A dona do iFood está comprando a Decolar. E isso diz muito sobre a CVC
Despegar, dona da Decolar, foi avaliada em US$ 1,7 bilhão; agência virtual de turismo, a companhia tem conseguido crescer e ganhar margem no Brasil, seu principal mercado
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 24 de dezembro de 2024 às 17:31.
O anúncio da proposta de compra da Despegar, controladora da Decolar no Brasil, pela Prosus, dona do iFood, animou o mercado. A ação saltou para US$ 19,40 na segunda-feira, 23, numa valorização de 32% ante o fechamento de sexta-feira – praticamente o prêmio proposto pela empresa de tecnologia.
A transação, avaliada em aproximadamente US$ 1,7 bilhão (a oferta é de US$ 19,50 por ação), será realizada totalmente em dinheiro.
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Mas a oferta não veio à toa e nem chega a ser, de fato, uma surpresa para quem acompanha a empresa de turismo argentina. Entre outubro e novembro do ano passado, a gestora de investimentos AlphaKey, de Christian Keleti e Bruno Rignel, montou uma participação de cerca de 2%, entrando num preço de US$ 7 por ação.
Havia dois grandes motivos para a tese, conta Rignel: depois de crescer aceleradamente e de forma insustentável, a 123 Milhas tinha saído de cena, deixando o mercado mais racional; e a CVC, que estava com balanço fragilizado e ainda tentava se encontrar no online, via os fundadores (a família Paulus) voltarem para o negócio com uma estratégia muito concentrada nos franqueados.
A companhia brasileira foi vocal no interesse em aumentar o número de lojas via franqueamento e chegou a 1250 pontos. Até o fim do terceiro trimestre, as reservas confirmadas tinham chegado a R$ 10,4 bilhões, mas a última linha ainda amargava um prejuízo de R$ 42 milhões.
Ao voltar para as origens e olhar mais para o franqueado, a CVC teve de lidar com um dilema. No online, os pacotes eram eram mais baratos do que nas lojas físicas dos franqueados. Assim, o preço do site precisa ser o mesmo preço do franqueado. Só que, ao vender num preço que rentabiliza o franqueado, a Decolar ficava mais barata do que a CVC.
Com grande parte do seu negócio concentrado no digital, a Decolar só tem 20 lojas físicas (eram 11 no começo deste ano). A ideia da loja, diz Alex Todres, diretor geral do Grupo Decolar no Brasil, é se aproximar do cliente, mas não ser necessariamente o ponto principal de venda.
"Sempre pensamos nas lojas não em quantidade, mas em qualidade. Priorizamos pontos estratégicos, onde o cliente pode interagir com a experiência do site e do aplicativo", diz em entreista ao INSIGHT. A loja atrai novos clientes para a base, cerca de 50% dos clientes que fecham suas compras nas lojas nunca compraram na Decolar. Também vende produtos de tíquete médio maior, como pacotes de cruzeiros e roteiros de dias pela Europa, por exemplo.
A Decolar viu as reservas brutas aumentarem 10% no Brasil no terceiro trimestre deste ano, quando considerado o resultado descontando o efeito do câmbio. O país responde por quase metade dos seus negócios.
O aplicativo também tem sido fundamental. Mais de 50% das vendas vêm do app. "Para um negócio como o nosso, em que a recorrência não é tão alta, isso é muito bom. Ele permite estar mais próximo do cliente, entendendo o melhor momento para oferecer o produto certo", diz Todres.
Mas grande parte dessa evolução tem a ver com uma mudança de perfil. A empresa investiu fortemente em ser mais vendedora de pacotes e menos de produtos separados, o que ajuda a trazer mais rentabilidade para o negócio. Também ampliou seu inventário de hotéis, o que ajudou a trazer mais recorrência de vendas, com as viagens de fim de semana.
Essa migração de simplesmente ser um player de passagem para vender pacotes foi mais rápida do que imaginavam Keleti e Rignel ao montarem posição e nem estava nas contas. "Embora seja argentina, nós a vemos como um player local e a Decolar entendeu muito bem o comportamento do consumidor brasileiro, que parcela e não se importa de pagar um pouco mais caro se couber no bolso", diz Rignel.
Ao contrário da CVC, sua principal concorrente, que tem reforçado formas de financiamento para os clientes, desde saque-aniversário do FGTS até consórcio, a Decolar conseguiu se posicionar vendendo parcelado em 12 vezes com juros, explica Rignel. "A Decolar ficou muito sozinha nesse segmento e há bastante tempo. Consegue vender parcelado com juros, não tem competição e vem imprimindo o ritmo de crescimento e gastando pouco dinheiro."
Enquanto isso, à frente da operação brasileira, Todres vê mais avenidas de crescimento para o negócio. Uma delas é ampliar a penetração no B2B, em que vende para outras agências e opera sites whitelabel, como os da Livelo e da Latam, vendendo seus pacotes. "Muitas parcerias vão sair no ano que vem."
A outra alavanca está no uso de tecnologia, onde a sinergia com a Prosus fica mais clara. Recentemente a Decolar lançou sua assistente virtual Sofia, que usa inteligência artificial para ajudar o cliente na compra, desde a escolha do destino até a montagem do roteiro. Por exemplo: o turista quer ir para a Europa no fim do ano, mas não que um destino com temperaturas tão baixas e está com crianças, o que depende de menos escalas. A Sofia, então, pode montar um roteiro para Portugal, com voos diretos e hotel com facilidades e estrutura para crianças, por exemplo.
"A IA está crescendo muito e vai começar a aparecer mais, não só com a Sofia, que é para o consumidor final, mas para todo nosso ecossistema", diz Todres.
A facilidade de tero cliente cada vez mais conseguindo se resolver com o autoatendimento vira uma outra vantagem competitiva para a Decolar, que consegue operar com custos bem abaixo de uma estrutura que conta com consultores, agentes de viagem, atendentes, etc.
"A proposta de valor da CVC é a venda assistida. A Sofia ainda não consegue entrar nesse filão, mas está evoluindo e isso traz o impacto da IA para os custos. Se conseguir vender pra uma pessoa com baixíssima familiaridade de internet, via uma mensagem de WhatsApp, por exemplo, vai ser um baita de um problema que a CVC vai ter pra digerir", avalia Rignel, que comemora o investimento que praticamente triplicou de valor. "Ficamos felizes porque foi superpositivo num ano difícil, Mas tristes porque enxergávamos que ela teria um papel relevante ainda no portfólio."
A transação ainda precisa ser aprovada em assembleia de acionistas. Certos acionistas da empresa, incluindo o detentor das Ações Preferenciais Série A da Despegar, firmaram acordos de voto e apoio com a Prosus, e se comprometeram a votar a favor da transação.
No ano, a Despegar acumula alta de 105,6% na Nyse. A CVC cai 52,74% na B3 no mesmo período.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado