Surpresa: ajuste da B3 revela pessoa física mais resiliente e sofisticada
Correção da bolsa no cálculo dos fluxos, anunciado na sexta-feira, mostra que investidor individual vendeu muito menos ações do que parecia
Publicado em 4 de abril de 2022 às 18:14.
Última atualização em 4 de abril de 2022 às 18:28.
Os novos dados da B3 a respeito de fluxo de compra e venda de ações têm uma conclusão escondida: o investidor pessoa física começou 2022 muito mais resiliente do que parecia. O aplicador individual tinha R$ 374 bilhões em ações, no mercado à vista, sob custódia ao fim de dezembro. Desse total, vendeu o equivalente a R$ 12 bilhões nos três primeiros meses deste ano, algo como 3,2% do total. Na prática, o percentual é até mesmo menor, pois o Índice Bovespa tem valorização acumulada no ano.
Os investidores institucionais domésticos, por sua vez, tinham R$ 683 bilhões aplicados em ações, na soma das posições de carteiras dedicadas à renda variável e multimercado. De janeiro ao fim de março, os gestores desses recursos retiraram R$ 60 bilhões da B3, aproximadamente 8,5%.
Os dados equivocados da bolsa, que consideravam os movimentos gerados pelo aluguel de ações como fluxo, mostravam antes uma retirada de R$ 26 bilhões das pessoas físicas e de R$ 72 bilhões, dos investidores institucionais. Embora o ajuste para baixo no saldo de capital estrangeiro tenha sido o dado que concentrou mais atenção (a entrada líquida de recursos caiu de R$ 91 bilhões para R$ 64 bilhões), a correção mais dramática foi sem sombra de dúvida no movimento da pessoa física.
A venda de ações foi 54% menor do que era calculado antes. Logo, esse investidor foi muito mais resistente ao cenário do que parecia. A outra informação por trás das novas contas é que o investidor pessoa física está, não só mais preparado para a volatilidade, como também cada vez mais sofisticado. O aluguel de ações é uma prática para posições de longo prazo e uma forma de rentabilizar a carteira. Com taxas médias de 2% a 5% dos preços de mercado, o empréstimo de papéis é quase como o dividendo de um fundo imobiliário (a diferença é que não pode ser feito para toda a posição da carteira).
O investidor individual cedeu 3,75% de sua carteira para aluguel, enquanto os fundos de investimento, apenas 1,75%. O comportamento do investidor pessoa física que faz a gestão diretamente de suas aplicações na bolsa tem surpreendido, especialmente desde o início da pandemia. O pequeno aplicador foi o mais corajoso da crise sanitária: garantiu o fluxo comprador para ações e chegou a investir R$ 17 bilhões somente em março de 2020, o mês auge da indefinição, quando a bolsa registrou seis circuit-breakers em uma semana. E agora, no ápice das incertezas com a economia global e ainda uma guerra em curso, mostrou-se o mais resiliente.
É bem verdade que esse aplicador começou a realizar seus lucros antes de todo mundo e antes até de a taxa de juros no Brasil aumentar vertiginosamente e transformar o investimento em renda fixa em algo lógico, razoável e muito tentador. Ainda assim, não é menos impressionante a resistência ao aumento das dúvidas globais — cenário coroado pela perspectiva de um ano eleitoral duro no Brasil.
A venda de ações por investidores institucionais é explicada pela pressão gerada pelos resgates. Nesse cenário, fica difícil separar o que é pessimismo dos gestores do que é necessidade de liquidez para honrar os saques.
Dados da Anbima apontam que os fundos de ações acumulam R$ 30 bilhões em retirada líquida de recursos e os multimercados, outros R$ 42 bilhões, em 2022 até o fim de março. A renda fixa segue a estrela do mercado, desde o segundo semestre do ano passado. Em três meses, neste ano, captou mais de R$ 133 bilhões — quase 60% dos R$ 226 bilhões obtidos no ano passado, volume que era um recorde sem precedente nos últimos 15 anos.
Só que é no mínimo curioso olhar o comportamento dos saques detalhados por tipo de investidor. Os aplicadores do segmento private e do varejo, alta renda e tradicional, respondiam por R$ 5,5 bilhões de resgates dos fundos de ações, de um total negativo que estava acumulado em R$ 20 bilhões ao fim de fevereiro.
A pessoa física e sua suposta inexperiência, portanto, está distante de ser a vilã da saída de recursos da bolsa.
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