Para engenheiro do Google, Open source é a melhor saída pra IA
Em carta vazada na semana passada, funcionário do Google aponta que código aberto está avançando mais rápido do que empresas - e que ignorar isso significa renunciar ao futuro
Publicado em 8 de maio de 2023 às 10:41.
Última atualização em 8 de maio de 2023 às 19:41.
“Nós não estamos preparados para lidar com a corrida da Inteligência Artificial e nem a Open AI está”. A frase é um dos destaques de um documento vazado por um engenheiro do Google na última semana (Luke Sernau, segundo a Bloomberg) e publicado primeiro no site da consultoria SemiAnalysis. O argumento que dá base à frase – e à carta de modo geral – é a aversão ao Open Source. Ou seja, na visão dele, é necessário disponibilizar à comunidade de desenvolvedores os projetos de inteligência artificial futuros, de olho em fazer com que a empresa possa acelerar nessa frente de forma rápida e garantir algum protagonismo dentro do tema.
A tese do funcionário do Google tem um precedente recente. Em março deste ano, a LLaMA, inteligência artificial desenvolvida pela Meta, vazou. Pouco tempo depois de os dados serem disponibilizados, desenvolvedores entenderam do que se tratava e passaram a trabalhar nisso – com todos os resultados divulgados de forma pública, é claro. Apesar de ter sua ‘cozinha’ exposta, agora, segundo a carta, a empresa de Zuckerberg pode colher os benefícios do trabalho de diferentes pessoas sobre seu projeto. O que significa, de forma direta, incorporar as versões atualizadas em seus produtos.
Outro exemplo citado pelo especialista, que também tem a ver com acesso a um modelo simples e rápida evolução, tem a ver com a Stable Diffusion, modelo de aprendizagem que transforma texto em imagem (open source) que ultrapassou rapidamente o Dall-E, recurso criado pela Open AI (empresa responsável pelo Chat GPT).
“A barreira de entrada para treinamento e experimentação de inteligência artificial caiu. O que antes estava restrito a uma grande organização com capacidade de pesquisa, pode ser feito por pessoas especializadas, em qualquer lugar, usando só um laptop de boa capacidade”, afirma.
Entrando nos aspectos técnicos, um dos recursos responsáveis por essa migração, em inteligência artificial open source, é o LoRA, acrônimo de Low-Rank Adaptation. Do tecniquês para o português: é um mecanismo capaz de fazer com que algoritmos de inteligência artificial gerados a partir de grandes conjuntos de dados baseados em texto possam ser ‘moldados’ a partir de computadores com boa capacidade de processamento — e não fiquem restritos à capacidade de grandes empresas. De acordo com o engenheiro, a existência desse recurso é “subaproveitada”, hoje, dentro do Google e a empresa poderia se beneficiar dos avanços em IA ao fomentá-la, via open source.
Incluir projetos de inteligência artificial em plataformas de código aberto seria uma novidade para a gigante de buscas, mas o trabalho com essa comunidade está longe de ser algo novo para o Google. A companhia já usou essas estruturas para desenvolver o Chrome e o Android, por exemplo. No detalhe, o sistema operacional concorrente do iOS foi desenvolvido com base em Linux, o maior sistema de código aberto do mundo.
Outras gigantes de tecnologia também se beneficiam do sistema de código aberto. A Apple, por exemplo, acessa a comunidade dessa forma para desenvolver a Swift, linguagem de programação para os apps de iPhone, e o WebKit, a base do navegador Safari. Além disso, a base do macOS, chamada Darwin, é open source.
Trazendo a discussão para perto do tema defendido pelo engenheiro do Google na carta — a inteligência artificial — outro exemplo também ajuda a entender a força do open source aplicada à IA. A OpenAI, empresa criadora do Chat GPT, se consolidou na posição atual no mercado a partir de uma trajetória fundada no código aberto. Só de forma mais recente, a partir do aumento de participação da Microsoft na companhia, é que o ecossistema passou a ser fechado. Um movimento que, inclusive, enfrentou críticas de desenvolvedores quando foi anunciado.
Do lado do engenheiro do Google, não é diferente. O especialista vê esse movimento como um retrocesso. O argumento, aqui, é o de que pesquisadores seniores de empresas de tecnologia passam de uma empresa a outra e, no fim das contas, esse conhecimento já seria compartilhado. “Nós não temos ‘bala de prata’. Nossa melhor esperança é aprender com o que outros estão fazendo fora do Google. Deveríamos priorizar integrações com terceiros”, escreve.
A preocupação com o futuro da inteligência artificial no Google, apesar de recente, já encontra outras manifestações de igual ou maior repercussão do que a da última semana. A anterior veio do ex-engenheiro de software Geoffrey Hinton, um professor de 75 anos reverenciado como um dos “padrinhos” da IA por conta de seu trabalho de pesquisa em aprendizado de máquina profundo – um campo que criou as bases que impulsionaram a criação do ChatGPT. Aqui, a preocupação de futuro tinha muito menos a ver com os caminhos para fomentar a inteligência artificial, mas, sim, com os resultados que pode produzir.
O cientista trocou o lado do balcão, por assim dizer, após sentir que como funcionário do Google se tornaria mais difícil se manter leal a empresa e, ao mesmo tempo, discursar sobre seus temores com os riscos da IA para a humanidade.
“Minha preocupação é que torne os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Esta tecnologia que deve ser maravilhosa, está sendo desenvolvida em uma sociedade que não foi projetada para usá-lo para o bem de todos”, afirmou o professor em um evento da EmTech recentemente. Mesmo assim, o executivo afirma não se arrepender do trabalho de sua vida -- e das implicações que a IA pode trazer para o futuro.
A disputa pela dominância em inteligência artificial segue aquecida. Os pequenos passos de Google e Microsoft seguem sendo acompanhados de perto, mas o vencedor, entretanto, está longe de ser cravado.
Saiba antes. Receba o Insight no seu email
Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade
Acompanhe:
Karina Souza
Repórter Exame INFormada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.
André Lopes
RepórterCom quase uma década dedicada à editoria de Tecnologia, também cobriu Ciências na VEJA. Na EXAME desde 2021, colaborou na coluna Visão Global, nas edições especiais Melhores e Maiores e CEO. Atualmente, coordena a iniciativa de IA da EXAME.