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OPINIÃO: o que o setor de tecnologia pode esperar do novo governo Trump?

As implicações variam desde redes sociais até inteligência artificial, criptomoedas, regulação de plataformas e antitruste

 (Chris Unger/Reprodução)

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Leonardo Fabri de Oliveira
Leonardo Fabri de Oliveira

Professor da Faculdade Exame

Publicado em 22 de novembro de 2024 às 11h00.

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A eleição de Donald Trump para seu segundo mandato presidencial, entre 2025 e 2029, representa um ponto de virada para a governança global, impactando, também, o setor de tecnologia.

As implicações variam desde redes sociais até inteligência artificial, criptomoedas, regulação de plataformas e antitruste (conjuntos de leis que promove a livre concorrência e evita monopólios).

Impacto na inteligência artificial

Em busca de uma aceleração tecnológica para competir com a China, Trump promete adotar uma abordagem “leve” na regulação da IA.

Ele criticou as regulamentações estabelecidas pelo governo Biden, que buscavam equilibrar inovação e segurança, alegando que elas impedem o progresso da tecnologia e do setor.

No entanto, essa desregulamentação pode abrir espaço para a proliferação de modelos de IA não regulamentados, aumentando riscos relacionados a vieses algorítmicos e uso indevido da ferramenta.

A influência de Musk, um dos principais aliados de Trump, agora apontado para liderar o futuro Departamento de Eficiência Governamental, pode direcionar políticas que favoreçam empresas como a xAI, controlada por ele mesmo, em detrimento de concorrentes como Google e OpenAI – isso sem contar a capacidade de demitir ou contratar quem irá regular os setores onde seus negócios atuam.

Mercado de criptomoedas

Ao longo de sua campanha, Trump mudou totalmente sua posição sobre criptomoedas, indo de cético a defensor.

Ele prometeu remover o presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC), Gary Gensler, cujas políticas restritivas têm sido vistas como um obstáculo ao mercado de criptoativos.

Além disso, Trump comprometeu-se a criar um ambiente mais amigável para mineradores e investidores de Bitcoin, o que já provocou um aumento de cerca de US$ 30 mil no preço da criptomoeda após o dia da eleição.

Essa postura pode levar a uma expansão do mercado cripto nos EUA – como já vem acontecendo, visto que o Bitcoin nunca valeu tanto – mas também levanta preocupações sobre a falta de supervisão em um setor já marcado por escândalos e volatilidade.

A diminuição da fiscalização pode exacerbar práticas de lavagem de dinheiro e fraude.

Impacto nas redes sociais

O retorno de Trump à presidência coincide com a persistente polarização nas redes sociais.

Plataformas como X (antigo Twitter), controlada por Elon Musk, devem se tornar ainda mais alinhadas à direita e extrema-direita, adotando políticas que favorecem vozes conservadoras.

Durante sua campanha, Trump e seus aliados criticaram fortemente o que chama de “viés das plataformas contra conservadores”, pressionando por mudanças na Seção 230 do Communications Decency Act, que protege as empresas de tecnologia de qualquer responsabilidade sobre conteúdos publicados por usuários.

As plataformas que desafiam essa direção, como Meta e Alphabet (dona do Google), enfrentam altos riscos.

Há a possibilidade de maior pressão regulatória para ajustar algoritmos e práticas de moderação de conteúdo para “evitar censura percebida contra vozes conservadoras”.

Isso pode criar um ambiente mais permissivo para desinformação e conteúdo extremista, alinhado à estratégia de Trump de minimizar a moderação de conteúdo. Já estamos percebendo essa tendência desde que Musk comprou o Twitter, em 2022. Foi, inclusive, o que ocasionou no banimento temporário da rede social no Brasil.

Impacto no antitruste e regulação de plataformas

A gestão de Trump deve enfraquecer os esforços antitruste iniciados pela administração Biden, que buscavam conter o poder das big techs.

