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Inteligência artificial

DeepSeek é momento ‘Sputnik’ – para a geopolítica e os mercados

Nova IA chinesa coloca em xeque a tese das techs intensivas em capital; “é uma agulha quente na bolha da IA e agora o ar vai começar a vazar”, diz Gavekal

Gavekal: DeepSeek espetou uma agulha quente na bolha da IA e agora o ar vai começar a vazar (VCG/VCG/Getty Images)
Gavekal: DeepSeek espetou uma agulha quente na bolha da IA e agora o ar vai começar a vazar (VCG/VCG/Getty Images)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 27 de janeiro de 2025 às 12:27.

Última atualização em 27 de janeiro de 2025 às 17:16.

Poucas vezes na História é possível saber que estamos passando por um momento de inflexão enquanto ele acontece. O lançamento do DeepSeek, o modelo de inteligência artificial chinês a uma fração do custo das tecnologias americanas, parece ser um deles.

É um momento ‘Sputnik’, vaticinou a Gavekal em relatório publicado hoje pela manhã, em alusão ao satélite lançado pelos soviéticos na no fim da década 1950 e que foi um marco na corrida espacial e nos rumos da Guerra Fria.

O Sputnik caiu 21 dias depois de entrar em órbita, mas mostrou o poderio da União Soviética em termos tecnológicos. Ainda que o novo modelo chinês de IA também possa passar por vários soluços, tudo indica que estamos diante de um evento das mesmas proporções.

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As implicações geopolíticas ainda são imprevisíveis, num momento em que Donald Trump fez uma campanha cheia de exclamações com tarifas contra os chineses – ainda que seus primeiros dias no cargo tenham sido marcados mais por reticências em relação ao assunto.

Nos mercados, no entanto, as consequências são mais palpáveis.

“Essencialmente, a DeepSeek espetou uma agulha quente na bolha da IA e agora o ar vai começar a vazar”, escreveu Louis Vincent-Gave, cofundador da Gavekal e um dos mais respeitados especialistas em mercados asiáticos.

O quanto de ar vai escapar é a grande questão.

A DeepSeek mina um dos principais pilares do bull market que se arrasta nos Estados Unidos há quase uma década e teve fôlego renovado nos últimos dois anos com o desabrochar da IA generativa: o de que gastar centenas de bilhões de dólares iria construir vantagens cada vez maiores para as empresas de tecnologia americanas.

“Agora, parece que as centenas de bilhões gastos pelos gigantes da tecnologia são essencialmente capital que nunca vai ser seu retorno – o fiasco do metaverso mais uma vez”, diz Gave. É o que explica o tombo das ações da Nvidia, que recuam mais de 13,5% no pregão de hoje.

Se antes, a narrativa era de que a IA demandava chips de altíssima qualidade, como os produzidos pela companhia, agora tudo indica que ela pode ser feita de uma maneira completamente diferente – e muito menos intensiva em capital.

“Uma das coisas mais estranhas sobre esse bull market foi a intensidade de capital. Até pouco tempo atrás, o mais interessante sobre o setor de tecnologia era a natureza mais leve em capital dos modelos de negócio”, lembra Gave.

“Mas, de repente, o mercado parecia ansioso para comprar empresas de semicondutores a múltiplos de três dígitos baseados na premissa de que o mundo de tech agora teria uma intensidade da capital maior do que qualquer planta de aço ou refinaria de petróleo.”

É emblemático que o anúncio da DeepSeek tenha vindo logo após Trump se unir com os maiores nomes da tecnologia para anunciar um gasto de nada menos de US$ 500 bilhões no projeto Stargate, que coroaria a supremacia americana na tecnologia do futuro.

(Num mundo cada vez mais marcado por polarização e preconceitos, vale sublinhar a ironia de que o modelo open source tenha vindo da China, conhecida pelo modelo político mais fechado, e de que a aposta um modelo leve em capital tenha partido de uma economia que não hesita em despejar centenas de bilhões de dólares para financiar suas investidas.)

Os efeitos na Nasdaq... e no dólar

Como diz o ditado famoso, a história nem sempre se repete, mas com frequência rima. Nesse sentido, Gave recupera o estouro da bolha das ponto-com para entender a magnitude do impacto para os mercados. A primeira derivada é para a Nvidia e outras fabricante de chips e infraestrutrura para a IA.

No começo dos anos 2000, a quebradeira de sites que tinham levantado caminhões de dinheiro com venture capitals para desbravar a fronteira da internet arrastou em empresas de telecomunicações como a Lucent e a Sun Microsystems.

Seus clientes começaram a vender seus equipamentos por centavos de dólares e pararam de fazer seus pagamentos, lembra Gave.

“A história pode se repetir, mas dessa vez com empresas de IA capitalizas por VCs vendendo chips que há meses atrás elas corriam para comprar por medo da falta de oferta”, diz o analista.

A dúvida é o quanto a nova ordem que parece se desenhar para a IA pode se alastrar o mercado em geral, num momento em que o desempenho dos índices de ações americanos nunca foi tão concentrado em tão poucas ações – essencialmente as “Magnificent Seven”.

A segunda derivada desse movimento diz respeito à narrativa para o dólar. Boa parte da força americana nos mercados vem da ideia de que o crescimento da tecnologia está lá, e não em outros mercados.

“Ao longo do último ano, o crescimento do dólar americano e das ações dos Estados Unidos foi muito correlacionado. Como parece provável, se a Nasdaq agora começa a ter uma performance pior na esteira das notícias da DeepSeek, dada as tendências recentes, o dólar americano provavelmente vai acompanhar.”

Nesse sentido, pode ser um respiro para o Brasil.

Seja como for, as certezas estão abaladas. Bem-vindo a um admirável mundo novo – e se prepare para (ainda mais) volatilidade.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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