Bitcoin e ether são as duas principais criptomoedas do mercado (The Merkle Bitcoin Ethereum/Shutterstock)
Da Redação
Publicado em 10 de agosto de 2022 às 09h00.
Será que o ether, a criptomoeda nativa da rede Ethereum, vai superar o bitcoin? Essa é uma das perguntas que mais tenho ouvido nos últimos dias. Parece que o questionamento está de volta, a arena voltou a abrir pronta para um novo enfrentamento. Em 2021, com a febre do bull market, os entusiastas do ether estavam com o peito cheio de orgulho ao ver a criptomoeda acumular uma alta de 400% no ano contra 66% do bitcoin.
Até grandes bancos como JP Morgan e Goldman Sachs elaboraram relatórios especiais para explicar por que, na opinião deles, a cripto de Vitalik Buterin deixaria a moeda de Satoshi Nakamoto para trás. Como se isso fosse fácil. Ou pior: como se fosse necessário.
Neste momento, com a aproximação do The Merge, a atualização da Ethereum que vai, entre outras coisas, cravar a mudança do mecanismo de consenso de proof-of-work para proof-of-stake, os torcedores estão cheios de energia. Tal empolgação fez com que o Ether subisse quase 70% em julho e, desta forma, a moeda assumiu o papel de propulsor das novas altas que o mercado vem apresentando. Detalhe: em pleno ciclo de baixa.
No início deste mês, um movimento inédito dos investidores também colocou mais combustível nessa dualidade bitcoin-ether. Pela primeira vez na história, o ether ultrapassou o bitcoin em valor total de posições em aberto no mercado de opções. O Glassnode mostra que foram US$ 5,9 bilhões em opções de ether em aberto contra US$ 4,9 bilhões de bitcoin.
Agora, essa competição faz mesmo sentido? Vou decepcionar quem gosta de ver o circo pegando fogo, mas a resposta é não. Não faz.
O bitcoin foi criado para ser uma moeda independente, seja de governos, de terceiros, de entidades econômicas, de política, enfim, de qualquer centralizador ou conceito sectário que pudesse ter o poder de manipulá-lo. A proposta era criar um instrumento que representasse liberdade.
O ether, por sua vez, não nasceu de uma ideologia, ainda que seu criador fosse fascinado pelo conceito do bitcoin. Vitalik deixou a faculdade para fazer algumas experiências dentro do criptoespaço e despertou para o potencial da blockchain - nascida com o bitcoin -, que cumpria muito bem o seu propósito, mas se limitava a uma única função, segundo o programador.
A diferença crucial entre o bitcoin e o ether ganhou uma de suas melhores definições, inclusive, a partir do próprio Vitalik. Certa vez, ele comentou que o bitcoin seria o ouro digital e o ether, o petróleo. Ele classificou o seu projeto como a fonte de energia da Internet para o mundo da tecnologia.
O que o jovem russo-canadense quis dizer é que ambos têm casos de usos diferentes. O bitcoin foi desenvolvido para funcionar como moeda e ser uma reserva de valor. Enquanto isso, a blockchain da Ethereum foi desenhada para operar contratos inteligentes que hoje possibilitam uma infinidade de aplicações descentralizadas em áreas como finanças, artes e colecionáveis, jogos e na indústria em geral. O ether é a cripto responsável por alimentar todo esse ecossistema.
De fato, esse espaço aberto pela Ethereum para experimentação de novas tecnologias e produtos digitais forma ambientes de criação extremamente preciosos. Dessas bases criativas costumam sair soluções e iniciativas capazes de transformações inéditas para a sociedade. Posso citar aqui um caldeirão atualmente fervilhando: as soluções de dimensionamento de segunda camada (L2 ou layer 2) apoiadas pela rede estão sendo consideradas o motor de uma próxima revolução nas finanças.
A layer-2 do bitcoin, por outro lado, ainda não é muito explorada. Existem hoje projetos importantes como Lightning Network e Liquid, mas não há como comparar com as múltiplas construções enlaçadas na blockchain da Ethereum.
