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Artigo: mudanças com o metaverso impactam também as heranças digitais

Para especialista, nova tecnologia permite trazer ao mundo virtual diversos aspectos do ambiente físico, o que gera discussões e desafios

Metaverso trouxe mudanças que demandam discussões sobre leis brasileiras (Tolgart/Getty Images)

Metaverso trouxe mudanças que demandam discussões sobre leis brasileiras (Tolgart/Getty Images)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 20 de fevereiro de 2023 às 12h00.

Por Ana Carolina Mendes Fialho*

Desde o surgimento da internet na década de 60, ela vem sendo, com o avanço da sociedade e da tecnologia, aprimorada e otimizada. Em conexão a ela, nos últimos tempos, tem se falado expressivamente sobre o metaverso, que surgiu na década de 90. Contudo, esse conceito foi aparecer no Brasil dez anos depois, o seu percursor foi o Neal Stephenson, que escreveu o livro Snow Crash e mencionou pela primeira vez o respectivo tema, o qual desde então vem ganhando mais espaço e fãs.

O metaverso vem impactando todas as relações sociais. Por exemplo, no e-commerce, que vem crescendo a cada dia, as compras são cada vez mais virtuais. Não só os vestuários e calçados, mas até a compra dos alimentos perecíveis ou não podem ser feitos de forma virtual, através dos famosos aplicativos. É de se acreditar que, com o passar do tempo, o dinheiro físico não existe mais, uma vez que, atualmente, tudo gira em torno do Pix e dos cartões.

Procedimentos físicos os quais não imaginávamos que poderiam se tornar digitais se tornaram. Ultimamente, tem se discutido uma nova modalidade, a denominada Herança Digital.

Cabe relembrar, a herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações que são deixados pelo de cujus aos seus herdeiros em tese. Antes da popularização da internet, as pessoas tinham o seu patrimônio constituído de bens físicos, ou seja, materiais, mas com o advento da tecnologia, grande parte da sociedade tem migrado para o trabalho digital, utilizando como fonte de renda as mídias sociais, as quais tem dado um grande retorno financeiro, o que consequentemente têm atraído mais adeptos.

Nesse contexto, entra a realidade virtual trazida pelo metaverso onde as pessoas passaram a constituir um novo tipo de patrimônio. A utilização das mídias em relação ao trabalho presencial que estamos mais habituados traz um retorno pecuniário rápido e crescente, e a proporção desse valor algumas vezes depende dos seus views, das propagandas feitas através do seu perfil, bem como do seu engajamento. Discute-se, ainda se na herança digital podemos incluir os computadores, celulares e tantos outros apetrechos tecnológicos.

Diante de todos esses ganhos virtuais que são conquistados ao longo da vida, forma-se a “herança digital”. Mas defronte ao falecimento, será que os herdeiros passariam a ter direito de acessar as mídias deixadas pelo de cujus? Afinal, este patrimônio poderia constituir a herança e os herdeiros passariam a ter direitos sobre este a partir da abertura da sucessão, como descreve o artigo 1.784 do Código Civil?

Essa nova terminologia da herança tem causado diversas discussões, não só entre a população, mas também entre os operadores do direito, tamanha é a discrepância acerca do que os próprios tribunais vêm decidindo, ao passo que não existe ainda nenhuma norma que traga a regulamentação da presente temática.

O artigo 1.791 do Código Civil descreve que a herança se define como um todo unitário, sendo assim, poderíamos entender que não teria relevância ela ser material ou imaterial. Acontece que, a proteção à intimidade é rigorosa em nosso ordenamento jurídico, sendo intransmissíveis os direitos inerentes ao indivíduo, assim como prevê a Constituição Federal em seu artigo 5º, X. O direito à personalidade também é defendido mesmo após a morte (art. 12 do CC), tendo também a Lei Geral de Proteção de Dados que reforça a proteção à pessoa física ou jurídica em relação a esse vasto mercado tecnológico.

