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'Não acho que criptomoedas sejam interessantes sem autocustódia', diz CTO da Ledger

Em entrevista exclusiva à EXAME, executivo falou sobre futuro da empresa e necessidade de maior interoperabilidade no mercado cripto

João Pedro Malar
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 31 de outubro de 2024 às 09h30.

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O crescimento da adoção de criptomoedas, com a hegemonia de corretoras, o início de ofertas de investimento por bancos e também o lançamento de ETFs nos Estados Unidos, representa uma mudança importante em relação a uma das práticas mais antigas do ecossistema: a autocustódia. Mas, sem ela, as criptomoedas "não são tão interessantes".

É o que afirma Charles Guillemet, CTO da Ledger, em uma entrevista exclusiva à EXAME durante sua visita ao Brasil. A visão do executivo não existe à toa. A Ledger é, afinal de contas, a empresa por trás das principais carteiras físicas usadas hoje para a autocustódia, em que o investidor cuida do armazenamento do ativo, sem confiá-lo a um terceiro.

Mas Guillemet também busca defender sua posição. "Em primeiro lugar, quando você tem cripto, o que é realmente importante para você é a autocustódia, porque se você comprar apenas via um ETF, você não possui realmente os ativos. Sim, você está exposto ao preço do bitcoin, mas não é disso que cripto se trata. Cripto realmente é sobre ser capaz de possuir seu valor e ser resistente à censura e não ter que confiar em terceiros".

"Você pode confiar em si mesmo. E, sem autocustódia, não acho que as criptomoedas sejam muito interessantes", defende. Ao mesmo tempo, ele reconhecer que "ter a ferramenta certa é importante" para a prática, que ainda enfrenta desafios para atrair mais adeptos e ganhar espaço no mercado.

Os planos da Ledger

Guillemet pontua que, atualmente, os usuários da Ledger acumulam 20% de todo o valor do mercado cripto, mas a empresa vendeu "apenas sete milhões de dispositivos". O executivo acredita que isso mostra que "nossos usuários são particularmente ricos em termos de quantas criptomoedas possuem".

Mas o CTO quer afastar a ideia de que as carteiras físicas - ou hard wallets - da Ledger são restritas a um público mais rico. "Estamos tentando tornar a experiência dos usuários a mais simples possível em nossos produtos para conseguirmos atrair cada vez mais pessoas", comenta.

Isso também não significa que uma carteira da empresa seja para todos: "Se você tem menos de US$ 100 em criptomoedas, por exemplo, e a nossa hard wallet mais barata custar mais que isso, então não faz sentido mesmo para a pessoa ter esse gasto para armazenar essa quantidade".

Há, ainda, os casos em que os ativos digitais podem não ter um valor monetário alto, mas possuem um valor emocional significativo. O executivo cita os tokens não-fungíveis (NFTs) como exemplo. "Você pode ter um NFT que não vale nada no mercado, mas para você é muito importante, vale muito, e aí faz sentido guardar pela autocustódia. Tem casos também de identidade, em que você pode usar um ativo para comprovação, e aí também faz sentido ter a custódia própria".

Ele ressalta que, cada vez mais, criminosos têm encontrado formas de roubar os usuários, seja por ataques de hackers ou então de phishing, o que mostra a importância de ter opções seguras. "Estamos melhorando o design, a interface, a experiência, mas a segurança é a mesma. Não queremos comprometer a segurança, mas queremos ter o dispositivo mais fácil de usar. E ter a mesma experiência mas a um preço inferior. É nisso que estamos trabalhando para o futuro", resume.

"Isso significa que nós queremos promover as ferramentas certas para a custódia de criptomoedas, reduzindo o máximo de fricção possível. E esse é o nosso desafio, porque quando você precisa ter um aparelho adicional apenas para fazer a custódia, você tem mais fricção. Ao mesmo tempo, é o preço que você paga por ter mais segurança", afirma.

A Ledger também avançou mais na solução de ofertas para clientes institucionais, que Guillemet acredita ter grande potencial. "Acho que a evolução de cripto foi impulsionada principalmente por varejo. Esse ainda é o caso, mas estamos vendo cada vez mais a adoção institucional, o uso para tesouraria, em fundos, e aí as instituições começaram a ter demanda por soluções de custódia", explica.

Guillemet acredita ainda que a custódia feita por bancos possui seus riscos, tornando autocustódia mais atraente. "A ideia da autocustódia não é apenas possuir as coisas, é também sobre usá-las. Hoje, você não pode usar a criptomoeda que você tem em um banco em corretoras e protocolos descentralizadas. A autocustódia dá esse poder para os usuários. Ter exposição a cripto pode ser útil para muitos, mas os casos de uso vão muito além disso".

IA e futuro no mercado brasileiro

O CTO da Ledger destaca que, mesmo com os avanços de melhoria de design e experiência do usuário, a empresa "não está satisfeita" e prevê mais mudanças. "O caminho vai ser bastante longo até conseguirmos criar essa experiência simples", resume. E, no processo, a companhia também monitora integrações importantes, como com a inteligência artificial.

"Eu acho que tem uma nova posição entre cripto e IA. A IA vai criar uma abundância de dados, dados falsos, e cripto tem a ver com escassez digital. Num futuro próximo, será muito difícil distinguir humanos e IAs, porque a IA está ficando assustadoramente eficiente, mas acredito que cripto vai ser a melhor forma de distinguir o que é real e o que não é", comenta.

Ele também acredita que o ecossistema de criptomoedas precisará resolver os atuais problemas de falta de interoperabilidade entre blockchains para ganhar mais escala e adoção. "Nós tínhamos um problema de velocidade antes. As redes eram muito lentas, e o mercado resolveu isso com a criação de blockchains de segunda camada. O problema é que, hoje, esses blockchains não conversam entre si, e aí a interoperabilidade surgiu como necessidade", avalia.

Guillemet pontua que uma adoção em massa das criptomoedas ainda esbarra no limite de operações que os blockchains conseguem processar. "Temos esse desafio agora de fragmentação, que ficou muito complexa. Algumas soluções estão começando a surgir, mas está tudo muito novo e precisamos de mais", defende.

No caso da Ledger, o CTO destaca que a empresa sempre buscou trabalhar como uma "companhia global", e que continua tendo como foco o crescimento em diversos mercados, incluindo o do Brasil. Ele acredita ser importante, porém, entender as especificidades de uso em cada país para entender como os produtos da Ledger podem atendê-las.

"No Brasil em particular, quase 20% da população já teve algum contato com cripto, o que eu acho que é bastante comparado à maioria dos países do mundo. Portanto, este é um mercado importante. É definitivamente um mercado relevante e queremos expandir nossa presença aqui", diz.

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