OPINIÃO: Entre o gênio visionário e o showman populista
Poucas personalidades são tão polarizadoras quanto Elon Musk e Donald Trump; estudar suas trajetórias e modos de agir nos ajuda a entender o mundo que estamos construindo – ou permitindo que se construa, escreve Octavio Milliet

Octavio Milliet*
Empreendedor
Publicado em 19 de abril de 2025 às 08:10.
Última atualização em 19 de abril de 2025 às 11:27.
No universo contemporâneo das figuras públicas que moldam o mundo em que vivemos, poucas personalidades são tão polarizadoras quanto Elon Musk e Donald Trump. Ambos ocupam espaço permanente no noticiário global, seja por suas ideias disruptivas, suas decisões controversas ou seus comportamentos imprevisíveis.
As biografias "Elon Musk" de Walter Isaacson e "Confidence Man", sobre Donald Trump, escrita por Maggie Haberman, nos abrem uma janela para pontos-chave da personalidade, modelo mental e processo decisório de cada um, identificando tanto convergências quanto contrastes fundamentais.
Estudar suas trajetórias e modos de agir nos ajuda a entender não apenas quem eles são, mas também o tipo de mundo que estamos construindo — ou permitindo que se construa.
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Personalidade: Entre o Idealismo Tecnológico e o Egocentrismo Carismático
Elon Musk é descrito por Isaacson como obstinado, intenso e com um foco quase obsessivo em suas metas. Sua personalidade oscila entre inspiração e destrutividade, em especial quando entra em seu chamado "modo demônio" — um estado emocional e operacional em que sacrifica relações pessoais, saúde e qualquer senso de diplomacia para atingir objetivos quase messiânicos.
Ele exibe traços de personalidade compatíveis com transtornos do espectro autista, especialmente Síndrome de Asperger, fato que ele mesmo revelou publicamente. Sua empatia é limitada, e seus relacionamentos são frequentemente marcados por exigências extremas e pouca tolerância a fragilidades humanas.
Ainda assim, sua intensidade inspira lealdade e admiração entre seus seguidores e funcionários mais próximos, especialmente aqueles que compartilham de sua visão sobre o futuro da humanidade.
Donald Trump, por sua vez, segundo Haberman, é carismático, teatral e narcisista. Desde jovem, foi moldado por um ambiente familiar competitivo e por um pai que desprezava fraqueza. Sua necessidade constante de atenção e adulação o leva a reconfigurar a realidade para manter intacta sua autoimagem. Ele valoriza aparências, domina a arte do espetáculo e exige lealdade incondicional.
Rejeita críticas e tende a atacar quem o confronta, mesmo que isso signifique minar instituições democráticas. Sua personalidade é performática, movida por impulsos e por uma incessante busca por validação pública.
Ambos compartilham traços de personalidade intensamente egocêntricos, são polarizadores e têm baixa empatia emocional. Contudo, diferem radicalmente quanto ao tipo de carisma: Musk é excêntrico e visionário; Trump é performático e populista.
Modelo Mental: Racionalidade Técnica versus Narrativa Transacional
O modelo mental de Musk é ancorado no pensamento de primeiros princípios (“First Principles”) — uma forma de raciocínio que desconsidera convenções e parte de verdades fundamentais para reconstruir soluções.
Esse tipo de mentalidade é visível em como ele abordou o desenvolvimento de foguetes reutilizáveis pela SpaceX, ignorando as práticas da indústria aeroespacial e redesenhando cada parte com base em custos, funcionalidade e física.
Musk acredita que tudo pode ser melhorado com engenharia e esforço intensivo, e sua resistência a limitações convencionais o leva a desafiar reguladores, normas sociais e até limitações biológicas.
Trump, por outro lado, estrutura seu pensamento em torno da percepção pública. Ele vive de atenção, de manchete. A verdade, para ele, é maleável — o que importa é o que as pessoas acreditam. Seu modelo é transacional: tudo é negociável, inclusive princípios.
Haberman mostra como ele frequentemente improvisa, inventa e molda a realidade segundo o que parece mais conveniente para preservar sua imagem de vencedor. Ele não é guiado por um sistema ideológico, mas por impulsos, lealdade pessoal e oportunidade midiática.
Essa distinção é crítica: Musk pensa o futuro a partir da física e da engenharia; Trump o constrói com slogans e emoções. Ambos rejeitam convenções, mas suas lentes de mundo são radicalmente distintas — um olha o universo como um sistema físico, o outro como um palco.
Processo Decisório: Intuição Técnica versus Instinto Performático
Musk toma decisões com rapidez, frequentemente por intuição embasada tecnicamente. Centraliza o poder decisório e resiste a conselhos que desafiem sua visão. Costuma se envolver diretamente em todas as etapas do processo, do código de software ao design de foguetes.
O caso da compra do Twitter (posteriormente renomeado X) ilustra sua abordagem impulsiva: anunciou a compra em uma sequência de tuítes e, mesmo após tentar recuar, foi forçado judicialmente a concluir a transação. Após assumir o controle, demitiu executivos e 50% da equipe, reformulando a estratégia do produto pessoalmente — com consequências significativas e polarizadas.
Trump decide por instinto puro. Seu processo é informal, caótico e altamente emocional. Confia em sua própria percepção, independentemente de fatos ou análises. Cria canais paralelos de decisão e desconsidera rituais formais ou institucionais.
Ambos são impulsivos, centralizadores e têm aversão à burocracia, mas suas decisões refletem mundos internos distintos: Musk busca otimização, Trump busca validação.
Pontos em Comum e Contrapontos Fundamentais
Apesar das diferenças, existem semelhanças marcantes: autoconfiança patológica, impulsividade, ruptura com normas, centralização de poder e personalidades altamente polarizadoras. Ambos prosperam em ambientes de alto risco e incerteza, e ambos desafiam autoridades — sejam elas regulatórias, institucionais ou culturais.
No entanto, as motivações são contrastantes. Musk é movido por um propósito grandioso de salvar a humanidade, seja colonizando Marte, combatendo mudanças climáticas ou fundando empresas que unam cérebros humanos a inteligência artificial.
Trump, por outro lado, é impulsionado pela busca incessante por status, poder simbólico e prestígio. Enquanto Musk projeta o futuro, Trump revisita o passado — buscando restaurar uma era mítica de poder e ordem.
Enquanto Musk olha para o futuro com lentes científicas, Trump age no presente com lentes midiáticas. Musk constrói sistemas; Trump molda narrativas. Ambos são figuras de ruptura, mas com motores e destinos distintos.
Concluindo, Musk e Trump são, cada um a seu modo, produtos e propulsores de seu tempo. Representam formas diferentes de exercer poder e influência em uma era marcada por instabilidade, hiperexposição e desconfiança nas instituições. São figuras que combinam genialidade (no caso de Musk) ou magnetismo (no caso de Trump), com destrutividade e risco sistêmico.
Ao contrastar o engenheiro que busca terraformar Marte com o showman que deseja redefinir a democracia, revelamos os extremos possíveis da liderança contemporânea: um voltado à criação de futuros imagináveis; o outro, à manipulação de percepções imediatas.
Ambos, no entanto, nos forçam a confrontar os limites e as promessas do poder individual na era da hiperconexão.
* Octavio Milliet é empreendedor, Fundador da xTree e Alumnus da Harvard Business School.
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