Cosan na Vale: o que esperar da participação do grupo de Ometto na maior empresa privada do Brasil
Após temporada com tragédias ambientais, mineradora carece de gestão que possa colocar o foco em estratégia e eficiência
Graziella Valenti
Editora Exame IN
Publicado em 26 de abril de 2023 às 11:04.
A Cosan (CSAN3) vai enfrentar um grande desafio a partir do fim desta semana. Algo totalmente novo. O conglomerado, construído pelo empresário Rubens Ometto, já se provou como gestor de negócios nos quais é controlador - majoritário ou minoritário, mas prevalente. O grupo, que nasceu a partir das usinas de produção de açúcar e etanol, é avaliado em quase R$ 30 bilhões na B3 e hoje é sócio-controlador da Raízen (maior produtora de etanol do Brasil e de uma das maiores distribuidoras de combustíveis, com a bandeira Shell), da maior malha ferroviária do país com a Rumo, da Compass Gás e Energia, da empresa de lubrificantes Moove e da companhia de terras Radar. Agora, sem que muitos tenham se dado conta, com o investimento da ordem de R$ 20 bilhões na Vale (VALE3), o conglomerado vai testar uma outra tecnologia – de gestão – que pode abrir outras fronteiras ao portfólio: como colaborar para o desenvolvimento de uma companhia em um modelo de corporation, onde não há um dono e onde a Cosan não seja prevalente, seja parte.
É uma novidade e tanto para um grupo no qual a força de gestão sempre foi relevante, ou seja, a dominância nas decisões. Para essa ‘nova estratégia’ quem vai estar como piloto de teste é ninguém menos do que o próprio CEO do grupo, Luis Henrique Guimarães, que será membro do conselho de administração da Vale, em eleição prevista para sexta-feira, dia 28. Neste momento, a participação da Cosan é de 4,99% do capital da mineradora – mas existem contratos de opções que podem elevar essa fatia até 6,5% e que podem ser exercidos a qualquer momento.
Guimarães abdicou de diversos conselhos dos quais participava, dentro e fora do grupo, para ficar mais “leve” para essa nova posição. O executivo chegou a receber uma recomendação de voto contrário pela empresa de serviços a investidores ISS por “overboarding”. Justamente ele, o nome mais aguardado dessa eleição. Mas, a consultoria voltou atrás e corrigiu a recomendação. Conforme o EXAME IN apurou, ele já havia assumido o compromisso de renúncia, caso a eleição em Vale se confirmasse. No entanto, teve de inverter a ordem das iniciativas.
Ometto declarou, mais de uma vez, que a Cosan está interessada em cinco grandes frentes de geração de valor: energias renováveis, negócios com potencial em crédito de carbonos, setor de óleo e gás, agricultura (não por acaso voltar a investir na Radar, de terras) e minério de ferro, segmento no qual já vinha dando seus primeiros passos com um joint-venture no Pará e o investimento no Porto de São Luís. Para uma companhia que é uma holding, ter capacidade para conviver em diversos modelos societários e se adaptar é essencial para a gestão de portfólio. Na Raízen, o comando é dividido com a Shell, mas em igualdade de poderes. Agora, o conglomerado será mais um dentro de um coletivo de sócios.
A Cosan nunca faz investimentos passivos. E não será diferente. Mas, no caso da Vale, tampouco será um ativo sobre o qual deterá controle, nem mesmo minoritário. O grupo está tratando de colocar os “pingos nos is” com seus investidores: não há pretensão de se transformar em dona, mesmo que minoritária da Vale. Na prática, o conglomerado não poderá sequer ser denominado acionista de referência. Mas será sim um grupo empresarial sentado no conselho e com visão de longo prazo, disposto a gerar valor para a companhia, alinhado com esse propósito por meio de um grande empenho de capital. Isso, sim. E "só" isso, na percepção de analistas e investidores domésticos da Vale, já poderá ser um grande ganho para a mineradora. Até então, o capital da empresa era essencialmente dividido entre investidores financeiros, classificação na qual se incluem também os ex-donos Previ, Bradespar e BNDES. A exceção sempre foi o conglomerado japonês Mitsui.
O objetivo da Cosan, conforme contam alguns analistas que estão conversando com a administração, é colaborar para criação de um conselho na Vale que atue de forma homogênea e desenvolva, em conjunto com os executivos, estratégias de longo prazo para a mineradora. O entendimento é que há tempos a empresa não tem algo desse tipo. Para analistas e investidores, exite muito a ser cuidado: desde a eficiência da produção, passando para um plano de metais básicos, até uma análise profunda de investimentos e suas expectativas de retorno. Sem contar, é claro, a definição do papel da Vale em um mundo de eficiência sustentável, em busca de uma pegada de baixo carbono: no qual a empresa, com seu metal de altíssima qualidade, tem muito a contribuir. Falta um movimento que possa fazer a companhia sair do passado de tragédias, para um futuro promissor, em um mundo mais verde - em uma nova percepção global para investidores, mas também para a indústria e clientes.
