Agrotools: depois de levantar R$ 100 mi, foco da startup é desenvolver ‘agro do bem’
Agtech fundada há quinze anos quer democratizar oportunidades no setor, trazendo informações de qualidade sobre produtores e para PMEs
Publicado em 7 de junho de 2022 às 12:58.
Última atualização em 10 de junho de 2022 às 17:48.
A Agrotools pode ser considerada, em certa medida, uma ‘senhora’ startup. Fundada há quinze anos, a empresa se dedicou a olhar para um setor que, na época, pouco ou nada tinha de digitalização dentro de si: o agronegócio. Com executivos experientes na gestão, a empresa foi encontrando seu espaço pouco a pouco no mercado brasileiro – e depois, internacional –, no melhor que a expressão ‘devagar e sempre’ pode traduzir. Em vez de crescimento a qualquer custo, disciplina na alocação de capital. No lugar de buscar por sócios já no início do negócio, esperar treze anos para se abrir pela primeira vez ao mercado. A disciplina e a paciência, combinadas ao forte desenvolvimento tecnológico, renderam frutos: a empresa levantou R$ 100 milhões na primeira rodada com investidores, conduzida ao longo de 2021 e 2022. O dinheiro dará acesso a uma série de iniciativas, todas com um foco único em comum: “queremos construir o ‘agro do bem’”, afirma Sergio Rocha, CEO da Agrotools, ao EXAME IN.
E afinal, o que a expressão significa? Para ficar em uma linha, trata-se de democratizar oportunidades dentro do setor. Do lado prático dessa missão, está o fortalecimento de ofertas que a companhia já tem dentro de casa, principalmente para corporações, somado ao inédito olhar à ponta inicial da cadeia de distribuição: o produtor. A motivação para olhar para esse público específico vem, segundo Rocha, da preocupação com a crise global da fome – agravada por aspectos como as consequências pós-covid-19 e a guerra na Ucrânia, que trouxeram aumento de preços para produtores no país.
É um movimento do setor. A AgTech Garage, por exemplo, direciona sua atenção a esse grupo por meio do programa For Farmers, que busca proporcionar a eles uma experiência de relacionamento com o ecossistema de inovação e empreendedorismo -- especialmente com grandes empresas.
“É um público sempre analisado na média de uma região, por exemplo. O que queremos fazer é identificar produtores em nível personalizado, sabendo quem está super em compliance, ou quem tem reservas melhores, produtividade melhor. São pessoas que, hoje, não são vistas, a menos que sejam gigantes na região em que atuam. Essa deve ser uma ponta para criar um ciclo virtuoso dentro do setor, fornecendo para as empresas um supply chain cada vez mais seguro”, afirma Rocha.
Esse conjunto de ofertas será trabalhado dentro do marketplace ATMarket dentro do site da Agrotools. Por meio dele, a empresa atua hoje com uma outra ponta do setor, a de pequenas e médias empresas do agro. Lá, elas podem ter acesso a ferramentas como Análise Socioambiental ou Previsão do Tempo para a Safra pagando pouco mais de R$ 200 por mês.
A ferramenta foi desenvolvida já com a primeira aquisição feita desde o anúncio do fim da rodada de captação, de uma empresa argentina que “economizou quatro anos de desenvolvimento de tecnologia”, de acordo com o executivo. Com ela, a Agrotools quer chegar ao nível de entendimento do produtor que hoje tem de necessidades das corporações. "Vamos levantar muito a bandeira de advocacy para que todos os lados dentro da cadeia sejam bem-sucedidos", diz Rocha.
Fortalecer o que já funciona: oferta para grandes empresas
Além da inovação atrelada ao olhar para os produtores, a Agrotools mantém no radar uma série de iniciativas para melhorar ainda mais a oferta que tem com o principal público que atende nos últimos anos, o corporativo.
A companhia também vai investir em uma agenda de M&As dedicadas a fortalecer a oferta que tem para esse público, dividida hoje em três pilares: uma inteligência de dados que ajuda os clientes a comprarem commodities – voltada para estabelecimentos como frigoríficos, por exemplo –, outro que usa dados para que se possa ver as melhores regiões para ofertar produtos e, um terceiro, que permite ‘rastrear’ fornecedores e garantir que a supply chain atende a critérios ESG. De acordo com o CEO, a área de inteligência de dados para compra e venda de matéria-prima responde por 30% do faturamento e, as demais, por 70%.
