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Ano novo, Meta nova?

Empresa de Zuckerberg foi responsável pela primeira grande polêmica do ano, e não vai parar por aí

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Filipe Medon
Filipe Medon

Professor na Faculdade EXAME

Publicado em 24 de janeiro de 2025 às 08h00.

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O ano começou com uma novidade bombástica: Fernanda Torres vence o Globo de Ouro de melhor atriz.

Mas o ciclo de notícias para os cinéfilos não durou mais do que 24h: em 07 de janeiro, a poucos dias do retorno de Donald Trump à casa Branca, Mark Zuckerberg anunciou um pacote de significativas mudanças em sua empresa, a Meta, que poderão ter impacto decisivo no mundo inteiro, as quais estão relacionadas ao arrefecimento da moderação de conteúdo e fim dos programas de verificação e checagem de fatos no âmbito de suas plataformas.

Em linhas gerais, os anúncios de Zuckerberg não podem ser dissociados da mudança de poder na Casa Branca. No vídeo, o diretor-executivo da empresa acusa o governo Biden de tê-lo pressionado a praticar formas de censura, que agora não mais aconteceriam em razão da volta de Donald Trump ao poder, que ainda conta o assessoramento próximo de Elon Musk.

E mais: Zuckerberg afirma que Trump o ajudaria a pressionar governos de outras partes do mundo a derrubar tentativas de censura, com especial enfoque na União Europeia e nos ditos “tribunais secretos” da América Latina, segundo expressão utilizada por ele no vídeo.

Liberdade de expressão = pode tudo?

No entanto, para melhor compreendermos o cenário, precisamos dar um passo atrás: afinal, a liberdade de expressão pode tudo? A resposta parece ser intuitiva, tanto nos EUA como no Brasil: não!

Então, por que há tanta discussão em torno deste direito tão fundamental e que, por vezes, é mal utilizado para permitir a banalização de violações a outros direitos fundamentais?

A liberdade de expressão, assegurada pela primeira emenda à Constituição norte-americana, é bastante diferente daquela construída pela trajetória constitucional brasileira.

Lá, trata-se de um direito quase absoluto, por vezes revestido de sacralidade, na busca pelo chamado “livre mercado de ideias”. Aqui, por outro lado, precisa ser encarada sob lentes relativas e proporcionais, a partir da ponderação com outros direitos de igual hierarquia no texto constitucional.

Diferenças constitucionais

A título de exemplificação, no país de Zuckerberg, diferentemente do Brasil, admite-se o chamado discurso de ódio ou hate speech e, de modo geral, a mentira.

Por certo, há exceções comuns a ambos os países, como no clássico exemplo de que ninguém tem o direito de ingressar num cinema lotado e gritar “fogo!”, a menos que o contexto deixe absoluta e inequivocamente óbvio se tratar de uma comemoração de um gol do alvinegro carioca durante uma partida de futebol.

Do mesmo modo, tanto lá como aqui, ninguém pode incitar a violência contra pessoas. Nada obstante, lá é possível marchar pelas ruas pregando ideologias discriminatórias, como fez o grupo supremacista branco Ku Klux Klan na cidade de Charlottesville, no ano de 2017.

O grande desafio, já antevisto nos embates entre o X de Elon Musk e o Poder Judiciário brasileiro nos últimos anos, está no respeito de outros países à legislação e à soberania brasileiras.

E em seu vídeo, Zuckerberg deixa nas entrelinhas a intenção de contar com o apoio de Donald Trump para ajudá-lo a levar a concepção norte-americana de liberdade de expressão para o mundo, apesar de não haver consenso nem mesmo nos Estados Unidos.

Vejamos, nesse sentido, que em suas últimas manifestações na chefia da Casa Branca, Joe Biden chegou a repudiar as mudanças anunciadas por Zuckerberg, afirmando que elas contrariariam a “visão americana de justiça”.

E quais podem ser as consequências dessas mudanças?

Vejamos o seguinte exemplo: após os anúncios de Zuckerberg, a Meta alterou seus “Padrões de Comunidade” no Brasil, passando a permitir que usuários venham a classificar pessoas gays e trans como “doentes mentais”.

