Rede Ethereum passará por uma atualização conhecida como "The Merge" (Nur Photo/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2022 às 10h02.
Li esta semana uma entrevista com o Charles Hoskinson, integrante da galera que criou o Ethereum e hoje está à frente da Cardano, em que ele dizia que tragédias como a do Terra (LUNA) e a multidão de hacks nos projetos DeFi são derivadas da pressa. Pode ser que esteja falando em benefício próprio, já que a blockchain concebida por ele parece, de certa forma, empacada, mas, ainda assim, vale muito a reflexão.
Acho que os desenvolvedores da ansiosamente aguardada “fusão” da Ethereum, ou “The Merge”, no termo global, sabem bem como é se sentir nessa encruzilhada, entre a cautela e a pressão. Adiada diversas vezes, a atualização da blockchain, considerada a mais importante da história do mercado de criptomoedas, foi reagendada para agosto, segundo o próprio Vitalik Buterin. Em dois meses, por fim, o mercado pode ver nascer o grande catalisador de uma era de ouro das finanças descentralizadas.
Soa bonito tudo isso, estou na torcida para a mudança dar certo, mas também não posso deixar de dizer que toda transformação vem com risco embutido. No caso das criptomoedas, há um risco ainda mais alto. Os desenvolvedores da ETH, os caras com a mão na massa, estão ajustando o compasso para não perder o timing - alguns consideram que eles já perderam -, mas o mercado tem pressa e os cavaleiros do apocalipse aproveitam para fazer o seu show. Os testes vêm sendo feitos, com alguns problemas, mas com mais sucessos, acredito eu, afinal estamos falando de um upgrade super complexo em uma rede que entrega mais de 220 bilhões USD em valor.
Queria tocar em alguns pontos que estão em jogo. As criptomoedas são vistas como uma espécie de réu da causa ambiental, pois o processo de mineração de moedas como o Bitcoin e (ainda) o Ether dependem do consumo de energia em larga escala, e muito vem se falando sobre o impacto ecológico dos processos. Discussões essas que são levadas à mesa de comissões regulatórias de nações do mundo inteiro, que volta e meia tentam proibir a mineração dos ativos.
A proposta do The Merge é, prioritariamente, aumentar a capacidade de processamento da blockchain e torná-la mais eficiente energeticamente. A atualização, a grosso modo, se trata da fusão da Beacon Chain (rede teste do 2.0) com a blockchain principal da Ethereum, também chamada de mainnet. Isso significa que, quando a associação acontecer, o algoritmo de consenso da rede, que hoje é baseado em proof-of-work (PoW), considerado o grande vilão da história por seu alto consumo energético, vai ser descontinuado.
No lugar dele, entra o proof-of-stake, que substitui a dependência do poder computacional dos mineradores - e, portanto, da demanda excessiva por energia - pelo esforço coletivo de validadores selecionados, de forma aleatória, com base na quantidade e no tempo de bloqueio de seus tokens ETH na rede. A Beacon Chain já funciona no modelo PoS em paralelo com a blockchain principal.
Espera-se, portanto, que a atualização possa servir como uma espécie de bandeira branca, hasteada diante da comunidade global, em uma demonstração de que as criptomoedas estão dispostas a se adaptar à cartilha da sustentabilidade.
Por outro lado, caso o upgrade deixe fraturas expostas, o risco está em aumentar o cerco ambiental ao mercado cripto, o que não seria nada lisonjeiro a um sistema financeiro que se propõe a aprimorar o modus operandi da economia global.
Mas não é só isso. Além de não permitir acertar as contas com o meio ambiente, uma falha poderia ser o estopim de uma crise crônica de confiança sobre a comunidade do Ethereum, que, por conta de sua magnitude, geraria uma descrença generalizada no mercado. E, no pior cenário, no sistema como um todo.
Se bem que não precisamos nem ir tão longe. Mesmo atrasos que resultem em uma espera ainda mais arrastada podem colocar seriamente a capacidade de execução da equipe em xeque e turbinar o desconfiômetro, conduzindo a quedas expressivas nos preços da(s) criptomoeda(s) em um período já embaçado.
Do lado oposto dessa representação assombrosa, a maioria do mercado espera, de fato, uma atualização bem-sucedida do sistema e que, em meio ao inverno cripto, seja capaz de tornar as temperaturas mais amenas. Tem quem esteja entusiasmado ao ponto de acreditar que uma possível disparada do Ether possa reverter o bear market, mas eu não sou entusiasta de lendas e vejo uma valorização sustentada em um período de seis meses ou mais.
A The Merge também está sedimentando o pavimento para a implementação das shard chains, esperada para 2023, que se propõe a reduzir o congestionamento dos dados e finalmente derrubar as altas taxas de gás, impulsionando a próxima geração de soluções de escalabilidade de segunda camada.
Atualmente, o ETH é uma das melhores oportunidades desse mercado de baixa, sendo negociado bem aquém do seu valor. Pode ser que ele realmente obtenha ganhos instantâneos com a atualização, mas a queda de braço com o cenário macro é daquelas competições desleais e nós sabemos quem ganha.
*Felippe Percigo é um investidor especializado na área de criptoativos, professor de MBA em Finanças Digitais e educa diariamente, por meio da sua plataforma e redes sociais, mais de 100.000 pessoas a investirem no universo cripto com segurança.
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