A companhia consegue fornecer esses dados com precisão a partir da extensa base de dados acumulada ao longo dos anos e de um conjunto de sensores e satélites – que monitoram, por exemplo, como um determinado território vai virar a plantação de uma commodity ao longo do tempo.
“É como você ir ao médico e fazer um exame de pulmão, por exemplo. O laboratório vai pegar aquela imagem e comparar se está dentro do normal ou não, a partir dos dados que eles têm. A gente faz isso numa dinâmica constante para saber se uma área de soja está se comportando dentro do esperado, usando algoritmos, e conseguimos garantir o lastro de uma cadeia de suprimentos ou de um crédito, por exemplo. Usamos dados públicos, privados, análise de satélite e a nossa inteligência completamente verticalizada”, diz Rocha.
Daqui para frente, com os novos recursos, a empresa deve investir em aquisições focadas em empresas que possam trazer capacidade adicional de tecnologia para as ofertas já existentes ou a oportunidade de entrar em novos mercados, mirando a expansão internacional. Para que tudo isso aconteça, a companhia mantém a preocupação fundamental com um ativo: gente.
Para entender por quê isso está no radar, é necessário lembrar que a companhia quadruplicou de tamanho desde o início da pandemia. Se antes tinha colaboradores somente em São Paulo e São José dos Campos, hoje tem 300 pessoas em 63 municípios do país. Soma-se a isso a preocupação da Agrotools com a mão de obra de tecnologia, cada vez mais disputada não só no agro, mas em praticamente todos os setores.
Para lidar com esse momento, a startup desenvolveu internamente um programa de capacitação para que colaboradores entendam de tecnologia, mas também de agronomia, por exemplo. “Estamos criando um sistema que vai aperfeiçoar isso cada vez mais, mas ainda não posso dar detalhes sobre o que é”, diz Rocha. O foco, segundo o executivo, é criar algo que permita à companhia capacitar profissionais não somente para dentro de casa, mas que possam atuar em todo o setor, de modo geral.
E o dinheiro?
Financiar toda a estratégia de expansão leva tempo e, principalmente, consome recursos. A atual rodada, de R$ 100 milhões, contou com Horácio Lafer Piva (Klabin), Pedro Paulo Campos (JP Morgan, Pátria and Arsenal), Fátima Marques (Hay Group/Korn Ferry), Paulo Hegler (Toledo), Olivier Murguet (Nissan-Renault), KPTL, Inovabra e Ronaldo Galvani Jr. Os recursos devem financiar parte desse projeto, mas não ele inteiro, segundo Rocha. Hoje, os fundadores (são seis, ao todo) têm 80% do negócio, enquanto 20% está na mão de investidores externos.
A empresa não divulga quando, exatamente, deve conduzir uma nova rodada de captação, mas afirma que faz uma reunião estratégica duas vezes por ano e que, em julho, Pedro Paulo Campos – responsável por estruturar a rodada de captação finalizada – deve trazer com mais detalhes a estratégia de expansão para os próximos anos. “Temos projetos de M&A para entrada e penetração de mercado, projetos complementares de tecnologia e dados, atrair talentos em escala. Estamos olhando outras captações que venham a ser direcionadas para complementar essas oportunidades”, diz o CEO.
Tudo isso, é claro, sem perder de vista o olho em crescimento sustentável. Em 2022, a Agrotools deve faturar R$ 200 milhões, com base nos contratos já estabelecidos. A meta para o primeiro bilhão já existe, segundo Rocha, mas o executivo ainda não divulga detalhes sobre ela, ao mesmo tempo que frisa a disciplina nos custos. “O plano estratégico está traçado, mas essa data ainda é segredo de Estado”, afirma.
Num momento tão duro para as startups, com desinvestimentos em âmbito global de ativos de tecnologia, a agtech sorri de orelha a orelha com os resultados conquistados. E mostra que não há idade ou tecnologia suficiente para impedir investidores de valorizarem o essencial: fazer a lição de casa e crescer com responsabilidade. Para uma companhia que cresceu 16 vezes nos últimos seis anos, é quase impossível passar despercebido.
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