Mesmo diante dos dispositivos que procuram proteger a vida privada do indivíduo, não existem normas que regulem precisamente a herança digital, justamente por ser algo novo, assim como a ausência de uma forma específica para sanar todas as dúvidas. O que existem são propostas de Leis que descrevem sobre o tema.

Inicialmente temos a PL 5820/2019 de autoria do deputado federal Elias Vaz, que aguarda a apreciação do Senado. Ela visa alterar o artigo 1.881 do Código Civil que diz respeito ao Codicilo, instrumento que se assemelha a um testamento, porém sem tantas formalidades, e que serve para designar coisas de pequena monta como joias e roupas para determinadas e certas pessoas além de dispor sobre o próprio enterro.

O projeto descreve que poderá ser disposto 10% da herança envolvendo bens corpóreos e incorpóreos podendo a vontade do finado ser demonstrada em vídeo contando com a presença de duas testemunhas. O texto permite ainda a assinatura digital dispensando a presença de testemunhas.

Nessa mesma linha, segue em tramitação a PL 6468/2019, do Senador Jorginho Mello. A proposta busca acrescentar um parágrafo único no artigo 1.788 do Código Civil, propondo apenas que os bens digitais serão todos transmitidos aos herdeiros.

A PL 365/2022, em tramitação no Senado e de autoria do Senador Confúcio Moura, descreve que por disposição testamentária o usuário pode permitir o acesso ao conteúdo armazenado e as mensagens privadas que não foram publicadas nas mídias sociais. Algumas contas, por questão de termos das próprias redes sociais são excluídas após um tempo da morte do usuário ou transformadas em memorial. Esse projeto estabelece em seu artigo 4 º que a conta do falecido não poderá ser alterada ou removida a mídia social.

Se faz claro que, mesmo os projetos sendo distintos em alguns pontos, todos defendem uma mudança no nosso ordenamento jurídico a fim de o atualizar sobre o momento atual em que vivemos onde a tecnologia se faz mais presente do que nunca no nosso meio e a tendência é só a sua evolução.

E, justamente por conta de tal evolução, que nunca para, a discussão toma novos contornos quando analisamos, sob a ótica da herança digital, os bens incorpóreos adquiridos virtualmente, inclusive no metaverso como, por exemplo, as NFTs. NFT é a sigla para “Non-fungible Token” que, em tradução livre, seria "token não-fungível”.

Pode-se dizer que quase todos os conteúdos produzidos nas plataformas digitais podem ser registrados em um token, exemplo disso foi o primeiro tuíte feito pelo ex-CEO do Twitter, que após 15 anos foi transformado em NFT e leiloado por US 2.9 milhões.

Através do NFT o que é fungível pode se tornar “token não-fungível”, sejam obras de artes, publicações em redes sociais ou assinaturas em obras de artes. Normalmente as pessoas buscam esse meio devido a margem de segurança e um NFT é quase que inviolável.

Nosso sistema judiciário é obsoleto nas questões mais simples aqui mencionadas. As discussões hoje são mais fortes em relação ao básico - se as redes sociais deveriam ou não integrar a herança digital. No entanto, com a crescente do metaverso se faz imprescindível que esse debate passe a abordar esses temas que estão vindo cada vez mais à tona.

Por conseguinte, é certo dizer que não existe uma opinião consolidada sobre a melhor forma de abarcar esta questão em nosso ordenamento jurídico, contudo, concordamos que é primordial a inclusão desse tão importante tema. As relações vêm sendo cada vez mais digitais. Passamos a constituir com o nosso patrimônio de uma nova forma em uma nova realidade e essas revoluções impulsionam as nossas leis a serem transformadas, alteradas e complementadas.

A tendência de crescimento desse tema no Poder Judiciário é exponente, não podemos perder tempo com controvérsias e continuar decidindo a respeito de forma contrária. O futuro é digital então devemos nos adequar a ele o quanto antes!

*Ana Carolina Mendes Fialho é bacharel em direito graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – FDSBC e integrante do escritório Zilveti Advogados. O texto foi supervisionado pela advogada Marcela Cavallo, advogada coordenadora de contencioso civil do Zilveti Advogados

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