(Bloomberg/Getty Images)
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 26 de novembro de 2020 às 13h08.
Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 19h15.
Após quase dois meses em um movimento de alta, que levou o preço do bitcoin da faixa de 55 mil para 105 mil reais desde setembro, o maior ativo digital do mundo despencou na madrugada desta quinta-feira (26), registrando sua maior queda desde março. O recuo, de quase 20%, jogou o preço do BTC para 90 mil reais no mercado brasileiro — no mercado internacional, o bitcoin caiu de 19.500 para 16.500 dólares, aproximadamente.
"Correções fortes no mercado de criptoativos não apenas são comuns, como são esperadas. Na dinâmica da formação de preços, sempre que há uma forte aceleração para cima, é natural que os preços retornem a patarmares mais baixos", explicou Nicholas Sacchi, head de criptoativos da EXAME.
A queda abrupta reforça algumas características típicas dos criptoativos. Em primeiro lugar, o fato de ser um mercado que, diferente do mercado financeiro tradicional, funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, o que possibilita movimentos de preço durante a madrugada no Brasil, quando países da Ásia já estão negociando a pleno vapor. Além disso, a alta volatilidade, que parecia controlada nas últimas semanas, voltou a aparecer.
"Viemos de uma sequência de sete semanas consecutivas de alta, sem grandes correções no meio do caminho, com os preços chegando a patamares muito próximos da máxima histórica em dólar. Como se isso não bastasse, o mercado de criptoativos ainda conta com mecanismos de alavancagem financeira que possibilitam aos especuladores aumentar de maneira significativa o tamanho de suas posições. Estamos falando de posições 10, 20 e, até mesmo, 100 vezes maiores do que o caixa disponível", continuou Sacchi.
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A rápida desvalorização do bitcoin não tem na alavancagem e na liquidação de contratos futuros sua única explicação. Especialistas citam diversos fatores para justificar o movimento, além do mercado de derivativos, como a reabertura dos saques na exchange OKEx, a pressão de venda pors baleias (investidores com grandes quantidades do ativo), e até uma possível regulamentação dos criptoativos nos EUA, entre outros.
"Quando o mercado inverte sua direção, se há um número muito grande de investidores alavancados, o tamanho da correção é proporcionalmente maior do que seria se somente contássemos com o mercado à vista, dado que muitas das posições abertas são liquidadas de maneira forçada. Na correção atual, foram encerradas quase 2 bilhões de dólares em posições alavancadas, o que, evidentemente, força os preços para baixo. Como nas bolsas de criptoativos não existe o "circuit braker", o preço muitas vezes experimenta quedas acima dos dois dígitos", completou o especialista da EXAME.
Antes do recuo, a quantidade de contratos futuros de bitcoin em aberto atingiu um novo recorde. O mercado de derivativos também estava superaquecido com compradores, fazendo com que o mercado oscilasse. Mais de 1 bilhão de dólares em contratos futuros foram liquidados durante a madrugada, um volume semelhante ao que causou o crash do ativo em 12 de março, quando a OMS classificou a propagação da Covid-19 como pandemia.
Na Bolsa de Chicago (CME), por exemplo, foram 1,8 bilhão de dólares em volume de contratos futuros de bitcoin negociados na última quarta-feira (25), o maior de todos os tempos, de acordo com a ferramenta de monitoramento Skew. Nesta quinta, dados indicam que quase 1,9 bilhão de dólares em contratos futuros foram liquidados no dia.
Bernardo Quintão, diplomata do Mercado Bitcoin, citou uma possível regulação nos EUA para explicar o movimento: "Após uma sequência de sete semanas seguidas de alta no bitcoin, uma correção é natural, pode ser inclusive maior do que a vista até agora. E não sem motivo, a preocupação lançada por Brian Armstrong, CEO da Coinbase, em seu Twitter, de uma possível nova regulação sobre criptoativos nos EUA, também é bastante válida".
