Elon Musk, CEO da Tesla: febre dos carros elétricos teria se espalhado devido ao excelente trabalho de marketing da montadora (Win McNamee/Getty Images)
Após uma série de publicações no Twitter que funcionaram como catalisadoras para grandes movimentos no mercado de criptoativos nos últimos meses, Elon Musk começou a ser duramente criticado por investidores e entusiastas de criptomoedas, que questionam se o bilionário realmente pode ser posicionar da forma como vem fazendo.
Um dos homens mais ricos do mundo e CEO da maior montadora de carros elétricos do planeta, Elon Musk tem sido monitorado, desde 2018, pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), por tentativas de manipulação do mercado de ações americano, por meio de publicações no Twitter, que, de acordo com o órgão regulador, podem ter sido feitas com segundas intenções, principalmente por contarem com uma série de informações capazes de enviesar a tomada de decisão de milhares de investidores.
Desde então, além de uma multa de 40 milhões de dólares, a Tesla ficou encarregada de fiscalizar a atividade de seu CEO na rede social para assegurar que suas publicações estivessem dentro das regras impostas pela autarquia.
No primeiro dia de maio de 2020, entretanto, as ações da montadora despencaram após uma publicação de Elon Musk, que dizia que “o preço das ações da Tesla estava alto demais”. Após os impactos da publicação, representados por uma queda de 10,3% na cotação das ações da empresa e um prejuízo enorme para muitos investidores, a SEC se posicionou publicamente, alegando que a Tesla “falhou em aplicar os procedimentos e controles, apesar das repetidas violações do Sr. Musk”.
Neste cenário, no mês seguinte, além de reiterar sua preocupação com os impactos das publicações de Elon Musk para os investidores, a SEC solicitou que a Tesla revisasse seu posicionamento sobre a questão, para que além de obedecer às regras determinadas pelo órgão regulador, a empresa contribua para a construção de um cenário no qual os investidores ou o mercado de ações como um todo não sejam afetados pelas publicações de seu CEO. “Encorajamos a empresa a reconsiderar sua posição neste assunto, agindo de forma a implementar e cumprir o controle de divulgação... para evitar mais danos aos acionistas”, informou a SEC.
Até o momento, todas as acusações da SEC estão ligadas aos impactos das publicações de Elon Musk no mercado acionário. Mas grandes instituições e investidores do mercado de criptoativos também fazem duras críticas ao CEO da Tesla, principalmente por conta de suas falas relacionadas às criptomoedas.
Segundo eles, como alcançam milhões de pessoas na rede social, as publicações funcionam como um catalisador de movimentos bruscos no mercado, que por sua vez, trouxeram grandes variações para o portfólio dos investidores de criptoativos.
Em fevereiro deste ano, a Blockchain Research Lab, uma instituição de pesquisa sobre tecnologia e blockchain, divulgou uma pesquisa sobre o real impacto das publicações de Elon Musk que abordavam diretamente os criptoativos. De acordo com o estudo, após as publicações do CEO da Tesla mencionando as criptomoedas, foi possível identificar um aumento vertiginoso no volume de negociações no mercado, que provocaram grandes variações nos preços de algumas criptomoedas, com destaque para o bitcoin e a dogecoin, a criptomoeda-meme queridinha de Elon Musk.
Conduzido por Lennar Ante, o estudo investigou seis atividades de Elon Musk relacionadas às criptomoedas no Twitter e obteve os seguintes resultados:
- A mudança na descrição do perfil do Twitter de Elon Musk para “#bitcoin” em 29 de janeiro de 2021 fez com que o preço do bitcoin saltasse 6,31% em trinta minutos, que atingiu uma alta de 13,19% em uma hora e 18,99% em seu pico, sete horas após a alteração;
- Já a publicação que continha “Uma palavra: Doge” em seu texto, resultou em um aumento de 8,17% nos preços da dogecoin em apenas 5 minutos, alcançando 17,31% em apenas uma hora.
Além de um impacto positivo nos preços das criptomoedas, assim como ocorreu com a queda nos preços das ações da Tesla, Musk também foi relacionado como um catalisador para a grande queda registrada nos preços do bitcoin em maio de 2021, pior mês do criptoativo em dez anos.
