Galípolo deve se afastar de Lula: o conselho de um ex-diretor para o novo presidente do BC
Luiz Fernando Figueiredo reforça importância da credibilidade em meio à desancoragem de expectativas: "economia é um carro que o governo acelera enquanto o BC freia, o que deixa o carro 'sambando'"
Guilherme Guilherme
Repórter
Publicado em 23 de outubro de 2024 às 12:05.
Última atualização em 23 de outubro de 2024 às 13:59.
Pronto para assumir a presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo endureceu seu discurso nos últimos meses, declarando-se favorável a juros mais altos para controlar a inflação.
Apesar dessa mudança de tom, suas relações com o governo que o indicou, ainda suscitam dúvidas sobre como será sua atuação à frente da autarquia. Nos últimos dois anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou em várias ocasiões a atuação do BC, apontando os juros altos como o principal vilão do país.
Para Luiz Fernando Figueiredo, que foi diretor da autoridade monetária durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, a postura mais rígida de Galípolo ajuda a manter a ideia de continuidade.
Mas o hoje chairman da JiveMauá, maior gestora de ativos alternativas do Brasil, recomenda ao novo presidente do BC reforçar a independência.
"Ele não deve manter uma proximidade excessiva com o governo. Isso é importante não apenas para evitar ser influenciado ou pressionado, mas também para que não seja visto como alguém que não está atuando com a independência necessária”, diz.
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A credibilidade vai ser ainda mais importante num cenário de desancoragem das expectativas por conta das preocupações fiscais. No diagnóstico de Figueiredo, é como se a economia brasileira fosse um carro em que o governo acelera enquanto o BC freia. "Mas, como ambos estão agindo ao mesmo tempo, o Banco Central precisa frear com mais força, o que deixa o carro 'sambando'."
Embora considere exageradas as apostas do mercado de que a Selic subirá para 13% – uma curva que considera “pornográfica” – , Figueiredo projeta pelo menos mais 100 pontos-base de alta sobre a taxa atual de 10,75%, o que deve levar a Selic para algo entre 11,75% e 12%.
Confira a entrevista completa:
EXAME: O Galípolo está pronto para assumir a presidência do BC, em meio a um cenário forte de desancoragem de expectativas. O que esperar?
Luiz Fernando Figueiredo: A questão não é apenas o Galípolo, mas também os três novos diretores que vão assumir. Não vou dizer que é o pior ambiente possível para eles, mas certamente não é o mais confortável. O Galípolo já está há mais de um ano no Banco Central, mas, ainda assim, não se pode dizer que é um processo de continuidade. Não sabemos exatamente como será daqui para a frente.
O que tem ajudado o Galípolo é a postura mais rígida que ele tem adotado, o que faz com que ele e o restante do Banco Central estejam bem alinhados. Isso contribui para a ideia de continuidade, pelo menos é essa a mensagem que eles estão tentando transmitir. O que não sabemos é o que virá a seguir, especialmente quando Roberto Campos não estiver mais lá e os três novos diretores assumirem. Precisamos ver se essas pessoas terão um perfil mais técnico ou não. Ainda não sabemos.
Como o fiscal mais deteriorado atrapalha a vida do BC?
A questão fiscal tem atrapalhado muito o Banco Central. Porque, quando o Banco Central precisava agir para controlar a economia, o governo estava proporcionando um impulso fiscal muito grande. É como se o Banco Central estivesse tentando frear o carro enquanto o governo acelera ao mesmo tempo. O carro acaba ficando desestabilizado. Se o governo não acelerasse, o Banco Central poderia frear mais suavemente.
Mas, como ambos estão agindo ao mesmo tempo, o Banco Central precisa frear com mais força, o que deixa o carro "sambando". Quanto ao ambiente fiscal futuro, suspeito que será menos contraproducente e menos expansionista, o que deve ajudar o Banco Central a partir de agora. Apesar das dificuldades até agora, acredito que o impacto negativo será menor.
O que podemos esperar desse ciclo de alta de juros?
Tem gente que acha que os juros podem chegar a 13%, mas eu acho isso demais. Na minha opinião, o Banco Central vai ficar entre 11,75% e 12%. Não deve passar disso, mas se manter nesse nível por um longo período. Se a política fiscal não interferir tanto, acredito que, a partir do início do segundo semestre do ano que vem, poderemos começar a reduzir a taxa de juros. No entanto, precisaremos esperar mais um pouco para ter certeza.
Do lado fiscal o que o governo precisa fazer para reduzir as pressões sobre a curva de juros e o câmbio?
A prática tem sido uma mistura de coisas boas e muito ruins. Uma série de despesas está sendo colocada fora do teto de gastos, o que não adianta nada. Você inclui algumas despesas no teto, mas outras ficam fora. O que adianta ter um teto de gastos se ele cobre apenas uma parte das despesas? Não adianta nada, ele não serve para nada.
Assim, a prática do governo tem sido muito ruim. O governo não é visto como um que vai expandir o déficit de forma deliberada, mas também não está caminhando para a sustentabilidade fiscal. Estamos vendo um crescimento acentuado da dívida pública. As pessoas já desistiram de acreditar que o governo está seriamente comprometido em melhorar essa que é a nossa maior fragilidade.
A preocupação principal não é de estourar o teto arcabouço, mas de manter os gastos fora do limite?
Sim, você tem um limite. Aí, você diz: "isso aqui fica fora do limite, aquilo também fica fora do limite." No final das contas, há quase 100 bilhões de reais fora do limite, o que representa quase 1% do PIB. Isso é muita coisa.