Recentemente, o maximalista Jack Dorsey, fundador do Twitter, disse que vai usar uma solução de segunda camada do bitcoin para construir uma versão própria de web descentralizada, que batizou de Web5. Quem sabe essa movimentação não começa a jogar mais luz sobre novas potencialidades da blockchain do bitcoin?
De uma coisa, a gente pode ter certeza: os projetos que se desenvolverem sobre o bitcoin poderão se beneficiar de um atributo que coloca a rede anos-luz na frente do ether ou de qualquer outro: a segurança.
Existe um conceito chamado Trilema Blockchain, no qual as três características consideradas fundamentais para uma rede, que são segurança, descentralização e escalabilidade, não poderiam existir com a mesma eficiência em uma blockchain. De acordo com a ideia, algum aspecto sempre acaba comprometido.
Por que estou falando isso? Porque o bitcoin, para manter fortes a segurança e a descentralização, precisa sacrificar a escalabilidade. No caso da Ethereum, com as atualizações previstas para a rede, como a The Merge, marcada para o dia 19 de setembro, Vitalik já declarou que pretende pôr fim a este trilema e fazer tudo funcionar no mesmo nível. Será?
Enquanto esse dia não chega, o mundo cripto se questiona se o ether é mesmo descentralizado ou não. As teorias são de que a própria figura de Buterin seria uma ameaça a essa descentralização, ao funcionar como uma mão de peso na rede. O bitcoin não tem esse “patrono”, ninguém sabe do paradeiro de Satoshi Nakamoto.
Não só a comunidade de criptomoedas, mas o próprio Vitalik já se confessou encasquetado com uma possível ameaça à descentralização com a atualização da rede. Em uma entrevista à revista “Fortune” em junho deste ano, ele falou de seus grilos.
“Acho que é uma das maiores questões em que pensamos ao tentar descobrir como mudar para proof of stake no longo prazo”, afirmou, acrescentando que, mesmo receoso, prefere não “catastrofizar” o problema. Para ele, o algoritmo de consenso da rede será um proof-of-stake "saudável”.
Mesmo com todo o desassossego em torno dessa questão, a mudança de proof-of-work para proof-of-stake está sendo considerada uma virada de chave na história da Ethereum. Diferentemente do bitcoin, a rede trocará um mecanismo que exige um imenso poder computacional, portanto muita energia, por um consenso realizado por meio de staking, tornando a blockchain 99% mais eficiente energeticamente. Assim, ganha muitos pontos com os investidores, que hoje buscam aportar seu capital em projetos que estejam alinhados com as práticas ESG.
É o frisson em torno do roadmap da Ethereum, que inclui, além do The Merge, as fases Surge, Verge, Purge e Splurge, o responsável pelo disparo no preço da criptomoeda em pleno ciclo de baixa. Mesmo com toda essa euforia, é muito cedo para saber se as mudanças na camada base, de fato, terão sucesso e se terão efeito de longo prazo. Muitos testes ainda serão necessários para um veredito. Eu torço super a favor.
Já os partidários do bitcoin, no quesito risco, certamente estão mais tranquilos. O eventual perigo que a rede do bitcoin pode oferecer é menor, já que mantém seu protocolo praticamente intacto desde a sua criação, sendo verificado e testado há 13 anos ininterruptos.
A conclusão a que chegamos é que a dupla certamente merece espaço no seu portfólio. Por uma infinidade de bons motivos. bitcoin e ether não se excluem, se complementam. É melhor para todo mundo torcer para que elas se enganchem e cheguem juntas à lua. Sem rixas. Os maximalistas que me desculpem.
*Felippe Percigo é um investidor especializado na área de criptoativos, professor de MBA em Finanças Digitais e educa diariamente, por meio da sua plataforma e redes sociais, mais de 100.000 pessoas a investirem no universo cripto com segurança.