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Planos de saúde

A ANS quer baratear os planos de saúde. O tiro pode sair pela culatra

Estudo preliminar de mudanças em precificação frustrou expectativas – mas ainda é tempo de mudar

Hospital Eugenia Pinheiro, da Hapvida: Uma das mais eficientes, empresa seria penalizada por limites de sinistralidade dos reajustes (Leandro Fonseca/Exame)
Hospital Eugenia Pinheiro, da Hapvida: Uma das mais eficientes, empresa seria penalizada por limites de sinistralidade dos reajustes (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 18 de dezembro de 2024 às 17:52.

Em meio a um desbalanço estrutural no setor, especialmente no pós-Covid, os planos de saúde têm implementado reajustes cada vez maiores – e ainda assim, seguem com os custos pressionados e, em muitos casos, operando no vermelho.

Mudanças regulatórias que vem sendo desenhadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que já tinham sido alvo de consulta pública pareciam apontar na direção correta, com a expectativa de alterações que trariam um melhor equilíbrio.

Mas o resultado dos estudos preliminares, divulgados na segunda-feira frustraram completamente as expectativas – e, se mantidas as propostas, pode fazer o tiro sair pela culatra.

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“As medidas devem comprimir os retornos das operadoras de saúde e podem resultar em planos mais caros ou na restrição da oferta onde não houver rentabilidade”, diz o analista de uma grande gestora que acompanha de perto o mercado de saúde.

“Se mantido o texto, é bem provável que as fiquem mais focadas somente no mercado corporativo de empresas muito grandes, reduzindo o mercado endereçável.”

Hoje, o Brasil tem cerca de 50 milhões de usuários de planos de saúde – um número que se mantém há anos.

Uma das principais decepções do mercado foi a falta de clareza para a implementação de reajustes extraordinários nos planos individuais, que têm os aumentos mais engessados pela ANS.

Com os custos em disparada e reajustes menores do que a média de todo o mercado, via de regra a sinistralidade (indicador que mede a relação entre as receitas com prêmios e os custos com sinistros médicos) nesses planos supera os 100%

Em outras palavras, esses planos dão prejuízo – tanto que a maior parte das empresas do setor já não tirou o pé nessa oferta. A Hapvida, com a estrutura verticalizada e menor pressão de custo, é uma das únicas que ainda tem uma oferta mais ampla nos individuais.

Sem adição de clientes mais novos, a equação piora, já que os mais velhos tendem a precisar usar mais a rede.

Pontualmente, algumas operadoras têm entrado com pedidos de revisões técnicas para conseguir reajustes acima dos estabelecidos pelo regulador, principalmente para equacionar o estoque de planos fechados no passado e que hoje pesam no balanço.

A Unimed Rio abriu um precedente ao conseguir um reajuste de 20% em dois anos, frente aos 6% previstos para o regulador. Mas hoje há pouca clareza sobre como funcionam esses reajustes.

A minuta da regulação não deu muita clareza sobre essa questão.

“Foi decepcionante não ter mais detalhes sobre a metodologia pelo regulador. Essa deveria ser a única grande notícia positiva que o setor privado estava esperando”, escreveu o analista Samuel Alves, do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame) em relatório.

Mais que a frustração nos planos individuais, as mudanças para planos para pequenas e médias empresas (PME), em critérios de co-participação e na sinistralidade mínima a ser considerada nos reajustes devem ter o efeito de comprimir ainda mais a margem das operadoras, apontam analistas.

A Hapvida, que opera com um dos maiores níveis de eficiência do setor, é uma das principais prejudicadas: as ações caíram mais de 11% ontem, depois que as medidas da ANS foram tornadas públicas.

Aumentando o pool?

Uma das medidas em estudo pelo ANS é estender para planos de até mil vidas os reajustes que hoje são permitidos apenas para os planos PME, que contemplam até 29 vidas. É o que tecnicamente o regulador chama de reajuste pelo “pool de risco”.

Grosso modo, enquanto nos planos corporativos com mais vidas, os reajustes são feitos pelas operadoras caso a caso, a depender da sinistralidade da carteira específica, os planos com até 29 vidas têm reajustes tabelados.