No dia 12 de maio, o bilionário ainda anunciou no Twitter a suspensão do uso de bitcoin para a compra de carros da Tesla, devido ao impacto ambiental do processo de mineração do criptoativo. Poucos minutos após a publicação, o preço do bitcoin voltou a corrigir, registrando uma queda de quase 9 mil dólares em pouco mais de duas horas, equivalente a -16,2%, fazendo com que o ativo perdesse mais de 100 bilhões de dólares em valor de mercado.
É inegável que por ser uma figura muito popular, principalmente no mercado financeiro e da tecnologia, em especial entre as gerações mais jovens, as publicações de Elon Musk possuem um alcance muito grande e têm a capacidade de distorcer a visão de todo um mercado à respeito de determinado ativo, como o bitcoin ou as ações da própria Tesla.
Quando suas publicações afetam diretamente algum setor do mercado financeiro tradicional, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA pode mover uma ação contra o bilionário e, até mesmo, contra a Tesla, de acordo com a gravidade das falas de Musk.
Ainda assim, dado que o mercado de criptoativos não é regulado nos EUA, não existe nenhum tipo de punição que possa ser aplicada ao CEO da Tesla pela SEC ou pela Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (CFTC), que apesar de reconhecer o bitcoin como uma commodity nos EUA, não pode aplicar nenhuma penalidade ao bilionário ou a Tesla, principalmente porque a regulação no país ainda está sendo construída.
Sobre as constantes publicações de Musk sobre o bitcoin e outras criptomoedas, Tatiana Revoredo, especialista em blockchain e criptoativos, a inexistência de uma legislação regulando os criptoativos nos EUA dificultam o controle de ações como as de Elon Musk, que no atual arcabouço regulatório norte-americano, por estarem ligadas aos criptoativos, ainda não infringiram nenhuma lei.
“A zona cinzenta em que se encontram as legislações sobre criptoativos dificulta a ação dos reguladores e, por consequência, a proteção dos investidores contra a manipulação de mercado, como a realizada por Elon Musk... A SEC, quando consultada sobre uma eventual manipulação do mercado de criptoativos feita por Musk, respondeu que o órgão e as bolsas dos EUA monitoram atividades suspeitas dentro dos mercados que são regulamentados. Já a CFTC, que regula os derivativos de bitcoin, não respondeu às consultas sobre os impactos das publicações de Musk para o mercado de criptoativos”, comentou Tatiana.
Atualmente, Elon Musk ocupa a posição de segundo homem mais rico do mundo, com um patrimônio avaliado em mais de 150 bilhões de dólares, que é fruto de todas as façanhas que a Tesla e a SpaceX construíram ao longo dos últimos anos com o seu acelerado desenvolvimento tecnológico.
Dividindo opiniões entre a loucura e a genialidade, o autoproclamado “Technoking” da Tesla construiu um legado inquestionável, que faz com que muitas pessoas interpretem suas palavras como uma verdade absoluta, principalmente dentro do âmbito da tecnologia.
Com isso em mente, é possível inferir que a suposta manipulação do bilionário no mercado de criptoativos não possui apenas um culpado, e sim alguns milhões.
As publicações de Musk em relação ao bitcoin e a dogecoin foram o estopim para uma série de grandes movimentos nos preços destes ativos, entretanto, isso só se concretizou por conta da falta de criticismo de uma grande parcela dos investidores deste mercado, que em vários momentos deixaram de lado suas próprias convicções e sua racionalidade por conta do temor de estarem posicionados em uma direção contrária a visão do bilionário.
Já pela perspectiva regulatória, por mais que ainda não exista uma legislação clara em relação ao mercado de criptoativos nos EUA, é inegável que os principais órgãos reguladores do país estão acompanhando de perto o seu desenvolvimento acelerado e, consequentemente, deverão prestar ainda mais atenção nos próximos passos de Elon Musk no setor.
Além disso, também vale ressaltar que a discussão sobre o que o CEO da Tesla pode ou não dizer nas redes sociais também esbarra no conflito entre poder de influência e liberdade de expressão, principalmente porque uma boa parte de suas publicações transitam nessa linha tênue, que deve ser analisada mais de perto pelos reguladores para definir de maneira mais clara quais são os limites para seus comentários.