Stuhlberger: taxas de juros globais de longo prazo também deveriam subir
Crescimento do setor de serviços tira tração da tendência deflacionária do setor produtivo, com ganhos de eficiência
Publicado em 23 de fevereiro de 2022 às 17:24.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2022 às 17:30.
“O que mais me espanta é que as taxas de juros de longo prazo dos mercados de referência não se ajustaram [para cima].” A fala é daquele que é conhecido como o óraculo do mercado brasileiro, Luis Stuhlberger, fundador e presidente da Verde Asset Management. Ele destaca que quando se observam as taxas de juros para daqui 30 anos nos Estados Unidos elas continuam em torno de 2%
Por trás da afirmação de Stuhlberger está o raciocínio de que a tendência deflacionária da economia não tem a mesma tração hoje que teve no passado. E a tendência é que tenha cada vez menos. O gestor falou durante o evento CEO Conference 2022, organizado pelo BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame) e explicou que o mercado trabalha, historicamente, com a lógica que a o mundo caminha sempre para a redução da inflação, o que em tese possibilita taxas baixas de juros.
Contudo, enfatizou ele, essa percepção segue a história de que a produção ganha eficiência ao longo do tempo. “No começo do século XVIII, provavelmente, as famílias gastavam 90% da renda com alimentação. No século XX, um volume importante era investido em eletrodomésticos. Agora, entramos em uma era da economia movida por serviços. E a capacidade do ser humano de gerar e consumir serviços novos pode ser infinita. É do ser humano querer gastar tudo que tem.”
De forma menos filosófica e mais direta, o que o fundador da Verde chama atenção é para uma realidade futura em que a pressão de inflação será continuamente maior e que, portanto, as taxas de juros também serão maiores. Os Estados Unidos e mesmo outras nações de referência experimentam desde a crise de 2008 um ambiente sem inflação e com taxa de juros zero. Portanto, essa é uma realidade que os mercados perderam o hábito e o conhecimento.
Para completar esse quadro, a expansão do setor de serviços também absorve muita mão de obra, o que torna o trabalho mais escasso e, portanto, mais caro. E, para além da tendência econômica por trás do emprego, há ainda as políticas. "Os Estados Unidos e a Inglaterra endureceram a entrada de imigrantes e falou gente."
A análise de Rogério Xavier, fundador da SPX, outra grande referência em gestão de recursos, vai na mesma direção. “As taxas de juros dos Estados Unidos podem alcançar patamares inimagináveis.”
O que eles apontam, e que o fundador do BTG Pactual, André Esteves, também chamou atenção em sua apresentação solo, é que a questão da inflação global tem uma parte estrutural mais relevante, que vai além dos problemas circunstanciais e momentâneos — como o desafio na cadeia de suprimentos que surgiu após a pandemia. Esteves chegou até mesmo a falar em “desglobalização” da economia, com um esforço das nações de colocarem para dentro algumas cadeias longas de produção.
Tanto Xavier quanto Stuhlberger, e ainda Esteves, apontaram para distorções de preços que surgiram, quase como uma bolha, com um forte interesse pelas empresas de tecnologia. O gestor da Verde chegou até mesmo a apontar que as pessoas viveram num mundo de sonho, durante a fase do juro zero. Esse ambiente teria ajudado até mesmo o dólar a não perder valor durante muitos anos, uma vez que havia fluxo de investimento contínuo e relevante para as big techs americanas.
A surpresa
Chamou atenção que parece ter se formado um consenso de que a inflação nos Estados Unidos, e a consequente alta na taxa de juros, podem beneficiar a bolsa brasileira — e não prejudicar.
O motivo é que ela promove — como já vem promovendo e isso pode continuar — uma rotação de ativos. Com uma correção maior e mais contínua nas companhias de tecnologia que tende a trazer mais fluxo de capital estrangeiro para o mercado brasileiro, muito mais concentrado em commodities e empresas classificadas como de “valor”, do que empresas de alta tecnologia e rápido crescimento.
Para ajudar nessa perspectiva, estaria o fato de o Brasil ter liderado, no sentido de fazer antes e mais rápido, um ajuste nas taxas de juros. Como fez primeiro a correção para cima, também deveria ser o primeiro a começar a reduzir. "Aumentar os juros é uma medida antipopular que nenhum governo quer fazer. É natural que eles posterguem ao máximo esse movimento", completou Stuhlberger.
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