Coinbase (Chesnot/Getty Images)
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 15h29.
A oferta inicial de ações (IPO) da exchange norte-americana Coinbase pode, além de um investimento lucrativo, ser também um divisor de águas para o mercado de criptoativos, dizem os especialistas. Nesse artigo apresentamos uma análise de valor para a empresa e a importância qualitativa desse momento para o seu setor.
A Coinbase Global Inc. é a maior exchange do mercado cripto norte-americano e a primeira do segmento a abrir capital em bolsa. Seu negócio principal é uma plataforma online onde pessoas compram e vendem criptomoeda. Ela também armazena os ativos (custódia) e oferece uma plataforma de trade e um gerenciador de digital wallet para seus clientes.
Em números atuais disponibilizados no site da plataforma, a Coinbase tem como base mais de 43 milhões de clientes verificados em mais de 100 países, possui 90 bilhões de dólares em ativos custodiados e mais de 500 bilhões de dólares negociados. Além disso, faz parte do Center Consortium, numa colaboração com a Circle Internet Financial (Circle), para desenvolvimento do USD Coin (USDC), sua stablecoin.
A empresa californiana, baseada em São Francisco (EUA), foi fundada em 2012 e é liderada por Brian Armstrong, ex-engenheiro de software do Airbnb e CEO e cofundador da empresa, e Emilie Choi, atualmente presidente e COO da companhia.
Ao longo desse período, arrecadou 547,3 milhões de dólares em 11 rodadas de investimento, de investidores do porte de Tiger Global Management, Andreessen Horowitz, Y Combinator, Greylock Partners e Battery Ventures. A True Capital Management e o Fundamental Labs fazem parte dos que entraram na última captação.
A empresa também investe em outros players do mercado cripto, principalmente focados em infraestrutura para o ecossistema DeFi. Através de seu fundo USDC Bootstrab Fund, utilizando protocolo de contratos inteligentes (smart contracts), já adquiriu participação em 15 organizações. Sua aquisição mais recente foi a Bison Trails, em janeiro de 2021 — uma plataforma blockchain por trás da estrutura de custódia da própria Coinbase.
A receita da Coinbase vem de um combinado de, aparentemente, bons serviços. Em primeiro lugar, um grande trunfo da operação da Coinbase parece ser a segurança de custódia de ativos de terceiros, garantindo a manutenção de seus clientes frente à concorrência e ainda angariando destes quando em debandadas por ataque de hackers.
O serviço de wallet, porém, apesar de muito popular, não é cobrado. As margens e taxas as quais compõem o faturamento da Coinbase só são cobradas quando o cliente compra e vende as criptomoedas listadas na plataforma.
A Coinbase possui outras linhas de negócios além de seus serviços de exchange, como o Coinbase Commerce, que fornece software para que lojistas aceitem pagamentos em criptomoedas; Cartão Coinbase, ainda em estágio inicial de desenvolvimento, que pretende dar a seus usuários um cartão de débito físico emitido pela Visa e também um aplicativo de acompanhamento para gastar criptomoedas (muito similar ao que é oferecido pela brasileira Alter); Conversão USD (USDC), que permite a alocação na stablecoin da própria empresa, a USD Coin (USDC), que é construída na plataforma Ethereum e tem seu valor vinculado ao dólar, ou seja, 1 USDC sempre valerá 1 dólar.
Pelo fato de (ainda) ser uma companhia de capital fechado, seus relatórios de avaliação (valuation) geralmente estão associados às rodadas de captação. A última avaliação formal divulgada é de outubro de 2018, quando a empresa valia 8 bilhões de dólares e captou 300 milhões de dólares em uma rodada série E.
Aproveitando o possível apetite do mercado em relação à empresa, a exchange de derivativos em cripto FTX listou um contrato futuro sintético de Coinbase Pre IPO, o CBSE. A ideia é que ativo rastreie o valor de mercado (futuro) da companhia dividido por 250 milhões (quantidade de ações) e, ao final do primeiro dia de negociação pública, converta seus saldos na quantidade equivalente de tokens de ações fracionárias da Coinbase.
E, se isso não acontecer até dia 1 de junho de 2022, os saldos da CBSE expirarão em 32 dólares, em linha com a última avaliação formal da Coinbase de 8 bilhões de dólares e um desconto de 74,4% em relação ao seu valor de lançamento, em dezembro de 2020.
O contrato futuro de Coinbase (CBSE), lançado a 125 dólares em 22 de dezembro de 2020, foi a 235 dólares no primeiro dia, alcançou 300 dólares em 10 de janeiro e é cotado atualmente a 385 dólares, uma alta expressiva de mais de 200% no período.
