Regulação de criptomoedas tem avançado no Brasil (reprodução/Agência Brasil)
Repórter do Future of Money
Publicado em 19 de agosto de 2024 às 18h04.
O mercado de criptomoedas deverá ter um segundo semestre "movimentado" no âmbito regulatório. É o que avaliam especialistas em entrevista à EXAME, destacando que o setor precisará lidar com novidades em "diversas frentes", englobando atuações de múltiplos reguladores do mercado financeiro.
O Banco Central, por exemplo, deve avançar no processo da chamada regulamentação infralegal, definindo as regras específicas que as empresas de cripto precisarão seguir para operar no mercado. Ao mesmo tempo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve seguir se debruçando sobre as operações de tokenização de ativos.
Há, ainda, a atuação do Congresso Nacional, que atualmente analisa um projeto de lei importante para as operações de corretoras de criptomoedas. Além disso, a Receita Federal pretende mudar as regras de declaração de operações pelas empresas, garantindo um enquadramento com critérios internacionais.
Tatiana Mello Guazzelli, sócia da Pinheiro Neto Advogados, explica que o destaque no Congresso é a tramitação de um projeto de lei sobre a segregação patrimonial. A prática, que exige a separação de fundos de clientes e da própria corretora, pode se tornar obrigatória para as exchanges caso o projeto - que tramita em regime de urgência - seja aprovado.
"A expectativa é que ele seja em breve aprovado. A questão da segregação foi muito discutida na época que houve a tramitação do projeto de lei que resultou no Marco Legal das Criptomoedas, chegou a ter a inclusão pelo Senado, o que acabou não prevalecendo", explica.
Segundo a especialista, havia na época a visão de que o Banco Central poderia exigir a segregação via regulamentação infralegal, mas esse entendimento mudou, em especial após a falência da FTX, e a própria autarquia defende agora que a exigência seja estabelecida via projeto de lei.
Guazzelli acredita que o projeto será aprovado na Câmera e no Senado até o começo de 2025, e que ele será importante para "possibilitar uma proteção mais adequada dos ativos virtuais junto com a regulamentação que está por vir do Banco Central".
Pedro Henrique Ramos, sócio da área de tecnologia do Baptista Luz e professor de direito digital do Ibmec, destaca que o projeto sobre segregação está mais avançado na Câmara dos Deputados, com parecer emitido, o que pode agilizar a votação.
"Contudo, as chances do PL passar a valer ainda este ano são baixas. O ano eleitoral faz com que o Congresso aprove menos projetos nos próximos meses e, ainda que seja aprovado pela Câmara neste ano, o PL ainda precisará tramitar no Senado e, em seguida, voltar à Câmara se houver mudanças no texto e ser levado para sanção presidencial", pontua.
Ramos não descarta que a segregação patrimonial acabe sendo incluída como obrigação do mercado pela própria regulamentação infralegal, caso o tema não avance no Congresso. O motivo é que a autarquia ainda está fechando as propostas de norma que serão divulgadas neste ano.
"Dentre os destaques dessa agenda até o final do ano, o BC deve realizar uma segunda consulta pública sobre normas gerais de atuação e autorização, iniciar o planejamento interno para regulamentação de stablecoins e aperfeiçoar normas internas para começar o procedimento de autorização das corretoras, entre outras atividades", comenta.
Segundo Guazzelli, a expectativa é que a nova consulta pública foque na definição dos chamados prestadores de serviços de ativos digitais, as VASPs: "A ideia é que seja uma primeira regra, com conceitos gerais a respeito das VASPs, e ela vai ser publicada junto com uma segunda norma, que deve tratar do processo de autorização, que não deve entrar em consulta pública"
"É uma consulta pública a respeito das normas gerais, os principais conceitos relativos às VASPs. O processo de autorização vai seguir muito o que já existe hoje em relação às instituições de pagamento reguladas pelo Banco Central", projeta.
Em outra frente, a CVM também deverá abrir novas consultas públicas para o mercado cripto. A expectativa no momento é que o regulador lance três consultas entre o segundo semestre de 2024 e o primeiro de 2025. Uma das principais envolverá alterações na norma de crowdfunding, buscando "adequá-las mais à realidade das ofertas de ativos tokenizado".
"Essa norma não foi pensada para ativos tokenizados mas foi usada para isso após os ofícios publicados em 2023", comenta. Deverá haver, ainda, uma consulta pública sobre a criação de "mercados organizados de pequeno porte", que estariam em um nível intermediário entre as plataformas de crowdfunding e o mercado tradicional.
"A ideia é que essa norma é que vai recepcionar as empresas, tokenizadoras, que estão dentro do Sandbox Regulatório e que precisam de uma nova normativa adequada a essas empresas, já que elas sairão do Sandbox até 2026", explica.
Por fim, a terceira consulta deverá tratar de "um regime específico de registro de empresas emissoras, inclusive desses tokens, que pode viabilizar até um mercado secundário para as ofertas de token que hoje não existem".