A declaração de Armstrong à qual Quintão se refere comentava rumores de que os Estados Unidos planejam introduzir um novo regulamento para posse e transferência de criptoativos: "Se essa regulamentação sair, será um legado terrível, com impactos negativos de longa data para os EUA. No início da internet, havia pessoas que pediam que ela fosse regulada como as companhias telefônicas. Graças a Deus que não foi", alertou o executivo.
"A queda de hoje é um junção de fatores. O preço em dólares do bitcoin chegou muito próximo à sua alta histórica. O ativo subiu muito, e muito rápido. Quando você atinge níveis importantes como os desta semana, é normal que exista uma resistência. Parece uma correção técnica após subir tanto. E, somado a isso, as palavras do CEO da Coinbase sobre a regulação nos EUA, que não era esperada no mercado de criptoativos, também favorece o movimento de baixa momentâneo", disse Theodoro Fleury, gestor da QR Asset Management, gestora de recursos da holding QR Capital.
João Canhada, CEO da Foxbit, vê a notícia sobre regulação nos EUA como ponto principal para o movimento de baixa: "uma possível regulação agressiva, ainda antes do fim do mandato do Trump, fez os investidores optarem por realizar seus lucros depois dessa alta de mais de 50% em 40 dias, frente às incertezas regulatórias dos próximos 30 dias".
Além disso, a movimentação de grandes quantidades do ativo pelas baleias do mercado também pode ter impactado na variação de preço. Ki Young Ju, CEO da Crypto Quant, o movimento começou após a atividade nas exchanges aumentar. "A média de entrada nas exchanges aumentou muito há algumas horas. Isso indica que as baleias, relativamente falando, depositaram BTC nas bolsas. Mas os indicadores de longo prazo da rede dizem que a pressão de compra prevalece. Ainda acho que podemos quebrar a marca de 20.000 dólares em alguns dias”, disse no Twiter.
Para Bernardo Schucman, CEO da FastBlock, vários fatores contribuíram para a queda, mas ele segue confiante no ativo: "Um dos motivos foi o fechamento dos bancos americanos por conta do feriado de Ação de Graças. O outro é a falta de um suporte formado para esse aumento recente no preço do ativo. Além disso, uma correção natural no preço, normal após uma alta grande como a que viveu o bitcoin nas últimas semanas. Mas, até o final do ano, ainda acredito que o valor chegue até os 20 mil dólares".
Segundo analistas do site Cointelegraph, existem agora três cenários de curto prazo possíveis para o bitcoin. Primeiro, ele pode se recuperar de forma relativamente rápida para 18 mil dólares e retomar a tendência de alta. A segunda opção seria o ativo continuar caindo até o próximo suporte, na faixa de 13.700 dólares. E, por último, o bitcoin pode continuar oscilar na faixa dos 17 mil, permitindo que o mercado de derivativos se estabilize.
"O gráfico de preços do Bitcoin mostra um colapso abaixo da área de 18.500-18.800 dólares e essa é imediatamente a resistência mais importante a ser rompida para o mercado voltar a ser altista. Independentemente disso, a região entre 15.800-16.300 dólares é uma zona de suporte crucial, e atualmente ela está se mantendo no período diário. Diante disso, uma nova faixa é estabelecida. Se o bitcoin sustentar um suporte acima de 15.800-16.300 dólares, o mercado altista provavelmente será retomado. No entanto, caso não cosiga manter o suporte, uma nova correção para 13.800-14.200 dólares deve ser esperada a seguir", escreveu Michael van de Poppe.
"Desde que o Bitcoin passou de 15 mil dólares, o mercado ficou na expectativa por correções. Nenhuma correção ocorreu, levando a crer que a alta teria força pra chegar numa nova máxima histórica. Entretanto, a correção parece ter vindo agora, com força, mas acredito que a tendência de alta volte logo após isso", disse Valdiney Pimenta, CEO da BitPreço.
No momento da publicação, o bitcoin já recuperava parte da queda, tanto no mercado internacional quanto nacional. Após cair para pouco mais de 16.300 dólares, o ativo é negociado no mercado internacional na faixa de 17 mil. No Brasil, após despencar de 105 mil para 88 mil reais, o ativo é negociado na faixa de 91 mil reais.