A título de comparação, com a escalada da última bull run que levou o BTC à novas máximas — e rompendo a resitência dos 40 mil dólares —, a cotação do bitcoin na plataforma da Coinbase variou 100% no período, enquanto a cotação dos contratos futuros de Bitcoin (BTC1!) listados na Bolsa de Chicago (CME) variou 102% no mesmo horizonte de tempo.
Salta aos olhos o fato da atual expectativa do mercado sobre o valor futuro da Coinbase (CBSE), mesmo pegando carona no momento de otimismo sobre a evolução de BTC, demonstrar apreciação acima da escalada de preço do próprio Bitcoin, ainda mais após o anúncio da Tesla sobre a alocação de US$ 1,5 bilhão da criptomoeda em seu book de ativos.
Além disso, o volume diário de CBSE negociado na plataforma da FTX ainda é pequeno quando comparado ao mercado de capitais tradicional, tendo movimentado pouco mais de 2,5 milhões de dólares desde sua listagem em dezembro.
Para se ter uma média de possíveis preços da ação da Coinbase em seu lançamento, tomando como referência o valor de CBSE a 300 dólares, a ação da Coinbase negociaria a 8,38 vezes o seu valuation de 2018, chegando ao market cap de 75 bilhões de dólares, um prêmio de 140% em relação ao valor de lançamento de seu contrato futuro pré-IPO realizado pela FTX.
Outro detalhe importante desse evento de lançamento público de ações é o fato de os gestores da companhia optarem por uma colocação não-convencional. Visando simplificar e baratear a operação, no lugar de um IPO clássico em que novas ações são emitidas e lançadas a público com o suporte de intermediários (bancos, distribuidoras de valores, etc.), a Coinbase negociará direto a conversão em ações das cotas já existentes nas mãos de seus acionistas, em uma modalidade chamada de listagem direta de ações (direct listing).
Algumas empresas como Spotify e Slack foram bem-sucedidas ao adotar este como meio de realizar suas ofertas primárias. Sem intermediário nem período de lockup, a listagem direta tende a ser mais acessível, porém pode gerar maior volatilidade pela liquidez imediata da ação para o novo acionista. Visando reduzir essa possibilidade, tudo indica que a colocação será de ações classe A, com maior direito a voto na companhia.
Fato é que, mesmo com a aprovação da SEC (a "CVM dos EUA") para a operação do modelo, algumas incertezas regulatórias sobre o mercado da Coinbase ainda pairam no ar.
Num momento em que grandes players iniciam seus testes de diversificação de seus caixas em Bitcoin, o processo da própria SEC contra Ripple e o alto custo da solução para falta de escalabilidade do Ethereum acabam por forçar a concentração de investidores institucionais em um único ativo (o bitcoin).
Além disso, por ser uma empresa baseada nos Estados Unidos, não é permitido à Coinbase oferecer negociação com margem em derivativos, algo que a maioria de seus concorrentes domiciliados no exterior oferta em larga escala a seus clientes. Tais fatores impactam diretamente na diversificação do portfólio de serviços da empresa.
Por outro lado, IPOs recentes de empresas de tecnologia com diversas lacunas estruturais em seus mercados apresentaram excelentes resultados. Vide Airbnb (112% de alta desde a abertura e market cap de 86,5 bilhões de dólares), cujas ações continuam subindo mesmo diante da fragilidade regulatória de seu modelo de negócio, acrescido do alto impacto da pandemia por Covid-19 no setor de turismo.
Portanto, mesmo diante de informações relevantes e dados quantitativos da evolução de preços de ativos com forte correlação ao valor de mercado da Coinbase, pela falta de negócios similares já listados como referência, até que a companhia libere novas informações financeiras depois de abrir seu capital é arriscado dizer o quão lucrativo o negócio é.
Porém, se depender do momento favorável, a abertura de capital da Coinbase tem grande chance de ser, mais que um divisor de águas, a ponte que conectará em definitivo o segmento cripto e o mercado de capitais tradicional.
Uma última informação: a FTX alerta em seu site que, por ser um produto volátil, investidores em CBSE devem entender e atender o mecanismo de risco da companhia, margem, liquidação e políticas de fundos de seguro.
Filipe Pires é pesquisador e chefe de análise econômica do Alter, o primeiro cryptobank do Brasil.
No curso "Decifrando as Criptomoedas" da EXAME Academy, Nicholas Sacchi, head de criptoativos da Exame, mergulha no universo de criptoativos, com o objetivo de desmistificar e trazer clareza sobre o funcionamento. Confira.