Se você continua criando exceções, acaba perdendo o propósito do limite. Outro ponto é que algumas das medidas para melhorar os resultados fiscais são, por exemplo, pegar dinheiro esquecido nas contas correntes. Isso é como raspar o tacho, mas qual é a qualidade dessa receita? Muito baixa, quase zero em termos de impacto sustentável.
Quanto o governo precisa cortar?
A Simone Tebet [ministra do Planejamento] tem falado em R$ 50 bilhões. Mas R$ 50 bilhões não resolvem nada. O problema é de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões. Não é necessário resolver tudo em um ano, mas é preciso começar a caminhar nessa direção. No entanto, não vejo muita seriedade nesse compromisso.
As consequências já estão visíveis. Quando você olha para a curva de juros do Brasil, ela é icônica, quase pornográfica, com um prêmio embutido muito alto. A bolsa brasileira, por exemplo, caiu 20%, enquanto a americana subiu 22%, e a europeia, em média, subiu 9%. Os ativos brasileiros estão em situação crítica. A taxa de câmbio depreciou 17% ao longo do ano.
Tem espaço para o câmbio andar ainda mais?
De novo, isso depende de quanto tempo ainda estaremos com políticas desfavoráveis. Se a situação fiscal, por exemplo, parar de piorar, pode ser que o câmbio aprecie um pouco. No entanto, se continuar na mesma trajetória, é possível que a moeda continue a se depreciar. O Brasil tem um balanço de pagamentos muito sólido, mas é insuficiente para conter a valorização do dólar. No final, a taxa de câmbio é um ativo e o Brasil está na contramão.
Com a parte de crescimento dá para ficar animado ou os dados mais fortes são apenas uma questão de ciclo?
O Brasil fez muitas reformas: previdenciária, trabalhista e várias reformas macroeconômicas. Isso tudo melhorou bastante a economia brasileira. Os economistas acreditam que o potencial de crescimento do país aumentou para entre 2% e 2,5%, sendo que, anos atrás, esse potencial era próximo de zero. É uma grande diferença. O que estamos vendo atualmente é muito consequência desse processo de reformas.
No entanto, não dá para ficar muito otimista em relação ao futuro, considerando o que está sendo feito agora, que vai na direção de piorar a produtividade e a eficiência. O nível de juros tão elevado que o Brasil precisa carregar tem um custo enorme.
Sem dúvidas, podemos colocar a perder essa melhora do crescimento potencial. Tudo é uma construção: tivemos um cenário que gerou um crescimento maior, mas agora estamos criando um cenário na direção oposta.
Qual conselho o senhor, que esteve na direção do BC, daria para o Galípolo se blindar das pressões políticas?
Diria para ele se manter firme nas decisões técnicas. O Banco Central às vezes acerta, às vezes erra. Mas, se ele basear suas decisões em razões técnicas e em fundamentos de política monetária que temos, ele conseguirá fazer um bom trabalho.
Além disso, ele não deve manter uma proximidade excessiva com o governo. Isso é importante não apenas para evitar ser influenciado ou pressionado, mas também para que não seja visto como alguém que não está atuando com a independência necessária.
O último Focus elevou a perspectiva de inflação para o teto da meta deste ano e as expectativas para 2025 estão bem acima do centro da meta. O que deve pressionar a inflação daqui para frente?
A política fiscal, se continuar impulsionando a economia como fez nos últimos dois anos, será muito prejudicial para o Banco Central. Tanto o impulso fiscal quanto a própria narrativa do governo contra as ações do Banco Central atrapalham bastante.
Não vejo a inflação disparando; pelo contrário, acredito que ficará abaixo de 4% no ano que vem, talvez um pouco acima de 3,5%, o que ainda não é o ideal para o Banco Central e por isso o Banco Central terá que manter a taxa de juros elevada.
A inflação deve ficar por volta de 4,5% neste ano. Se estourar, será por uma pequena margem.
Como os eventos no exterior, como queda de juros e eleições nos EUA, embaralham o jogo do BC para o próximo ano?
O que está acontecendo lá fora é um processo benigno para os países emergentes. No entanto, os dados nos EUA estão mais fortes do que todos imaginavam. Isso acende um sinal amarelo sobre até onde o Fed conseguirá cortar os juros. Na próxima reunião, provavelmente haverá uma redução, mas a dúvida é se eles conseguirão continuar reduzindo. Chegarão a 3,5% ou 3,25%, como o mercado espera? Não sei dizer.
Além disso, tanto Trump quanto Kamala, independentemente de quem for eleito, têm promovido uma plataforma inflacionária em suas campanhas, o que pode complicar a atuação do Fed. Não podemos descartar a possibilidade de o Fed ter que interromper o ciclo de cortes em algum momento. Acho que não será agora, mas pode acontecer mais à frente.
O processo atual ainda é benigno, e o diferencial de juros entre Brasil e o resto do mundo continuará muito elevado.
Apesar do diferencial de juros alto e a tendência de ficar ainda maior, o efeito sobre o câmbio tem sido pequeno, né?
Sem dúvidas, isso traz benefícios. O problema é que, por outro lado, estamos gerando muita incerteza internamente. É um fator positivo, sem a menor dúvida, mas não tem sido suficiente para compensar as incertezas.
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Guilherme Guilherme
RepórterFormado pela Universidade Metodista de São Paulo. Cobre mercado financeiro na Exame desde 2019. Também trabalhou na revista Investidor Institucional e participou do 9º Focas de Jornalismo Econômico do Estadão.