Dólar mais fraco? Incertezas acendem luz amarela para a moeda americana
Em meio a grande desordem trazida por Trump, cresce a tese de uma desvalorização mais estrutural da moeda americana – e até mesmo preocupações com o seu papel como “porto seguro” para a economia mundial


Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 5 de março de 2025 às 12:36.
Última atualização em 5 de março de 2025 às 12:38.
Donald Trump fez exatamente o que disse que ia fazer durante sua campanha presidencial, implementando tarifas pesadas para importações do Canadá, do México e ampliando as alíquotas para produtos vindos da China.
Mas o mercado não reagiu da forma como se esperava – em especial, o dólar, que vem despencando nos últimos pregões, com o pior desempenho em relação a uma cesta de moedas num espaço de dois dias desde 2023.
Na teoria, as tarifas deveriam ser um fator de alta para a moeda americana, ajudando a equilibrar as relações de troca. Era isso que os investidores vinham colocando no preço desde a eleição do novo presidente dos Estados Unidos.
Em meio a grande desordem trazida por Trump, contudo, tem crescido o temor de uma desvalorização mais estrutural da moeda americana – e até mesmo preocupações com o seu papel como “porto seguro” para a economia mundial.
No curto prazo, retaliações por parte dos países afetados podem pesar sobre a moeda americana.
Mas, mais do que as implicações tarifárias, o maior risco de longo prazo é a geopolítica, com o rompimento da aliança entre Estados Unidos e Europa ameaçando um equilíbrio que sustentou o mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
“Na Europa, os governos estão se movendo na direção da expansão fiscal para financiar o investimento de infraestrutura necessário, bem como maiores gastos de defesa, na medida em que os Estados Unidos tiram o seu guarda-chuva de proteção”, disse a Gavekal, em relatório.
Flexibilizações nas regras de constitucionais para dívida na Alemanha ajudam a explicar a forte queda de 1% no DXY, índice que mede o desempenho do dólar contra uma cesta de moedas, no pregão de hoje, e a valorização do euro. (A perspectiva de 'alívio' nas tarifas também contribui.)
“A narrativa de excepcionalismo americano perdeu parte de seu brilho”, afirmou o analista Tan Kai Xian.
Na mesma direção, o economista-chefe do Centro para Reforma Europeia, Sander Tordoir, afirma que o enfraquecimento das alianças dos Estados Unidos é estruturalmente negativo para o dólar.
Ele tuitou um estudo que mostra que os países mais dependentes da defesa americana, como Coreia do Sul, Japão e Alemanha, são justamente aqueles que tem as maiores reservas em moeda americana.
Countries that rely on the US for military protection hold a much higher fraction of their foreign exchange reserves in dollars. A US weakening alliances is dollar negative.
Chart from the indispensable work by Barry Eichengreen, Arnaud Mehl, Livia Chitu. pic.twitter.com/f72Gnek80Q
— Sander Tordoir (@SanderTordoir) March 2, 2025
DeepSeek e as ações
Os fatos nunca acontecem de maneira isolada e não foi diferente com a questão das tarifas. O lançamento do novo e – mais econômico – modelo de inteligência artificial da chinesa DeepSeek no começo do foi um ponto de inflexão, espetando uma agulha quente na bolha das Magnificent 7.
“Isso levou os investidores a questionar se fazia sentido concentrar-se tanto nas ações de tecnologia americanas, já bastante valorizadas”, pondera o analista da Gavekal. Desde então, as ações de mercados fora dos Estados unidos tiveram desempenho superior ao mercado americano.
Além da saída de recursos para investir em outros mercados, o efeito sobre o dólar se dá de uma maneira mais basilar, reduzindo a riqueza das famílias – e potencialmente o consumo.
“Se os domicílios responderem a isso cortando seu consumo, como parece provável, o crescimento nos Estados Unidos vai desacelerar, levando a um ciclo monetário mais frouxo nos Estados Unidos do que em outras economias, e um dólar mais fraco.”
Uma nova ordem?
A desaceleração da economia americana é um fator que cada vez mais vem entrando no radar do mercado. Estagflação – inflação alta com crescimento pífio é um risco que vem sendo apontado com alguma frequência.
Ainda que não considerada o cenário básico, aqui e acolá, a palavra “recessão” também começa a pipocar.
Por um lado, a avaliação é que a abordagem de redução dos gastos do governo tem o potencial para fazer parar a música fiscal que impulsionou a economia nos anos de governo Biden. Por outro, as incertezas em relação às tarifas estão batendo na confiança dos empresários, o que pode se traduzir em menores investimentos e numa economia mais fraca.
Num cenário de mundo em transe, já há quem fale que a moeda americana pode perder seu posto como bastião de segurança para os ativos financeiros mundiais.
“Não escrevemos isso levianamente. Mas a velocidade e a escala das mudanças globais são tão rápidas que isso precisa ser reconhecido como uma possibilidade”, escreveu o analista George Saravelos, head global de câmbio do Deutsche Bank, em nota a clientes.
Ele segue com a postura neutra em relação à moeda. “Mas a principal mensagem é que estamos ficando com a mente bem mais aberta para um risco para o dólar dos dois lados.”
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.