Donald Trump e Joe Biden disputarão eleições nos EUA (Brendan Smialowski/AFP)
Repórter do Future of Money
Publicado em 24 de maio de 2024 às 18h24.
Última atualização em 24 de maio de 2024 às 18h37.
A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a SEC, surpreendeu o mercado com uma mudança abrupta de posição sobre os ETFs de preço à vista de ether, aprovando os pedidos de lançamento desses fundos na última quinta-feira, 23. Entretanto, até o início desta semana, a visão majoritária no mercado era de que os pedidos seriam rejeitados.
O cenário mudou quando a Bloomberg elevou na segunda-feira, 20, as chances de aprovação de 25% para 75%, citando rumores e relatos de uma mudança de posicionamento do regulador. No fim, essa mudança se confirmou. Antes disso, a SEC avaliava que o ether era um valor mobiliário, e por isso não poderia ter ETFs.
A aprovação dos fundos indica que, agora, o regulador classifica o ativo como uma commodity. E o precedente ainda pode se estender para diversos criptoativos hoje classificados como valores mobiliários. Mas, assim como a mudança de postura, a causa para essa reversão intrigou o mercado nos últimos dias, com uma explicação mais provável se consolidando.
Theodoro Fleury, gestor e diretor de investimentos da QR Asset Management, comenta que "a proximidade das eleições presidenciais nos EUA pode ter sido determinante na decisão de aprovação do ETF pela SEC". Previstas para ocorrerem em novembro deste ano, as eleições deverão ser marcadas por um embate entre o ex-presidente Donald Trump e o atual presidente Joe Biden.
Na época em que comandou o país, Trump falou pouco sobre criptomoedas, mas em geral criticou o bitcoin e chegou a defender que o governo "fosse atrás" do ativo, associando o mercado cripto a golpes. A posição do governo Biden não foi muito diferente, simbolizada principalmente pela SEC.
Comandada por Gary Gensler, que foi indicado por Biden, o regulador ficou conhecido por adotar uma postura dura contra o setor após a falência da corretora FTX. Desde então, a SEC executa o chamado "enforcement" como estratégia de regulação, ou seja, prioriza processar e responsabilizar criminalmente as empresas.
Entretanto, o mercado critica o fato de a SEC não ter orientações claras sobre a regulação de criptomoedas e o que pode ou não ser feito com elas, processando posteriormente as empresas. Hoje, os EUA também não possuem uma regulação específica para o mercado cripto. Neste ano, porém, o cenário mudou.
A SEC já havia começado 2024 com uma derrota importante. Após ter resultados desfavoráveis nos processos abertos contra as empresas Ripple e Grayscale, o regulador ficou sem argumentos e acabou aprovando o lançamento de ETFs de preço à vista de bitcoin.
Mesmo assim, Gensler e a SEC mantiveram uma postura crítica contra cripto, anunciaram novos processos e continuaram defendendo que o ether e outras criptomoedas eram valores mobiliários, divergindo inclusive de outro regulador do mercado financeiro nos EUA, a CFTC. Na prática, a posição inviabilizava a aprovação dos ETFs de ether.
Por causa da postura, Gensler acumulava críticas de políticos, em especial os do Partido Republicano, de Trump. A situação pioraria ainda mais com um acúmulo de acenos de Trump ao mercado cripto, com uma mudança de postura que envolveu elogios ao bitcoin, lançamento de coleções de NFTs e até a liberação de doações em criptomoedas.
Como Trump é a principal liderança do Partido Republicano no momento, seus posicionamentos criaram uma associação positiva entre o partido e o mercado cripto. Já no Partido Democrata, os defensores do mercado cripto acabaram tendo menos destaque que a atuação de senadores influentes, como Elizabeth Warren e Sherrod Brown, que são abertamente críticos ao setor.
O maior impacto, porém, tem sido financeiro. Assim como em eleições anteriores, as empresas de cripto se organizaram nos chamados PACs, grupo que podem receber doações e comprar anúncios tanto criticando quanto promovendo candidatos. O foco do grupo tem sido impulsionar candidatos favoráveis a cripto e a novas regulações do setor e prejudicar críticos do setor.
Um dos principais PACs ligados a cripto pretende gastar mais de US$ 78 milhões nessas propagandas. E o foco tem sido exatamente em eleições essenciais para definir qual partido controlará o Senado a partir de 2025, inclusive a eleição de Brown.
Além da questão financeira, há, também, os votos. E em uma eleição apertada, como a de 2024 deverá ser, cada voto importa. O resultado foi que o próprio Partido Democrata suavizou sua postura contra criptomoedas para tentar atrair eleitores e doadores.
O primeiro sinal veio há poucas semanas, quando congressistas democratas — incluindo o líder no Senado, Chuck Schumer —, se juntaram a republicanos para aprovar um projeto que limita os poderes da SEC na regulação de cripto. O presidente Biden ainda pode vetar o projeto.
O que mais preocupa a SEC, porém, é outro projeto ainda em tramitação. Na prática, o texto muda o enquadramento de diversas criptos de valor mobiliário para commodities, colocando-as na supervisão da CFTC. Gensler criticou publicamente o projeto, que foi aprovado nesta semana na Câmara com o apoio de democratas influentes, incluindo a ex-presidente da Casa, Nancy Pelosi.
Ou seja, em poucas semanas, o cenário político dos EUA para cripto mudou drasticamente. Não à toa, a posição da SEC sobre os ETFs de ether também mudou no mesmo ritmo.
Como aponta Theodoro Fleury, gestor e diretor de investimentos da QR Asset Management, "com a forte perseguição instituída contra o mercado cripto em geral por Gary Gensler, atual presidente da SEC, criou-se a narrativa de que republicanos são mais favoráveis ao setor do que democratas".
"Entretanto, os apoiadores do ecossistema de ativos digitais são cada vez mais numerosos, e tanto democratas quanto republicanos precisam de seus votos nas próximas eleições. A aprovação mostra uma clara flexibilização da postura de Gensler, em um sinal de que os democratas andam preocupados com os votos vindos de representantes do setor", afirma.
A consequência final desse movimento vai além dos novos ETFs de ether. Na prática, a abertura maior do Partido Democrata ao setor pode abrir margem para a criação de um novo arcabouço regulatório para cripto e um enfraquecimento da atuação da SEC no segmento. Porém, ainda será preciso acompanhar os próximos capítulos dessa novela.