Ricardo Teixeira: CBF pagou R$ 1,2 milhão para que a MPM e Valcke produzissem um caderno de encargos, documento que reúne informações do país em campanha para o Mundial (Harold Cunningham/Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2015 às 11h33.
Genebra - Como presidente da CBF, Ricardo Teixeira forçou a contratação de Jérôme Valcke pela agência de publicidade MPM na época em que a firma trabalhava para a entidade na organização da campanha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. A MPM, entre 2007 e 2008, era presidida pela publicitária Bia Aydar, amiga de Teixeira, e tinha como sócio majoritário o grupo ABC, dos publicitários Nizan Guanaes e Guga Valente.
No total, a CBF pagou R$ 1,2 milhão para que a MPM e Valcke produzissem um caderno de encargos, documento que reúne informações do país em campanha para receber o Mundial. O Brasil concorria sozinho e existia um acordo entre as federações de que o Mundial seria no País.
Por meio da assessoria, Bia falou pela primeira vez sobre a contratação de Valcke ao ser questionada sobre a contratação pela reportagem. "Houve uma determinação, uma ordem do presidente da CBF para que Valcke fosse contratado. O dinheiro era do contratante, não cabia a ela questionar uma determinação", disse. No total, a MPM desembolsou 100 mil euros do contrato com a CBF para bancar a consultoria de Valcke na campanha pela Copa do Mundo. Procurada, a CBF disse que não comentaria assunto relacionado a gestão anterior.
Documentos aos quais a reportagem teve acesso revelam oito anos depois que o "consultor" Valke recebeu da MPM tratamento de "chefe de Estado". Na primeira semana de fevereiro de 2007, ele saiu de Paris para São Paulo em uma viagem que durou menos de 12 horas no Brasil. Valcke pousaria pela manhã e embarcaria de volta para a Europa no fim do dia.
No curto período, teve direito a quarto no luxuoso hotel Emiliano - onde ficaria menos de duas horas - e pegaria quatro voos de helicóptero para atender a seus compromissos. Ele visitou e foi recepcionado na África por Guga Valente; conheceu a DM9 e, por fim, seguiu para a sede da MPM. Horas depois, desembarcou de volta a Paris.
"A contratação de Jérôme Valcke foi realizada pela MPM e todo o processo de contratação foi conduzido pela agência. A MPM levou Jérôme Valcke para conhecer o grupo do qual a MPM fazia parte", afirmou à reportagem a assessoria da Grupo ABC.
No caderno aprovado por Valcke, a CBF apresentaria à Fifa 18 cidades candidatadas para receber a Copa. Apenas quatro estádios seriam construídos e o documento ainda apontava que o Morumbi seria o local do Mundial em São Paulo. Três anos depois e já na Fifa, o mesmo Valcke indicou que o Morumbi não teria condições de receber a Copa e o Itaquerão foi erguido.
O documento final seria produzido pela MPM e assinado por seu então vice-presidente, Rui Rodrigues, que estampou a sua foto no caderno. O nome de Valcke não aparece no documento. Conforme o ABC, Rodrigues se desligou do grupo. Em 2008, a CBF anunciou que desistiu de contratar a MPM para atuar na Copa do Mundo.
FIFA - Meses antes do contrato como consultor da MPM, Valcke atuava como diretor de Marketing da Fifa. Ele deixou o cargo depois de a entidade máxima do futebol ser condenada nos Estados Unidos a pagar US$ 90 milhões por irregularidades nas negociações da Fifa com a Visa e Mastercard tocadas por ele.
Segundo a corte norte-americana, Valcke "mentiu" nas negociações. Ainda assim, ele não seria expulso da Fifa e continuaria recebendo salário. Em sua volta, seria promovido e ganharia um novo cargo: o de secretário-geral e braço direito de Joseph Blatter. Foi nesse período enquanto esteve afastado que ele foi contratado pela MPM.
Nos anos que se seguiriam ao cargo de consultor da agência de publicidade, Valcke construiu uma relação de proximidade com Teixeira. Nas festas de fim de ano de 2007 e 2008, o francês levou sua família para a casa do brasileiro em Angra dos Reis (RJ). Em 2009, antes do Congresso da Fifa nas Bahamas, Valcke também visitou o brasileiro, desta vez em Miami. Hoje, seu filho é consultor de Marketing da CBF.
A relação entre Bia Aydar e a CBF também não se limitaria ao Mundial. Seria ela quem intermediaria em 2012 contratos da Nestlé para entrar como parceira da CBF.
Em 2014, a entidade ainda completaria 100 anos e, dois anos antes, todos os direitos dos eventos relativos à comemoração foram cedidos de forma exclusiva a Bia Aydar. Para evitar que a CBF tivesse de pagar a empresa da amiga de Teixeira, o então presidente da entidade em 2014, José Maria Marin, optou por não comemorar os 100 anos do futebol mais vitorioso do mundo.