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Drex, Pix, cripto: a transformação dos pagamentos ao redor do mundo

O processo de evolução das infraestruturas e as múltiplas possibilidades existentes no mercado ditam a realidade atual e os avanços em diferentes países e regiões

 (D-Keine/Getty Images)

(D-Keine/Getty Images)

BD
Bruno Diniz

Sócio da Spiralem Innovation Consulting

Publicado em 12 de agosto de 2023 às 10h00.

Última atualização em 14 de agosto de 2023 às 12h35.

É inegável que, nos últimos anos, tivemos a oportunidade de vivenciar um momento único no mercado de pagamentos brasileiros, no qual os cidadãos tiveram acesso a diferentes possibilidades para aquisição de produtos e serviços – tanto de forma online quanto presencial – de forma rápida, com um alto nível de experiência do usuário e custos reduzidos.

Quando falamos em variedade de alternativas e transformação do comportamento no ato da compra, o Brasil certamente, ocupa uma posição diferenciada em relação a outros países.

Porém, para fazermos uma análise justa em relação a esse tema, é importante compreendermos que existem alguns fatores que pesam quando contrastamos diferentes realidades e contextos ao redor do mundo.

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Fatores como a existência de infraestruturas modernas para pagamentos, a disponibilidade de novas modalidades por parte das empresas que recebem os pagamentos e o comportamento do consumidor (em termos de adoção, tanto baseado em conveniência quanto em custos) impactam fortemente o cenário local.

A Worldpay, empresa líder no mercado de pagamentos em todo mundo, divulgou a 8ª edição do relatório “The Global Payments Report”, documento que mostra as diferenças existentes entre países em relação a esse tema – nos mostrando as significativas nuances presentes, ao mesmo tempo em que nos dá pistas sobre o que está por vir, conforme os reguladores, as empresas e as pessoas mudam a forma como o dinheiro é movimentado na economia.

A seguir, veremos algumas evidências do relatório que indicam o estado atual dessa temática, como elas apontam para o futuro (baseado no momento evolutivo local) e quais questionamentos se fazem presentes nesse momento de transformação.

As novas alternativas e infraestruturas disponíveis

Dentre as principais possibilidades que avançaram nos últimos anos, vemos os pagamentos A2A (account to account, que são movimentações diretas entre contas). O valor global das transações desse tipo ultrapassou os US$ 525 bilhões em 2022 e está projetado para crescer à taxa de 13% ao ano até 2026.

Neste caso, os principais impulsionadores são os trilhos de pagamentos em tempo real – que no Brasil é representado pelo Pix, solução que funciona em cima de uma infraestrutura chamada SPI (Sistema de Pagamentos Instantâneos) que foi implementada pelo Banco Central em 2020.

Para se ter uma ideia do avanço por aqui, vimos um total de 1,23 bilhões de transações processadas pelo sistema em dezembro de 2021 e 2,4 bilhões no mesmo período de 2022 (quase o dobro). Segundo dados do site do Banco Central, incríveis 3,07 bilhões de transações aconteceram no país em julho de 2023.

Observando o forte crescimento de sua utilização desde o início do sistema, é indiscutível constatarmos o sucesso da implementação desta modalidade no Brasil, que focou em uma elevada experiência do usuário e se destacou pela abertura e pela interoperabilidade, dispondo de cerca de 800 entidades (incluindo bancos, fintechs e instituições públicas) conectadas à rede oferecendo o serviço.

O pagamento A2A oferece benefícios para os lojistas (também conhecidos como merchants no jargão do setor) e deve seguir avançando também na América Latina, apesar de ainda encontrar alguns obstáculos nos países da região. Talvez o México apresente o caso mais flagrante de dificuldades da modalidade, encontrando resistências para a consolidação do seu sistema (chamado CoDi).

