Brasil aprovou em 2022 lei que regulamenta criptomoedas (Blackdovfx/Getty Images)
Assumindo agora novos cargos na diretoria da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), Henrique Teixeira e Bernardo Srur avaliam, em entrevista exclusiva à EXAME, que 2023 deverá ser um ano "decisivo" para o setor no país, devido especialmente à necessidade de aprofundar as discussões e determinações ligadas à regulamentação aprovada como parte da Lei das Criptomoedas, sancionada no ano passado.
Teixeira, que também é head global de businnes development da corretora de criptomoedas Ripio, vai assumir o cargo de presidente do conselho da entidade. Já Srur, que atuou como diretor de risco e compliance na controladora da exchange Mercado Bitcoin, será o novo diretor-presidente da associação, que conta com 22 associados até o momento.
Srur projeta que ano deverá envolver uma "interação ainda mais profunda" com os órgãos reguladores brasileiros, e que a discussão sobre o tema "vai se intensificar agora" como parte do processo de regulamentação secundária pós-aprovação da lei para o setor. Do ponto de vista econômico, ele espera uma continuidade da expansão do mercado cripto brasileiro, com maior adesão por parte da população e empresas mesmo com o chamado inverno cripto.
"Ainda há incertezas no ambiente macroeconômico internacional, mas as criptomoedas já são agenda em todas as partes do mundo", pondera. Além do uso das moedas digitais, Srur aposta em outros temas, em especial a tokenização de ativos do mundo físico, como elementos que impulsionarão o setor ao longo de 2023.
Ele ressalta que os próximos seis meses serão "decisivos" para a regulamentação da criptoeconomia brasileira, já que será preciso que o governo federal publique um decreto explicando com mais detalhes o funcionamento da lei aprovada em 2022. "Por ser início de governo, é natural que temas sejam rediscutidos. Mas a tendência é que a responsabilidade continue sendo do Banco Central e CVM", comenta.
Nesse sentido, Henrique Teixeira observa que o momento atual para o mercado de criptomoedas no Brasil é "muito especial" devido à aprovação do marco regulatório para o setor, o que torna o papel da ABCripto "ainda mais importante. Estamos vendo o mercado se desenvolver de forma bem interessante, e agora com a aprovação isso deve acelerar ainda mais, com mais players tradicionais, como grandes bancos, mais confortáveis para desenvolver produtos e serviços em torno da criptoeconomia".
Ele avalia que a entidade já vinha realizando um trabalho educativo sobre o tema e também de fomento da indústria e desenvolvimento de uma autorregulação, e a expectativa com a lei é que seja possível "atrair uma atenção do mercado brasileiro e mundial, com Brasil sendo um dos poucos países do mundo com lei para ativos digitias. O país vira referência internacional, podendo atrair mais investidores e players, e o mercado vai se desenvolver mais rapidamente ainda".
Em relação às discussões sobre regulamentação, Srur acredita que o debate começará focado no processo de autorização de operação de empresas que lidam com criptomoedas e na aplicação de regulações contra lavagem de dinheiro. Na CVM, ele espera que discussões sobre tokenização de ativos ganhem mais força.
Um ponto que acabou sendo deixado de fora da lei aprovada é a obrigatoriedade de segregação de ativos das empresas e de seus clientes, em especial no caso das corretoras de criptomoedas. A medida, que foi defendida pela ABCripto, é considerada por especialistas como uma forma de evitar danos excessivos para clientes em casos como o da falência da FTX.
"A segregação é muito importante para o setor, traria segurança para todo o setor, e é um ponto pacificado em outros segmentos. Vemos essa necessidade", destaca Srur. Ele espera que o tema seja tratado de alguma forma pela CVM, mas lembra que já existe um projeto de lei tramitando no Senado que também trabalha com essa obrigatoriedade, cujo debate deve ser uma "tendência para esse ano".
Na visão do novo presidente-executivo da ABCripto, a criptoeconomia atualmente "não é restrita a um segmento específico. Ela vai estar cada vez mais envolvida com a nossa vida em geral, assim como a internet, então temos que ter a capacidade de pluralidade da associação e defesa dos interesses dos mais diversos tipos de associados".
Em 2022, a entidade encerrou o ano com 18 integrantes, e conquistou mais quatro em janeiro deste ano. Além das corretoras de criptomoedas, ela inclui empresas que lidam com diversos aspectos do mercado, incluindo tokenizadoras. O objetivo, segundo Srur, é "ajudar a organizar e desenvolver a criptoeconomia no país".
Teixeira destaca que o momento atual é de "grande interesse" nesse mercado, indo além de startups ou empresas iniciantes e chegando a atores institucionais e tradicionais no Brasil. "Agora, com a possibilidade de passar a oferecer cripto para a base de usuários, eles entram com uma vontade de contribuir para o setor, participar das discussões, e isso torna a associação cada vez mais forte e com debates mais ricos".
Na avaliação dele, os últimos meses têm sido de crescimento de casos de uso mesmo no contexto do inverno cripto. Teixeira acredita que o mercado de baixa afetou diretamente um dos casos de uso da tecnologia cripto, o de investimentos e negociação de ativos digitais, mas que o setor é "muito maior que esse caso de uso".
"A gente viu em 2022 vários exemplos de empresas lançando produtos de pagamento, de remessas, de tokenização, então [a criptoeconomia] acabou se desenvolvendo em outros casos de uso. Saindo agora desse inverno, o setor sai muito mais forte, porque usou esse tempo para construir, vir com novos produtos e serviços, então a saída desse movimento vai ser muito mais forte", projeta.
Srur também vê um processo de expansão do setor, e acredita que, mesmo com discussões sobre regulação, os negócios e usos de criptomoedas estão "cada vez maiores, com mais produtos e aplicações". "Nós tivemos no ano de baixa muita construção, e isso vai continuar. Eu nem vejo o período atual como inverno, porque comparando com os anteriores, esse teve entrada de players, criação de novas empresas. O inverno pode ter sido de preços, mas não de oferta".
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