Na literalidade da empresa: “Permitimos alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual, considerando discursos políticos e religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade, bem como o uso comum e não literal de termos como ‘esquisito’.”

Como se pode notar, utilizando-se da narrativa de uma liberdade de expressão com poucos freios, afirmações discriminatórias tão expressas como esta poderiam acabar encontrando respaldo na nova política da empresa.

Esse tipo de comportamento, por certo, contribui para a criação de um ambiente digital mais inseguro e violento, com maior tolerância e permissibilidade para discurso de ódio e desinformação, não apenas no campo político.

Aceno a Elon Musk

Dentre as medidas elencadas pela Meta, está o fim dos programas de parcerias com agências de checagem e verificação de fatos, as quais foram apontadas como enviesadas por Zuckerberg, com a consequente substituição do modelo atual pelo sistema de “notas da comunidade”, a exemplo do que já faz o X de Elon Musk.

Além disso, a empresa volta atrás em suas políticas de moderação de conteúdo, só passando a detectar com seus algoritmos e remover conteúdos que sejam considerados – pela empresa – como sendo de “violações legais e de alta gravidade”, a exemplo de terrorismo e fraudes.

É precisamente nesse contexto que afirmações relacionadas às pessoas trans poderiam acabar vindo a ser ignoradas pela nova política, já que esta abranda as restrições a conteúdo de ódio na plataforma.

Após provocação da Advocacia Geral da União brasileira, a empresa respondeu que, apesar das mudanças nos parâmetros e diretrizes para moderação de conteúdos, a descontinuação dos programas de checagem não seriam aplicáveis ao Brasil, por ora.

E os perigos da descontinuação são claros, especialmente para a desinformação no contexto eleitoral.

Espalhar desinformação ficou mais fácil

As agências de checagem, apesar de não serem infalíveis e completamente imunes ao enviesamento, possuem, em tese, maior independência para restaurar verdades sequestradas por discursos políticos desinformativos, já que, em princípio, contam com profissionais normalmente ligados a instituições públicas de prestígio e universidades.

Por outro lado, o modelo de notas de comunidade, apesar de parecer mais democrático num primeiro olhar, baseia-se em construções coletivas dos usuários da rede, que, muitas vezes capturados em suas bolhas de (des)informação, apenas retroalimentarão o conteúdo falso.

Importante observar, contudo, que apesar da necessidade de que os termos de uso das plataformas estejam inteiramente adequados à legislação nacional, não podendo tolerar práticas discriminatórias, não existe na legislação – ao menos de forma expressa – uma obrigação de que realizem moderação de conteúdo, embora haja quem defenda na doutrina semelhante obrigação com base na exigência do Código de Defesa do Consumidor de que os serviços sejam prestados de forma segura para os consumidores (neste caso, os usuários das redes sociais).

Como afirmado por Zuckerberg em seu vídeo, até este momento, as plataformas vinham aperfeiçoando seus sistemas de checagem e monitoramento de forma proativa e de boa-fé, além de cooperarem com normativas voltadas a períodos específicos, como aquelas expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral no âmbito das eleições. E tais esforços vinham sendo elogiados, apesar de apontados como insuficientes para a complexidade do fenômeno.

2025 promete

Ocorre que estamos diante de uma possível mudança nesse entendimento, a partir da retomada, pelo Supremo Tribunal Federal, do julgamento sobre a (in)constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil.

Após os primeiros votos, parece clara a sinalização da Corte no sentido de que as empresas devem passar, sob pena de responsabilização civil, a serem obrigadas a adotar condutas mais enfáticas no combate à desinformação e ao discurso de ódio, aperfeiçoando – jamais retrocedendo – seus mecanismos de identificação e moderação de conteúdo, na busca de transformar o ambiente digital num espaço cada vez mais seguro e democrático.

São essas cenas para os próximos capítulos deste ano que já acaba de começar e ainda aguarda vitórias de Fernanda Torres e Ainda Estou Aqui, indicados ao Oscar. Que venha 2025!

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