Governança
O resultado que sair da assembleia do dia 28 será o segundo conselho de administração desde que a Vale se transformou de fato em uma corporation, sem nenhum sócio controlador ou dominante. Em 2017, a empresa aderiu ao Novo Mercado, diluindo a posição de poder dos donos históricos, e em 2021 elegeu o primeiro colegiado sem a existência de um acordo de acionistas. A formação do conselho anterior, eleito há dois anos, foi envolta em muita polêmica, após a empresa adotar um modelo de governança inédito no Brasil, de formação de conselho por lista – com voto dos acionistas nome a nome, e não por chapa. Sugestão de um comitê independente e do trabalho de um grupo liderado por Pedro Parente. Na ocasião, houve a sugestão da companhia dos membros que gostaria de ver eleitos e mais indicações feitas por investidores de mercado, sem vínculo com o antigo grupo de donos ou o comitê. Havia mais candidatos do que vagas. O resultado final foi uma mistura de nomes. Teve competição até mesmo para definição da presidência do conselho. E isso não deveria ter sido um problema, mas foi.
Nas discussões para essa eleição de 2023, houve uma tentativa de homogeneização na formação de um conselho. Por isso, o objetivo foi transformar a lista quase em uma chapa. Foram sugeridos o número de nomes para o total de vagas e já com investidores ativos de mercado, que costumeiramente fazem sugestão de membros por meio de voto múltiplo, contemplados. A americana Capital entrou na composição e também grandes investidores individuais brasileiros. A ideia foi que, com isso, o resultado da combinação de perfis consiga ser mantido. Esse é o argumento por trás das críticas a respeito da articulação prévia. Na visão de fontes ouvidas pelo EXAME IN, essa formação traz uma composição complementar para as atuais necessidades da companhia. Não é uma avaliação unânime, mas é uma delas.
Os nomes indicados para essa eleição, além de Guimarães, são: Luciano Penido, Manuel Lino Oliveira, Marcelo Gasparino, Paulo Hartung, Rachel Maia, Douglas James Upton, Vera Marie Inkster, enquadrados como independentes, mais André Stieler e João Luiz Fukunaga, Fernando Jorge Buso e Shunji Komai, recomendados por Previ, Bradespar e Mitsui, respectivamente.
No fim do ano passado, a Vale anunciou uma série de mudanças na formação de diretoria, com a criação de novos cargos e divisão de funções de outros, que foi vista com bons olhos pelo mercado. Havia uma percepção de que alguns diretores acumulavam excesso de funções. A expectativa é que esse movimento, combinado a um conselho mais organizado e dividido por suas habilidades em suas formas de contribuição, possa trazer melhorias à gestão.
Os desafios
Na semana passada, a Vale perdeu R$ 18,5 bilhões em valor de mercado - e continuou perdendo nessa semana, com a queda no preço do minério de ferro. Apesar de em termos absolutos o montante ser superior ao valor de bolsa da imensa maioria de empresas listadas brasileiras, ele parece pequeno para a mineradora: foi um ajuste da ordem de 5,3%. A empresa valia R$ 332 bilhões na véspera do Feriado de 21 de abril, Tiradentes. A Vale é atualmente a segunda maior companhia da B3, atrás de Petrobras. Mas é, disparada, a maior empresa privada brasileira não financeira. Não são poucos que dizem que a companhia é “desproporcional” ao Brasil.
O motivo da perda de valor foi a divulgação de um relatório de acompanhamento que mostrou aumento da produção no primeiro trimestre de 2023, mas queda nas vendas. A combinação foi mal-recebida pelos investidores. Mas é bom que se diga que a Vale não cumpre suas próprias metas e estimativas fornecidas ao mercado, de forma consistente, há bastante tempo. Não é, portanto, uma frustração nova. O que desagradou aqui foi o sinal de desaquecimento da demanda global. Nesta quarta-feira à noite, a mineradora deve anunciar os resultados completos do primeiro trimestre.
A Vale não vive um cenário de calmaria para definir um projeto de longo prazo – nem que seja apenas a eficiência – desde 2015. O calvário da companhia começa com a destruição de Mariana (MG), após o desastre da Samarco, uma joint-venture com a anglo-australiana BHP.
De lá para cá, e com tudo isso agravado pela tragédia em Brumadinho (MG), a companhia vive de solucionar (ou tentar) problemas, pulando de crise em crise. Com os grandes passivos nas frentes ambiental e social, a questão da governança parecia ser o menor dos problemas. Ledo engano.
O plano de mudança para o Novo Mercado, que já previa o vencimento sem renovação do acordo de sócios, só serviu para tornar evidente que a mineradora não conseguiu ter um empresário à frente dos negócios desde a privatização. É certo que a Era de Roger Agnelli trouxe uma expansão sem precedentes, mas desde então a empresa ainda não encontrou sua versão de maturidade - e de evolução nesse contexto. O atual grupo de acionistas são todos donos de fatias pequenas sobre o capital total. E a aposta é que a chegada da Cosan ao conselho, como mais uma investidora, colabore para uma mudança dessa realidade. A prova dos nove da tentativa de formação de um colegiado homogêneo que possa funcionar de norte para a empresa começa na próxima semana.
Para o conglomerado de Ometto, um teste de senioridade e de flexibilidade. Dirá também sobre a capacidade de articulação um grupo heterogêneo em interesses.
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Graziella Valenti
Editora Exame INCriadora do EXAME IN, espaço dedicado à cobertura de negócios, com foco em mercado de capitais. Na EXAME desde março de 2020, ficou 13 anos no Valor Econômico, oito como repórter especial, sete anos na Broadcast, do Grupo Estado.