Por lá, o sistema teve uma adesão lenta e limitada, devido à exigência de conta bancária, à falta de acesso a serviços bancários por parte de grande parcela da população (56% é desbancarizada), à insatisfatória experiência do usuário, ao limitado conjunto de instituições financeiras registradas e à escassa campanha de conscientização pelo banco central, o Banxico.

Já na Argentina, o Banco Central local implementou regras para pagamentos A2A, como a interoperabilidade obrigatória de códigos QR e a necessidade de os prestadores de serviços de pagamento aceitarem transferências diretas de contas bancárias (a iniciativa ficou conhecida como Transferências 3.0).

Tais medidas tendem a beneficiar o MODO, um sistema de pagamento A2A lançado por bancos argentinos durante a pandemia para competir com líderes de mercado, como o Mercado Pago, e disponível em 33 bancos até 2022.

Outros países da região, como o Peru e a Colômbia, também têm focado em desenvolver padrões que visem a interoperabilidade de sistemas existentes, sobretudo buscando padrões de código QR que integrem tanto carteiras digitais quanto aplicativos de diferentes instituições.

O modelo adotado pelo Brasil, no qual o regulador desenvolve e mantém os trilhos de pagamentos, não é algo muito comum mundo afora, onde geralmente a iniciativa privada se encarrega deste papel e a autoridade local estabelece regras para garantir que alguns objetivos sejam atingidos pela iniciativa.

Mesmo após o Banco Central do Brasil ter tornado o Pix open-source para qualquer país que deseje implementar alguma solução similar, é possível que existam significativas diferenças em relação ao sistema que temos por aqui devido a não existir um consenso entre os reguladores em ocupar o papel de mantenedor de trilhos de pagamentos.

As alternativas A2A seguirão crescendo em todo mundo (tomando formatos específicos de acordo com contextos locais) e desafiarão outros métodos de pagamento que, por anos, não viam um adversário tão forte e com um nível de adoção tão rápida. Dentre eles, vemos particularmente o cartão de débito, opção que segue perdendo terreno, sobretudo no e-commerce.

Para tentar reverter essa situação, a indústria de cartões priorizou o tema em 2023 apresentando um novo padrão para transações online que facilita a compra de até R$300,00 sem a necessidade de autenticação via senha – melhorando a experiência e aumentando a taxa de conversão. No final, fatores como a disponibilidade da solução no checkout do Merchant e a preferência dos usuários que irão, de fato, decidir esse jogo.

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O comportamento do consumidor

Ainda que tenhamos mais opções para pagamentos, o cartão de crédito segue como líder em muitos países, ainda mais quando falamos de comércio eletrônico. De modo geral, o relatório “The Global Payments Report” apontou um volume de mais de US$13 trilhões em transações ao longo de 2022 e prevê um crescimento de 7% ao ano entre 2022 e 2026. Contudo, as carteiras digitais (também conhecidas como wallets) passaram a adentrar o terreno do cartão de crédito de forma crescente e acelerada.

As wallets despontaram dentre os métodos de pagamento com maior potencial de expansão, sendo esperado pelo relatório uma taxa de crescimento de 15% ao ano nos pontos de vendas (PDVs) e 12% ao ano no e-commerce até 2026.

A China é líder no uso de carteiras digitais – onde representam 81% do valor transacionado no e-commerce. Já na América Latina, as wallets representam 21% das transações no e-commerce e, até 2026, representará 28% de todos os pagamentos no comércio eletrônico. Soluções como Alipay, PayPal e Apple Pay são bastante utilizadas globalmente e se tornaram líderes em múltiplos mercados.

Já na América Latina, O Mercado Pago (segmento de pagamento do maior marketplace de comércio eletrônico da América Latina, o Mercado Livre), revolucionou os pagamentos digitais em grande parte da região. No entanto, carteiras digitais locais, como o MACH Pay no Chile, PicPay no Brasil e Nequi e RappiPay na Colômbia, estão emergindo como líderes em seus mercados específicos.