Até agora, os planos sujeitos ao mesmo pool de risco representam 27% dos planos corporativos, mas a mudança faria o impacto saltar para 61%, nas contas do BTG. O Goldman Sachs esperava uma ampliação nos reajustes pelo mesmo pool, mas para uma base de até 99 funcionários.

O argumento da agência é que, com a ampliação do pool, há uma maior diluição de risco – e, portanto, reajustes mais equilibrados.

A Hapvida diz que a medida pode ter o efeito contrário, inflando o preço geral dos contratos: “Aqueles contratos com mais vidas que hoje não estão no pool de risco terão, necessariamente que sofrer um reajuste mais elevado, a fim de compensar os contratos com menos vidas”, disse a empresa em carta tornada pública na manhã de hoje.

“Os planos que compõem atualmente o pool de risco (até 29 vidas) são muito mais vulneráveis à seleção adversa e, portanto, precisam ter esse custo maior repassado aos preços dos produtos de maneira a manter o equilíbrio econômico-financeiro aos contratos.”

Limite de sinistralidade e co-participação

Outra medida da ANS que surpreendeu o mercado foi estabelecer uma taxa mínima de sinistralidade (MLR na sigla em inglês) para os reajustes dos preços coletivos, de 75%.

Olhando para a bolsa, uma das operadoras com menor MLR, a Hapvida seria uma das mais afetadas pelas mudanças, observam analistas do BTG, do Citi e Goldman, enquanto a Sul América, da Rede D'Or, não deve ser impactada por essa medida, pois já opera em um MLR acima dos 75%.

De acordo com o Goldman Sachs, "isso levanta a questão de se isso poderia limitar a flexibilidade dos reajustes de preços para empresas que operam em um nível mais eficiente em comparação a tais limites".

Em sua carta, a Hapvida afirma que estabelecer uma meta de sinistralidade única para todo o mercado de saúde suplementar pode não ser a medida mais adequada, devido às diferenças regionais, nichos de mercado e perfis de beneficiários.  

“Um limite arbitrário pode se mostrar superior ao necessário, levando à restrição de oferta de produtos, ou pode se mostrar inferior ao necessário, levando a um valor de referência que encarecerá o produto de forma geral para os beneficiários”, diz a operadora.

A ANS está propondo ainda limitar a coparticipação – parcela dos procedimentos que o usuário paga mediante o uso de determinados procedimentos. Pela nova proposta, esse valor estaria restrito a 30% do custo de procedimento, 30% da mensalidade do plano e 3,6 vezes o valor da mensalidade anualmente.

A previsão é haja ainda um rol de procedimentos para os quais a co-participação não será permitida, como terapias crônicas, oncologia, hemodiálise e outros exames.

“Na nossa visão, as mudanças potenciais parecem contraintuitivas, na medida em que a co-participação é uma forma de deixar os planos mais baratos, de forma geral”, pontuou o BTG. Hoje, mais de 50% das operadoras de planos de saúde têm algum tipo de co-participação.

A Hapvida vai na mesma linha:  

“Um dos objetivos do plano com coparticipação é promover uma utilização mais consciente dos recursos. No entanto, ao adicionar restrições sem o devido estudo de impacto técnico, o instrumento da coparticipação pode perder seu propósito, o que eventualmente acarretaria planos mais caros.”

Próximos passos

As propostas da ANS não são definitivas. O regulador vai desenhar as propostas regulatórias finais, que serão abertas a consulta pública por 45 dias, de 19 de dezembro a 3 de fevereiro, com duas consultas públicas em 28 e 29 de janeiro.

Em seguida, a agência vai buscar as aprovações em uma reunião de conselho, o que deve resultar num novo framework regulatório – provavelmente com efeitos apenas em 2026.

A mudança no comando da agência, no entanto, está deixando investidores – e representantes com o setor – céticos em relação a alterações pró-mercado.

O mandato do atual presidente Paulo Rebello, se encerra no dia próximo dia 21. Ele será substituído por Wadih Damous, hoje Secretário Nacional do Consumidor. “É uma pessoa que, ao menos em tese, tende a olhar mais pela ótica do cliente, e corre o risco de não compreender tanto a dinâmica e as dores das operadoras”, resume o gestor.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado

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