GK, de Edu Mufarej, cria Galena para jovens até 24 anos e capta US$ 7,5 mi
Startup quer ser a ponte mais curta de alunos de escolas públicas do segundo grau até o mercado de trabalho
Publicado em 26 de maio de 2021 às 09:50.
“A gente não consegue sonhar com o que não conhece.” A frase dita por um jovem para Eduardo Mufarej, ex-sócio da Tarpon e ex-presidente da Somos Educação, chegou quando o projeto da Galena já estava pronto e a caminho da estreia. Mesmo tendo vindo depois, ela faz parte da essência dessa startup de educação criada dentro da GK Ventures.
A GK Ventures — ou Good Karma Ventures, para quem preferir o nome completo — foi fundada por Mufarej no início do ano passado e se propõe a ser, ao mesmo tempo, uma gestora de venture capital (um fundo de R$ 300 milhões foi captado no primeiro semestre de 2020) e uma construtora de companhias. O norte para essas duas frentes é apostar “em ideias com potencial de transformar o país radicalmente.”
A Galena é a primeira companhia planejada e construída pela GK Ventures. O propósito da empresa, que acaba de receber um aporte de US$ 7,3 milhões, é inserir jovens egressos de escolas públicas, após concluírem o ensino médio, no mercado de trabalho. Nesse caminho, a ideia é também atiçar as vocações e orientar os alunos para carreiras com potencial real no futuro — boa parte delas sequer conhecidas de muitos desses estudantes.
Entre os investidores da empreitada estão a holding da família Agnelli, a Exor N.V, a maior empresa de venture capital para educação, a Owl Ventures, e a Arpex Capital, que tem André Street como sócio, um dos fundadores da Stone.
Difícil imaginar um projeto inaugural diferente vindo de Mufarej, filho de professora, ele próprio professor, apaixonado por educação e recorrente no setor. Entre a presidência da Somos e a GK Ventures, Mufarej fundou o RenovaBR, a escola para formar novos talentos da política, pela qual passaram nomes como da deputada federal Tabata Amaral (PDT) e Felipe Rigoni (PSD) e que lhe garantiu projeção nacional.
“Não é possível sermos um país com 13 milhões de desempregados e, ainda assim, as empresas enfrentarem dificuldade para contratar e recrutar jovens talentos”, diz Mufarej, em entrevista exclusiva ao EXAME IN.
Muitas vezes, falta aos jovens até mesmo a oportunidade para saber quais as opções de profissões e quais carreiras de futuro existem. A defasagem está na largada. É aqui que entra a frase do candidato que tanto marcou o empreendedor. “A gente só sonha com o que a gente vê. E se tudo que a gente vê é limitante, não consegue sonhar mais longe”, replica e completa ele.
O projeto começou a ser desenhado em julho do ano passado e em outubro estava pronto. Quem toca a Galena é Guilherme Luz, sócio, amigo e parceiro de Mufarej. Os dois trabalharam juntos na Tarpon e na Somos Educação. Estiveram separados apenas por dois anos. Luz estava então à frente da Associação Nova Escola, uma organização educacional e canal de conteúdo de apoio para professores e gestores de escolas.
O primeiro curso da Galena, voltado para área de vendas e sucesso de clientes, estreou agora no início de maio, com 60 alunos, após um processo de seleção entre 1.800 candidatos. “Ver 30 alunos por vaga para algo que acabou de surgir, sem nenhuma grande divulgação mostra o tamanho dessa carência”, reforça Luz.
Na Galena, jovens entre 18 e 24 anos podem fazer um curso com duração de quatro meses, 40 horas semanais e todo voltado para a vida prática nas companhias. “Tudo emula situações reais de trabalho”, explica o CEO. “Só 20% do tempo são de aulas em modelo palestra.” O currículo foi elaborado após três meses de pesquisas com diversas companhias. Dessa etapa, inclusive, que vieram cinco empresas parceiras iFood, QuintoAndar, Stone, Unilever e Dell.
“Para fazer o curso não precisa nada além de ter concluído o segundo grau. Não precisa inglês, nem curso prático anterior. Nós também não testamos conteúdo”, segue Luz. O processo de seleção é direcionado para aqueles mais dispostos, disponíveis e aparentemente mais vocacionados para a área. Mais à frente, haverá cursos voltados para outras frentes profissionais.
