Teleférico do Alemão: PAC das Favelas, com recursos do governo federal, também teria sido alvo de desvios (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Talita Abrantes
Publicado em 17 de novembro de 2016 às 15h32.
Última atualização em 17 de novembro de 2016 às 16h24.
São Paulo – Até a prisão preventiva do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral (PMDB-RJ) nesta quinta-feira, a reforma do estádio do Maracanã, o PAC das Favelas e o Arco Metropolitano tinham ao menos uma característica em comum: todas faziam parte da narrativa de modernização do estado do Rio de Janeiro, alardeada durante o governo do peemedebista.
A primeira obra colocava a principal arena do estado nos moldes do padrão Fifa. A segunda prometia urbanização para as maiores favelas da capital e a terceira, um salto de produtividade. Hoje, quase uma década depois da chegada de Cabral ao poder, esse grupo de projetos está no centro dos motivos que o conduziram para a cadeia sob a suspeita de chefiar um sistema de corrupção.
No mínimo, de acordo com as investigações, 224 milhões de reais teriam sido desviados só dessas três obras. Segundo delatores, sozinho, o ex-governador teria levado ao menos 38 milhões de reais em propina da Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia.
A detenção de Cabral nesta quinta-feira não poderia ser mais emblemática. Ela acontece menos de 24 horas depois que o centro do Rio foi palco de um confronto entre a Polícia Militar e servidores públicos que manifestavam contra as medidas anticrise proposta pelo atual governo. Durante a coletiva de imprensa, os procuradores chegaram a afirmar que a crise que hoje aflige o estado seria fruto da corrupção.
Foi esse rombo nas contas públicas que levou o governo do Rio a decretar estado de calamidade pública às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos deste ano. Um paradoxo já que Cabral foi o principal fiador da candidatura da capital fluminense para sediar as Olimpíadas. Ele também responde pela criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), cuja continuidade está em xeque.
De acordo com o Ministério Público Federal, o esquema de licitações fraudadas teria atingido “praticamente todas as grandes obras públicas de construção civil realizadas pelo ente público”. Em troca, empreiteiras previamente definidas para comandar cada empreendimento pagariam 5% de propina em cima do valor da obra mais 1% de “taxa de oxigênio”, pedida pelo então secretário de obras, Hudson Braga.
Veja quais são as principais obras sob suspeita:
Segundo dados do site da Transparência Brasil, as obras de adequação do estádio do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014 custaram ao menos 1,05 bilhões de reais – tornando a arena uma das mais caras do mundo. Desses 400 milhões de reais foram financiados pelo BNDES e o restante com recursos do governo do estado do Rio.
Com a reforma, o Maracanã recebeu uma nova cobertura em membrana de teflon e fibra de vidro com tecnologia autolimpante, além de modificações nos acessos do estádio, ampliação do número de banheiros (que passou a comportar 292 unidades) e lanchonetes (no total, 60).
A arena, que tem capacidade para 78,8 mil pessoas, recebeu sete partidas da Copa do Mundo - entre elas, a final - e a abertura e encerramento das Olimpíadas.
Início dos testes do teleférico do Alemão com Sergio Cabral, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Eduardo Paes e o então vice, Luiz Fernando Pezão
Segundo dados do Ministério do Planejamento, entre 2007 e 2010, foram investidos cerca de 1,29 bilhões de reais em projetos de urbanização dos complexos do Alemão, da Rocinha e de Manguinhos, no Rio de Janeiro.
Entre as obras previstas no plano estavam a instalação do teleférico ligando a base e o alto da favela do Alemão, construção de 5 mil moradias construção de moradias, obras de saneamento e pavimentação, entre outras.
No total, nove empreiteiras venceram a licitação para as obras. São elas: Odebrecht, OAS, Delta, Andrade Gutierrez, EIT, Camter, Queiroz Galvão, Caenge e Carioca Engenharia.
Com investimentos de R$ 1,9 bilhões de reais, o Arco Metropolitano – rodovia de 145 quilômetros que liga os municípios de Itaboraí ao Porto de Itaguaí – foi alardeado pelo governo estadual como “uma das mais importantes obras do estado do Rio das últimas décadas”.
O primeiro trecho da rodovia foi inaugurado em julho de 2014 e compreende 72 quilômetros de estrada entre o município de Duque de Caxias e o Porto de Itaguaí. Na época, um estudo da Firjan estimava um incremento de R$ 1,8 bilhão de reais no PIB do estado.
A previsão era de que 30 mil veículos cruzassem a rodovia diariamente, mas, um ano e meio depois de sua inauguração, são apenas 7 mil por dia devido, em partes, ao aparente abandono e falta de segurança que permeiam a via, segundo reportagem recente do G1.
O esquema
Segundo as investigações, Cabral cobrava uma mesada das empreiteiras, paga em dinheiro vivo. Os valores variavam entre 200 mil e 500 mil reais. No total, a Carioca Engenharia teria desembolsado R$ 32,5 milhões para o ex-governador e seus supostos comparsaas. Já a Andrade Gutierrez, R$ 7,7 milhões.
Os investigadores afirmam que há indícios de que cerca de 950 mil reais foram pagos a Cabral por meio de lavagem de dinheiro. Os valores pagaram até vestidos de festa para a mulher do ex-governador, que foi chamada hoje para depor.
O MPF afirma que esses pagamentos penduraram entre 2007 e 2014, quando Cabral renunciou ao cargo para tentar uma cadeira no Senado Federal abrindo caminho para seu então vice e atual governador do estado, Luiz Fernando Pezão (PMDB).