Vale destaque também o avanço do “Buy Now, Pay Later” (BNPL) pelo mundo, fazendo com que ele ocupe uma posição relevante no cenário de pagamentos – ensaiando uma próxima fase de sua evolução. Apesar de desafios como escrutínio regulatório (sobretudo em países como o Reino Unido), pressão das taxas de juros e competição acirrada, o BNPL, que representou 5% dos gastos globais no e-commerce em 2022, segue sendo popular entre os consumidores. O futuro do BNPL, em meio à consolidação do mercado e à regulamentação unificada, provavelmente apontará para um crescimento sustentável.

No Brasil, as possibilidades de parcelamento via Pix (modalidade chamada de Pix Garantido e que deve ser lançada em breve) deve abrir uma importante via para pagamentos atrelados ao crédito direto ao consumidor – tornando-se um competidor relevante para o parcelamento via cartão de crédito.

Já o formato mais antigo (e analógico) de pagamento, o dinheiro em espécie (o famoso cash), ainda persiste como elemento muito presente na sociedade. Apesar da projeção de queda de 6% na taxa de crescimento anual composta até 2026, com os consumidores optando pela facilidade e segurança dos pagamentos digitais, uma sociedade completamente sem dinheiro ainda não é iminente. O dinheiro em espécie ainda é muito relevante em diferentes economias, representando mais de US$ 7,6 trilhões nos gastos globais dos consumidores em 2022.

Mesmo no Brasil, onde os consumidores têm uma taxa de bancarização acima da média e muitas alternativas viáveis para realização pagamentos de forma rápida e barata, ainda podemos nos surpreender com o uso do cash no interior e em regiões afastadas – mas não somente lá.

Em conversas com um CEO de um grande player do segmento de Banking as a Service, ele me revelou que 55% do volume recebido por uma grande varejista (cliente de sua empresa) que atua na periferia da cidade de São Paulo é feita em dinheiro em espécie – instrumento que, quando consideramos os custos de armazenagem, segurança e transporte, é ainda mais caro que as taxas cobradas no pagamento digital.

Por fim, olhando para a criptoeconomia e as novas fronteiras existentes adiante, vemos os criptoativos ganhando terreno como uma alternativa viável para pagamentos de pessoas para empresas (P2B). Apesar da volatilidade em 2022, que limitou sua adoção de maneira mais intensa no dia a dia para pagamentos, tais ativos movimentaram mais de US$ 11 bilhões globalmente nesse contexto. Com o interesse dos consumidores em usar cripto para adquirir bens e serviços, e a atuação de intermediários na conversão de cripto em moeda fiduciária, esse cenário está se tornando cada vez mais factível.

Com o movimento de tokenização da economia, ainda mais no Brasil e após a introdução de instrumentos como o Real Digital (batizado como Drex), pode ser que vejamos uma movimentação mais forte nesse sentido, puxando a utilização dos criptoativos de maneira ampla na economia brasileira.

Os próximos passos

Em um cenário de múltiplas alternativas, avançam aquelas que oferecerem melhores condições para os merchants e, principalmente, as que entregam maior conveniência e uma melhor experiência para os consumidores. Assim, como a história já mostrou em diversos momentos, não apenas as soluções mais baratas (do ponto de vista de aceitação) e tecnicamente superiores ganharão essa batalha.

A coexistência desses meios de pagamento (baseadas em diferentes infraestruturas) traz competição para o mercado, reduz custos de transação e beneficiam, em última instância, o usuário final.

Pensando em novas infraestruturas que possuem condições de ganhar corpo e escala global rapidamente, vale olharmos para os trilhos baseados em blockchain e para as moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs) que podem ser construídas em cima dessa arquitetura – que traz o componente de programabilidade e grande eficiência devido a redução de intermediários.

Quando atingirmos um maior grau de interoperabilidade, pode ser que vejamos uma alteração drástica nesse cenário e um conflito mais direto com os trilhos e redes estabelecidos a mais tempo. Esse pode ser, de fato, o próximo capítulo – e julgo que estamos a algumas páginas dele.

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