(anyaberkut/Getty Images)
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 6 de fevereiro de 2021 às 09h10.
Lembra quando era preciso brigar na operadora de telefonia para conseguir migrar sua conta para uma outra provedora? Cansei de ouvir falar de casos de pessoas que tiveram que pagar taxas abusivas para simplesmente ter o direito de trocar de provedor sem ter que trocar o número de celular. Hoje em dia as coisas são muito mais fáceis, possibilitando ao cliente final, inclusive, a negociação de benefícios com as operadoras pelo melhor pacote de serviços.
O procedimento, conhecido como “portabilidade numérica”, possibilita que consumidores migrem para planos de diferentes companhias sem ter que abandonar o número antigo. Surpreendentemente, a medida só entrou em vigor em 2009, mesmo com os celulares já amplamente difundidos desde a década de 90. Hoje em dia, já é um processo natural para os consumidores.
Agora, já pensou em mover todo o seu histórico financeiro para outro banco com a mesma facilidade que você troca de operadora de celular? E mais, já pensou em se plugar a qualquer instituição financeira com a mesma facilidade que você se loga em aplicações web utilizando suas credenciais do Facebook, do Google ou de qualquer outro serviço apoiado na tecnologia Oauth? Pois bem, essa é uma realidade muito mais próxima do que se imagina, dado que, no início de fevereiro, entrou em vigor a primeira fase do open finance (anteriormente chamado de open banking).
Se o termo lhe causa estranheza, não se preocupe. Até o final deste artigo as coisas ficarão um pouco mais claras e você verá que é tão simples quanto parece: o empoderamento do usuário para mover seus dados financeiros para onde bem entender. Em outras palavras, é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) aplicada ao universo das finanças.
Um sistema financeiro aberto, que é conceitualmente o que é pregado pelo open finance, só é possível quando todos os participantes de mercado têm o mesmo acesso à informação. Isso ocorre quando não apenas os consumidores são os verdadeiros detentores da propriedade de seus dados, mas quando as próprias instituições têm condições tecnológicas para compartilhá-los de maneira segura entre si.
Essa disponibilização dos dados entre os participantes do mercado é feita por meio das interfaces de programação de aplicações (ou APIs, na sigla em inglês), que são mecanismos de integração de sistemas que auxiliam na padronizar da maneira como a informação é compartilhada entre duas ou mais partes.
O movimento faz parte da agenda do Banco Central do Brasil em estimular a concorrência no mercado financeiro brasileiro, que é, assim como na maioria das regiões do mundo, um setor altamente concentrado. O projeto é bastante ambicioso, tanto em termos de integração com outras autarquias (como CVM e Susep), como em relação aos prazos de implementação.
Ao mesmo tempo, está em linha com as outras propostas de modernização que vêm sendo promovidas pela autarquia, como o novo arranjo de pagamentos, o Pix, e o sandbox regulatório, que deve entrar em vigência ainda neste semestre.
O open banking, agora chamado open finance, representa uma mudança fundacional no ecossistema financeiro, possibilitando o surgimento de novos modelos de negócio centrados na experiência do usuário de baixa fricção, além de oferecer mais segurança e maior agilidade para o cliente final.
Por ser uma mudança drástica no modus operandi do sistema financeiro, as mudanças serão implementadas de maneira faseada, cujo cronograma será detalhado a seguir.
Inicialmente programada para novembro de 2020, a primeira fase do open finance foi adiada, mas já teve sua implementação concluída agora, no dia 1º de fevereiro. Ele se inicia com as instituições bancárias dos grupos S1 e S2 disponibilizando ao público, via API, informações padronizadas sobre os seus canais de atendimento (como localização de agências) e as características de produtos e serviços bancários tradicionais que oferecem. Nessa primeira etapa, os dados dos clientes finais ainda não são compartilhados.
Ainda assim, já podemos considerar o surgimento de soluções como comparativos de diferentes ofertas de produtos e serviços financeiros, com sugestões de enquadramento a cada perfil de cliente. Com as informações disponibilizadas pelas instituições, já é possível desenvolver comparadores de taxas de empréstimo, custo para abertura de conta, benefícios oferecidos pelos provedores de cartões de crédito e coisas do gênero.
É nesta fase que, efetivamente, entra em vigor o compartilhamento dos dados dos consumidores que assim desejarem. Poderão ser divididas informações cadastrais, sobre transações em suas contas, cartão e o histórico de crédito. É importante destacar que serão compartilhadas apenas as informações que o cliente desejar, por prazo determinado e de maneira completamente revogável.
Com implementação prevista para o dia 15 de julho, a partir desta fase será possível uma customização completa da oferta de produtos e serviços que estejam em linha com o perfil de cada cliente, otimizando custos e agilizando a contratação de tais produtos ou serviços. Aqui é onde se inicia a verdadeira possibilidade de personalização da sua experiência.
Pode-se dizer, inclusive, que em julho deste ano teremos uma mudança transformacional no setor.
Na penúltima fase, prevista para entrar em vigor no dia 30 de agosto, o compartilhamento dos serviços dos iniciadores de pagamento e de encaminhamento de proposta de operação de crédito passa a ser uma possibilidade.
O movimento abre espaço para a criação de novos ambientes para a realização de pagamentos e para a recepção de propostas de operações de crédito, facilitando e tornando mais conveniente o acesso a esses serviços financeiros.
Por fim, a última e mais ambiciosa fase representa a integração holística da vida financeira do cliente, conectando informações de operações de câmbio, investimentos financeiros por meio de corretoras de valores, contratações de seguros, de previdência dentre outras coisas.
A implementação desta fase está prevista para o dia 15 de dezembro e é, efetivamente, o que chamamos de open finance. Ou seja, vai além do open banking e apenas das informações bancárias. Aqui os esforços são conjuntos entre as várias autarquias que regulam o mercado de pagamentos (Banco Central), de capitais (CVM) e de seguros (Susep).
Uma vez bem-sucedidos em colocar à prova o open finance, o Brasil passa a estar na vanguarda na inovação financeira mundial em termos de ambiente favorável aos negócios. Será possível, por exemplo, controlar toda a sua vida financeira ligada a diferentes provedores por meio de um único aplicativo. Outros casos de uso se limitam apenas a criatividade dos empreendedores e desenvolvedores.
Ora, acima de tudo, você, consumidor final que, além de passar a ter controle absoluto da sua vida financeira, passa a receber serviços financeiros completamente personalizados e a custos mais convidativos. Mas ser o maior não significa ser o único a se beneficiar da mudança.
As fintechs, que são startups de serviços financeiros, passam a contar com um ambiente mais justo de competição, onde os dados são vistos pelos participantes de mercado de maneira justa e igualitária, reduzindo a assimetria de informação e favorecendo o progresso do serviço com a melhor experiência.
Por fim, do lado dos grandes bancos, antes donos exclusivos dos dados financeiros de seus clientes, além de terem a oportunidade de se reinventar, passarão a ter novos canais de distribuição descentralizada de seus serviços, o que significa gerar novos fluxos de receita para os seus negócios.
Fique atento: o ambiente de negócios financeiros está diante de um mar de possibilidades. Se você é uma empresa do setor ou um empreendedor interessado em participar desse ecossistema, agora é a hora de você olhar com a seriedade que o tema merece. Se você é consumidor de serviços financeiros, será beneficiado com taxas mais justas, serviços mais eficientes e veículos de controle integrados de toda a sua vida financeira.