A presidente da Federal Trade Commission, Lina Khan, famosa por sua postura agressiva contra monopólios, provavelmente será substituída. Isso pode abrir caminho para uma onda de fusões e aquisições no setor, beneficiando gigantes como Amazon e Meta.

No entanto, o Google pode ser uma exceção. Conservadores de extrema-direita, incluindo o vice-presidente eleito JD Vance, continuam a criticar a empresa por supostamente censurar vozes conservadoras. A administração Trump pode usar casos antitruste existentes como alavanca política contra a Alphabet.

Tarifas e impactos no setor da tecnologia

As tarifas comerciais propostas por Donald Trump representam um ponto sensível para o setor de tecnologia.

Durante sua campanha, Trump reiterou seu apoio a medidas tarifárias agressivas, como um aumento universal de 10% sobre importações, incluindo componentes essenciais para dispositivos eletrônicos, e até 100% sobre produtos de países como China e México.

Essa abordagem visa estimular a produção doméstica, mas pode ter implicações de longo alcance para as empresas de tecnologia e consumidores.

Impactos nas cadeias de suprimentos

O setor de tecnologia, altamente dependente de cadeias globais de suprimento, seria um dos mais afetados.

Empresas como Apple, cuja maior parte da produção é realizada na China, enfrentariam custos pelo menos 10% mais altos.

Apesar de esforços recentes para diversificar a produção, como a transferência de linhas de montagem para países como Vietnã e Índia, a implementação de tarifas mais altas resultaria em aumento de preços para consumidores finais e potencial perda de competitividade global.

Além disso, as tarifas podem desencadear retaliações comerciais de outros países, restringindo o acesso a mercados estrangeiros para empresas americanas e potencialmente prejudicando exportações de software, semicondutores e dispositivos.

Efeitos no setor de semicondutores

O impacto também pode se estender ao setor de semicondutores, especialmente em relação ao CHIPS Act, legislação sancionada por Joe Biden para estimular a produção doméstica de semicondutores e impulsionar a pesquisa científica no país.

Embora o programa de Biden tenha buscado aumentar a produção interna com subsídios, Trump criticou a iniciativa por beneficiar apenas grandes players, e prometeu revisar o programa, possivelmente substituindo incentivos por tarifas sobre fornecedores estrangeiros.

Essa mudança, segundo especialistas, poderia desestabilizar os esforços à longo prazo para assegurar a soberania americana em semicondutores.

Por outro lado, empresas com maior capacidade de absorver custos, como a Tesla, poderiam se beneficiar.

Tarifas adicionais sobre importações de veículos elétricos da China, por exemplo, aumentariam a competitividade de modelos fabricados nos EUA.

Contudo, mesmo essas vantagens seriam compensadas por custos mais altos de componentes essenciais, como baterias e chips.

Implicações para consumidores e inovação

Os consumidores americanos seriam os maiores prejudicados no curto prazo.

Um estudo da NFR (Federação Nacional do Varejo; sigla em inglês) estima que as tarifas propostas por Trump poderiam reduzir o poder de compra em até US$78 bilhões anuais, com empresas de tecnologia repassando custos adicionais para os preços finais de produtos como smartphones e laptops.

Além disso, tarifas elevadas podem inibir investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Com margens de lucro pressionadas, muitas empresas podem redirecionar recursos de inovação para gerenciar custos operacionais, impactando negativamente o progresso tecnológico.

A política tarifária de Trump, apesar de favorecer a produção doméstica, coloca o setor de tecnologia em uma posição delicada, forçando empresas a navegarem entre custos elevados, pressão competitiva global e demandas de adaptação de cadeias de suprimentos.

A viabilidade dessas políticas dependerá, em última análise, de sua execução prática e da disposição das empresas em absorver impactos significativos no curto prazo para assegurar benefícios futuros.

A perspectiva de que EUA conseguirá equilibrar inovação tecnológica com responsabilidade social e governança global em um cenário cada vez mais polarizado parecem mínimas.

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