A medida provisória que facilita a repatriação de dólares não declarados que estão no exterior deve fracassar, na avaliação de profissionais da área de câmbio (thinkstock)
Da Redação
Publicado em 16 de julho de 2015 às 09h43.
São Paulo - Apesar do esforço que vem sendo feito pelo governo, a medida provisória que facilita a repatriação de dólares não declarados que estão no exterior deve fracassar, na avaliação de profissionais da área de câmbio.
Para eles, apenas uma parcela muito pequena dos recursos hoje irregulares deve voltar para o Brasil, pois o risco envolvido manterá as grandes fortunas lá fora.
A regularização tem um preço: 35% dos recursos - incluindo multas e impostos - vão para o governo. Mas o que mais preocupa é a repercussão de se assumir o ilícito. "Acho difícil dar certo a tentativa do governo de trazer os dólares de fora. A Receita Federal e o Banco Central, em tese, não usarão as informações sobre o dinheiro contra quem repatriar. Mas como ter certeza de que ninguém questionará a origem do dinheiro?", comentou um profissional que atua na área de câmbio desde a década de 1970, que falou sob a condição de anonimato.
No Diário Oficial de terça-feira, o governo editou a MP 683, instituindo dois fundos de investimento regionais que, no limite, abririam espaço para a reforma do ICMS.
Esses fundos serão abastecidos pela tributação sobre recursos repatriados de brasileiros ou empresas nacionais no exterior, que não tenham sido declarados à Receita. A previsão é de que a Receita arrecadará R$ 25 bilhões.
Para entrar no regime, será preciso demonstrar a origem do dinheiro. Em troca, o contribuinte receberá uma anistia para uma série de delitos, como crimes contra a ordem tributária, falsidade ideológica, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
No montante a ser regularizado não entraria dinheiro de origem ilegal, proveniente de tráfico de drogas, de armas ou de corrupção, por exemplo.
Origem
Mas um dos problemas, na visão dos especialistas em câmbio, é separar o joio do trigo. "Será preciso provar que o dinheiro era de alguma forma lícito, e não ilícito. Mas como separar o caixa 2 de uma empresa do dinheiro sujo da droga?", questiona o profissional citado acima. "E quem garante que a empresa não atrairá atenção para operações regulares, já que informará ter enviado, mesmo que no passado, recursos de forma irregular ao exterior?"
Para outro profissional, que também preferiu não se identificar, uma parcela pode até voltar ao Brasil, mas a maior parte continuará no exterior. "Não dá para esperar que o bandido de ontem se torne o honesto de hoje", comentou o profissional, que atua no mercado de câmbio desde a década de 1980. "E não é só dinheiro de drogas. Muita gente mandou dinheiro para fora simplesmente porque tinha medo do Brasil", acrescentou.
Estudo do Banco Mundial estima que os brasileiros têm cerca de US$ 500 bilhões não declarados no exterior. Boa parte do montante pode estar relacionada a atividades criminosas, como o tráfico, mas outra parcela é fruto de simples sonegação fiscal ao longo das décadas ou mesmo de busca pela segurança lá fora.
"Na década de 1970, a exportação de café era forte no Brasil. E muito dinheiro ficou lá fora, com fortunas de barões do café sendo montadas em outros países", exemplificou Sidney Nehme, economista da NGO Corretora, que desde aquela época atua no mercado de câmbio.
Segundo ele, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) - uma autarquia do governo federal - fixava na época os preços de exportação da commodity.
Para driblar o tabelamento, os exportadores faziam o chamado "câmbio português": declaravam um valor na operação, mas praticavam outro de fato, de acordo com o interesse do momento.
Parte do lucro acabava ficando em outros países, sem que o governo brasileiro ficasse sabendo. As fortunas foram se acumulando - e não teriam voltado. "Na verdade, historicamente, todos os países que tinham restrições no câmbio fizeram o dinheiro ficar lá fora. É assim no Brasil e em qualquer outro lugar", avaliou Nehme.
Um profissional ouvido pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, disse que a prática de declarar valores irregulares em operações de exportação (ou mesmo de importação) "vai existir sempre", como forma de burlar o Fisco ou, nos piores casos, enviar ao exterior dinheiro criminoso.
A grande questão é que, mesmo quando o dólar que está lá fora é fruto de dinheiro lícito - como no caso da exportação de café da década de 1970 -, os envolvidos têm receio de aderir à anistia.
"Hoje você deita a cabeça no travesseiro e sabe que o dinheiro é irregular. Mas e daí? Amanhã você vai regularizar tudo... mas será que não terá mais problemas? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.