Assim como o RenovaBR foi projetado para mudar a cena política nacional, o plano para a Galena não é pequeno. “Queremos afetar dezenas de milhares de jovens”, diz Mufaref. Mas, por enquanto, só mais uma edição, ainda reduzida, está prevista para 2021. Os sócios estão preocupados em testar e garantir a eficácia do produto, para então buscar escala.
Cada qual tem sua definição pessoal para a startup. “Ponte mais rápida do jovem que sai da escola para o mundo inovador do trabalho”, diz Luz. “Acelerador de oportunidades de carreira”, fala Mufarej.
Quem passa pelo curso, que custa R$ 6.000 no total, não tem vaga garantida nas empresas parceiras. Mas fica com o auxílio da Galena para conquistar a primeira oportunidade de trabalho e, uma vez empregado, tem uma mentoria por mais seis meses. É importante para o projeto ter sucesso que o aluno não apenas consiga o emprego, como o mantenha. “Depois, com uma passagem por uma dessas companhias, fica muito mais fácil buscar outras oportunidades”, aponta o fundador da GK Ventures.
A Galena adota um modelo de cobrança que começa a se tornar recorrente em escolas de programação, como Trybe e Digital House. O aluno só precisa começar a pagar as mensalidades do curso depois que encontra trabalho, e só se estiver empregado em uma vaga com salário de, pelo menos, R$ 2.000 mensais. “Somos parceiros do aluno. Somos co-responsáveis pelo sucesso e isso é muito inovador”, defende Mufarej.
“Fazer cinema não é filmar teatro”
A frase é de um colega de Luz. Ela é perfeita para traduzir a dificuldade e, muitas vezes, a perda de qualidade da migração do ensino presencial para o online, tão experimentada por jovens, crianças e adultos agora durante a pandemia. Mesmo assim, o CEO da Galena bateu o pé para que o projeto fosse todo digital e online. Para ele, a inovação está justamente em programar e criar algo já no ambiente tecnológico, o que é muito diferente do que começar presencial e ter de se ajustar.
Tanto Luz quanto Mufarej partem de uma premissa de que o processo de formação e o ensino vão mudar radicalmente no futuro e isso vai bem além de plataformas digitais — que na aposta deles vão se aprimorar muito ainda. Na visão de ambos, os jovens não vão mais sair do ensino médio para um curso de quatro a cinco ano que vai ensinar o que eles precisarão pelos próximos 15 anos. Tenderá a ser uma sequência mais cadenciada. A cada nova etapa profissional, as pessoas buscarão um aprimoramento.
Mufarej acredita que a forma como as companhias buscam talentos já está em transformação, em especial nos Estados Unidos e deve se modificar no restante do mundo. As empresas já estão movendo essa régua e se desapegando da formação universitária clássica. “Muitas vezes vale mais um certificado Amazon ou Google de gestão de nuvem”, explica.
Mas não é só a Galena que está de olho nessa tendência. A edtech Descomplica, famosa pelo preparatório para vestibular, recentemente captou um aporte de R$ 450 milhões para investir em uma faculdade e cursos de pós-graduação digitais voltados para o mercado de trabalho. Na frente de formações mais curtas para "profissões do futuro", como programação, marketing digital e design de produto, startups como Tera, Gama Academy e Awari têm se destacado no Brasil. O diferencial da empresa de Mufarej e Luz é o foco nos recém-saídos do Ensino Médio.
Mas o que querem as empresas?
“Majoritariamente, são as habilidades sócio-emocionais e comportamentais. Querem jovens comprometidos, reflexivos, ponta-firme, que saibam estudar e que sejam colaborativos”, responde Luz, após falar com dezenas e dezenas de empresas.
“Até cogitamos fazer só comportamental, mas daí percebemos que não pararia de pé, porque precisa de habilidade técnica. Precisa ao menos de uma faísca inicial, mas o principal é mesmo comportamento.” Por isso, o curso da Galena treina situações reais de trabalho, compromisso firme com combinados e prazos, feedbacks e atuação em grupo.
“Temos um problema estrutural no país. Mais de 75% dos jovens que concluem o segundo grau em escola pública não conseguem trilhar uma carreira. Muitos recorrem à informalidade. Se mudarmos 1% disso, já será uma contribuição enorme.”
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