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"É preciso ir além da ideia original de cidade inteligente", diz professor do MIT

Em entrevista exclusiva à EXAME, Kent Larson falou sobre impacto da tecnologia para resolver problemas urbanos e plano de lançar laboratório no Brasil

João Pedro Malar
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 14 de outubro de 2024 às 18h15.

Última atualização em 14 de outubro de 2024 às 18h29.

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É preciso ir além da visão tradicional sobre o que seria uma cidade inteligente. Essa é a principal ideia defendida por Kent Larson, professor do MIT, em uma entrevista exclusiva à EXAME. O pesquisador, referência em estudos de arquitetura e urbanismo, afirma que o uso de novas tecnologias no espaço urbano deve ser incentivado, mas é preciso pensar nas melhores formas de usá-las.

Larson virá ao Brasil no final de outubro para participar do evento Semana de Inovação 2024, promovido pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública). E, durante a sua passagem, pretende avançar com a ideia de implementar uma unidade do MIT City Science Lab no Brasil para pesquisar soluções de urbanização específicas para a realidade brasileira.

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Para o pesquisador, é importante entender que "a visão clássica de cidade inteligente é de otimizar, sem contestar o modelo atual, por meio da tecnologia. Por exemplo, é um modelo que defende usar sensores e semáforos inteligentes para reduzir o trânsito, mas sem pensar em um jeito de nos livrarmos do próprio trânsito".

"Essa visão de cidade inteligente é muito limitada e técnica. Além disso, virou um instrumento de marketing que as empresas usam para vender produtos para as cidades. É algo que precisamos superar", defende.

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Um novo tipo de cidade inteligente

Ao ser questionado sobre sua visão para cidades inteligentes, Larson diz que é preciso, primeiro, voltar para o passado. Mais especificamente, em um período anterior à Revolução Industrial, quando "as cidades eram bem compactas, com poucos bairros. As pessoas trabalhavam, se divertiam, compravam, viviam dentro desses bairros compactos".

"Tudo mudou com o carro, a abordagem ocidental para o zoneamento e as cadeias de suprimento internacionais. Foi um modelo estabelecido pelas construtoras, e as coisas começaram a ficar fragmentadas, com as cidades divididas em uma zona comercial, industrial, residencial. A ideia era conectar tudo via carros e ter vários estacionamentos espalhados pela cidade", diz, citando Brasília como exemplo do modelo.

O professor comenta que essa visão era o "futuro" imaginado no anos 1950 e 1960, mas que, hoje "poucas pessoas pensam nisso como o futuro". Por isso, ele acredita que a chave está em "recuperar o melhor do que foi perdido" no modelo anterior, em especial "os laços sociais fortes, o acesso aos serviços a nível local" e combinar esses elementos com o melhor do modelo atual, usando a tecnologia para resolver problemas como de saneamento e moradia.

Para ele, o movimento seria um retorno ao "padrão básico de povoamento por comunidades, mas tirando vantagem de tudo que é positivo, novo e poderoso que ganhamos nas últimas décadas. Hoje, temos grandes quantidades de dados, a IA generativa, novas formas de produzir energia e comida, processar lixo, filtrar a água".

E, apesar de rejeitar a visão tradicional sobre cidades inteligentes, Larson reconhece o papel importante da tecnologia nesse processo. Para ele, é preciso primeiro entender as condições atuais de uma comunidade, como a quantidade de pessoas que se deslocam diariamente para ir ao trabalho, o acesso a amenidades como parques e museus, os tipos de moradias existentes e outros elementos antes de pensar em qual tecnologia aplicar.

"É preciso coletar dados, interpretá-los e ver novas formas de aproveitá-los. Já estamos usando os LLMs [grandes modelos de linguagem, por trás das IAs generativas] para ajudar nesse processo, estruturando os dados que as cidades possuem e que estão desorganizados", explica.

A partir disso, há um processo de reunir a comunidade e discutir "não se os prédios estão muito altos e coisas do tipo, mas sim que tipo de futuro, trabalhos, moradias, ruas, recurso, querem", onde o professor vê grande potencial de intersecção com tecnologias como realidade virtual e aumentada para dar mais concretude a essas visões.

Por fim, é preciso levar essa visão de futuro criada para os governos, criando projetos "mais concretos e detalhados" e com sistemas de incentivos e correções para a sua realização. "É onde podemos usar blockchain e contratos inteligentes, sem precisar ter um burocrata verificando tudo, é um grande uso", pontua.

Mudanças climáticas e preparação para o futuro

Um ponto que o professor do MIT considera crucial ao pensar as cidades do futuro é o combate às mudanças climáticas, cujos efeitos se tornam cada vez mais próximos e frequentes nos ambientes urbanos. Mas, novamente, ele acredita que é preciso repensar as estratégias para lidar com o problema.

"A abordagem tradicional de cidade inteligente diria que você precisa achar a tecnologia que solucionaria as mudanças climáticas, então você substituiria todos os veículos por elétricos, colocaria painéis solares nos prédios e coisas do tipo e isso vai salvar o meio ambiente", diz.

Para ele, é preciso pensar que "mais de 70% das emissões de poluentes vêm das cidades. E a maior parte vêm das emissões de veículos que transportam grandes quantidades de pessoas todos os dias, as levam da casa para o trabalho e vice-versa. Precisamos olhar para as raízes do problema e entender como reduzir drasticamente essas emissões".

Larson ressalta que a solução "fundamentalmente envolve colocar os locais de trabalhos perto da casa das pessoas, colocar amenidades próximas, produzir coisas localmente, ter lugares menores para viver mas capazes de desempenhar várias funções. É ter um uso hipereficiente da terra".

Esse movimento, que depende da aplicação correta de tecnologias, pode ir além de simplesmente reduzir emissões: "A performance econômica e social da cidade também aumenta, então consegue ter laços sociais maiores, mais segurança, equidade, moradias a preços acessíveis, maiores oportunidades de inovação e empreendedorismo. É um cenário de vitória nas três frentes.

Para auxiliar nesse processo, o MIT já possui o City Science Lab, dedicado a estudos sobre soluções urbanísticas em diferentes países. Agora, Larson quer trazer o projeto para a América Latina, com laboratórios associados no Brasil. No momento, o México e o Chile já contam com laboratórios do tipo.

"Eu sempre quis ter um laboratório no Brasil, há seis anos, quando fui para o Brasil pela última vez, isso não era possível, porque precisa ter as pessoas ideais, a organização, financiamento, apoio do governo local, mas agora acho que temos uma chance de conseguir", explica.

A princípio, Larson e sua equipe de pesquisadores brasileiros associados estuda o potencial de criação de um laboratório em Belém, no Pará, onde o professor vê potencial para "juntar o melhor do passado e do futuro, combinando as tecnologias com a capacidade de viver em harmonia com a natureza, oferecendo oportunidades econômicas e qualidade de vida. O laboratório busca ajudar a entender como chegaremos nisso".

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