínimo certo, teremos uma reprecificação de ativos no Brasil”, afirmou André Esteves, chairman e sócio-fundador do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame). O mínimo a que ele se refere abarca desde o novo arcabouço fiscal até a manutenção e maximização das oportunidades na questão da neutralidade geopolítica do país e do agronegócio.
Esteves falou há pouco na abertura do CEO Conference 2023, que marca a retomada presencial sem restrições do principal evento anual do BTG Pactual. O evento, que possui transmissão ao vivo pela internet, contará com duas mil pessoas interagindo nesta edição. Há pouco, o registro indicava o cadastro de 40 mil pessoas para acompanhar as transmissões dos debates.
No começo de sua apresentação, o chairman do banco falou bastante sobre o tema sensação do momento – a taxa de juros brasileira e a batalha aberta pelo governo contra o patamar da Selic e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Esteves destacou o fato de a taxa de juros não ser algo de carácter voluntário, mas fruto de um trabalho técnico de leitura do quadro econômico nacional e que sequer é exercido apenas pelo presidente do BC.
A avaliação do chairman do BTG é que o futuro da taxa de juros depende, neste momento, da execução de dois esforços que estão sendo conduzidos pelo governo: a definição do novo arcabouço fiscal, em substituição ao regime do teto de gastos, e a reforma tributária. Entretanto, entre os dois, a questão fiscal tem peso maior, dada sua função de trazer previsibilidade para a trajetória da dívida pública. Ele acredita que assim que houver mais estabilidade e visibilidade sobre esse tema, os indicadores vão se acomodar e a queda de juros terá mais espaço para acontecer.
Apesar de também deixar clara a leitura de que a Selic está um pouco salgada e que a expectativa é que tão breve quanto possível o BC inicie uma trajetória de redução, Esteves pontuou que esse ainda não é momento. “Não dá para mexer sem ancoragem.” Trocando em miúdos, ainda existe volatilidade e as incertezas recentes, criadas justamente pelas falas das lideranças do governo, terminaram por impactar o juro futuro e indicadores de inflação.
Ele aproveitou para refutar a crítica de que o mercado, acusado de ser rentista, não tem preocupação social. “Se a política fiscal for bem executada, o juro fica naturalmente mais baixo.” Ele apontou ainda que para o próprio negócio bancário juros menores são melhores, pois levam à expansão da carteira de crédito – e emprestar dinheiro é uma das funções fundamentais de uma instituição financeira.
Esteves foi bastante direto em apontar que Turquia e Argentina não podem ser exemplos de sucesso na condução econômica e que para o Brasil, dado seu passado recente, é muito arriscado aplicar qualquer teoria econômica, e que já se provou desastrosa, em que se torne aceitável uma inflação mais alta para uma taxa de juros mais alta. “Já deram a Turquia de exemplo, por ter taxa de juros de 9% ao ano e inflação de 70%. Mas a inflação está nesse patamar porque a taxa de juros está errada e não o contrário. Precisamos lembrar que o Brasil é um alcóolatra momentaneamente curado.”
“O Brasil não vive uma crise de dívida. Mas isso é uma questão importante. Aqueles que acreditam que podemos nos endividar sem parar estão muito equivocados. Mas, de tempos em tempos, algumas paixões nos assombram aqui. Lá atrás, chegamos a namorar a ideia do currency board, de dolarizar a economia. Imaginem o que teria acontecido se tivéssemos feito isso. Então, de vez em quando aqui, nós temos que afastar alguns fantasmas”, pontuou. Em certo momento de sua fala, o banqueiro chegou a pontuar que a crença no gasto despreocupado seria como a “Disneylândia” de todos os governos. “É o wonderland que não existe.”
Ao mesmo tempo que foi crítico às falas mais populistas, Esteves apontou que vê preocupação do governo sim de que o novo arcabouço fiscal leve à previsibilidade da trajetória de dívida, e não o contrário. “É natural ter aperfeiçoamento. O regime do teto não é o único caminho.” Daí, sua conclusão que o mínimo certo pode levar a bons resultados.
Economia global e geopolítica
André Esteves não está tão otimista com o cenário externo, sobre as economias dos Estados Unidos e da Europa, quanto alguns economistas e agentes de mercados internacionais. “Vivemos 15 anos de juro real negativo. Isso afeta o mindset do mercado, dos traders, de todos os agentes. ” Na percepção dele, ao longo dos anos anteriores, foi criada uma mentalidade quase de “mundo perfeito”, porém a vida real traz mais desafios.
Dessa forma, entende que as taxas de juros internacionais ainda estão sim sob pressão e que o emprego está muito forte, especialmente nos Estados Unidos. Logo, dará mais trabalho colocar a economia nos eixos do que parece nesse momento — o mesmo vale a respeito da questão energética europeia. Nesse sentido, o Brasil está em uma posição de vantagem, por ter começado antes a correção da rota de alta de inflação, com aumento da taxa de juros.
“Mais uma vez, temos espaço para uma reprecificação importante de ativos. Podemos aguentar algum desaforo externo, tudo estando no lugar, e as coisas por aqui podem melhorar.”
Outra dianteira que o país pode se beneficiar é na questão das movimentações geopolíticas recentes. Daí o reforço na relevância da questão da neutralidade. Se para o curto prazo, Esteves é menos otimista, para o médio e longo é ainda mais cético, dada a antagonização entre China e Estados Unidos que deve sim, em seu entendimento, deixar o ambiente internacional mais tenso.
Ao contrário de alguns economistas que entendem que um movimento de reindustrialização poderia demorar, dado o ambiente externo de polarização das potencias, Esteves já vê isso acontecendo. Ele citou uma recente viagem ao México, na qual se impressionou com esses efeitos.
“O Brasil é o maior produtor e exportador de alimento do mundo. Nunca estivemos nessa posição antes. Temos de nos manter neutro geopoliticamente, mostrar que não existe preconceito com empresários de toda as origens”, disse, a respeito de como podemos maximizar a oportunidade. Nesse sentido, qualquer política produtiva do país deveria pensar no aumento da tecnologia para produção de alimentos. “Temos uma clara oportunidade de liderança. Nichada, mas temos.”
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Graziella Valenti
Editora Exame INCriadora do EXAME IN, espaço dedicado à cobertura de negócios, com foco em mercado de capitais. Na EXAME desde março de 2020, ficou 13 anos no Valor Econômico, oito como repórter especial, sete anos na Broadcast, do Grupo Estado.