B3 chega aos recebíveis de cartões e inicia testes em 30 de agosto
O esforço do BC ao atualizar normas é fomentar o crédito privado e baixar seu custo, como parte de uma revolução na área financeira
Publicado em 2 de agosto de 2021 às 08:54.
Última atualização em 3 de agosto de 2021 às 10:04.
Se com três registradoras de recebíveis de cartões de crédito no mercado a disputa é boa, ela ficará ainda melhor com mais um participante e de peso indiscutível: a Brasil Bolsa Balcão, a B3. Em 30 de agosto, a bolsa brasileira iniciará os testes de interoperabilidade com as registradoras que já estão em operação – a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), fundada em 2001 e controlada pelos grandes bancos; a Central de Recebíveis (Cerc), lançada por um grupo de ex-executivos do mercado financeiro em 2015; e a TAG, criada em 2018, pelo grupo Stone.
Em 7 de junho entraram em vigor novas regras que norteiam o mercado de recebíveis ou faturas que estabelecimentos que vendas de bens e serviços pagos com cartões de crédito têm a receber. Esse mercado de transações digitais, que já é gigantesco, tem o poder de multiplicar crédito através de operações de antecipação de recursos sobretudo ao setor de varejo. E a abertura desse mercado propiciada pelas novas normas do Banco Central (BC) tende a acirrar a concorrência gerando, por tabela, uma redução de juros. Para se ter uma ideia da dimensão desse mercado, em 2020, os meios digitais de pagamento movimentaram R$ 2 trilhões. Para 2021, a projeção é de R$ 2,4 trilhões. Dinheiro para ninguém botar defeito.
Em entrevista ao EXAME IN, Fábio Zenaro, diretor de Produtos Balcão e Novos Negócios na B3, informa que a bolsa não ingressou no sistema de recebíveis de cartões em junho, quando as novas regras entraram em vigor, por estar envolvida, inicialmente, com a proposta de recebíveis de duplicatas – instrumento que já estava em discussão no BC. Contudo, com o avanço da atualização normativa sobre os cartões de crédito, a B3 passou a avaliar com mais profundidade esse mercado que tem um grande potencial no médio e longo prazo, reconhece o executivo que também relata o fato de a bolsa ter sido procurada por players desse segmento que defendem sua atuação como registradora.
“Entramos nessa corrida conscientemente atrás das demais registradoras, mas já aderimos. Participamos da Convenção dos Cartões de Crédito junto com CIP, Cerc e TAG, além do BC. Agora estamos em processo de aprovação pela autoridade monetária”, diz o diretor da B3. Ele informa que a Bolsa vem trabalhando nesse tempo e, pelo lado do sistema operacional, em tese já estaria pronta a operar, mas testes de interoperabilidade – entre as registradoras – devem ser realizados e começam em 30 de agosto. "Trabalhamos com esta data", diz Zenaro.
Em 50 dias de aplicação das novas regras para os recebíveis de cartões, o sistema vem enfrentando algumas dificuldades, dada a complexidade das operações, o grande número de atores envolvidos e um volume muito expressivo de transações. “Não é simples. É uma nova dinâmica de operações, um aprendizado para todos e também para o BC. Tem um grande benefício essa participação ampla de participantes até por aumentar a concorrência, mas é fato que também dificulta o processo. Por tudo isso, o teste da B3 com as três registradoras está marcado para iniciar no fim de agosto. Acreditamos que no segundo semestre, sendo otimista talvez até outubro, tenha ocorrido a homologação para iniciarmos as operações", diz Zenaro.
O executivo explica que o BC está focado há cerca de três anos na atualização normativa e jurídica para tornar mais confiáveis mecanismos de tomada de crédito, como cartões, duplicatas, recebíveis imobiliários, Cédula de Crédito Rural (CCR) e Cédula de Crédito Bancário (CCB). Ele explica que, como tudo passa pelo crédito, o objetivo da atualização é tornar os instrumentos juridicamente mais fortes para serem mais negociados e, como consequência, reduzir o custo do dinheiro na ponta final onde estão os tomadores.
Duplicatas e imóveis
“A ideia de todo esse esforço do BC é fomentar o crédito privado e baixar o seu custo. E isso faz parte de uma grande revolução na área financeira. Alguns instrumentos são muito utilizados, mas pode haver dúvida de quem recebe um CCR, por exemplo, se o instrumento já não foi dado como garantia para outra pessoa ou instituição. Daí a importância dos registros que reduzem incertezas e, portanto, custos que, dadas as próprias incertezas, podem inclusive aumentar”, explica Zenaro.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado às duplicatas. O diretor da B3 afirma que hoje existem sistemas de monitoramento desses títulos, mas ainda não há segurança se um mesmo título não foi dado como garantia a outras operações. Ele informa que também haverá uma convenção de participantes desse mercado específico que, a exemplo do que ocorreu com a convenção dos cartões de crédito, atuará na normatização de procedimento junto com a autoridade monetária. Numa etapa seguinte também ocorrerão testes de interoperabilidade. Só que, nesse segmento de duplicatas, serão sete registradoras de títulos.
Fábio Zenaro informa que também há discussão sobre recebíveis imobiliários especialmente com imóveis que estão na planta. “Mas como é um negócio de nicho, talvez o instrumento fique para 2023”, avalia o executivo que vê esses novos instrumentos financeiros positivos para a sociedade por baratear o crédito e também para o mercado financeiro à medida que incentivam financiamentos privados e criação de produtos, como FIDCs.
Energia na hora certa
Ao EXAME IN, Fábio Zenaro destacou a relevância de outros dois mercados de balcão: Energia e CBIO – crédito de descarbonização ou crédito de carbono, um ativo emitido por empresas produtoras ou importadoras de combustíveis que trabalhem para redução de emissões do gás no meio ambiente. “Esse mercado vem crescendo com a agenda ESG [de critérios ambientais, sociais e de governança], como uma questão institucional de empresas que querem estar engajadas nessa agenda e também como oportunidade de negócios.”
Para atender ao setor de Energia, um primeiro produto foi lançado pela B3 em dezembro de 2020 e se desenvolve em um momento muito oportuno caracterizado pela crise hídrica. Zenaro pondera que, em meio a uma crise os preços de energia se tornam mais voláteis, o que tende a aumentar o risco das contrapartes das operações. “De um lado estão os compradores, do outro os vendedores de energia. E uns podem estar, em dado momento, mais alavancados. E, do ponto de vista financeiro, a volatilidade aumenta os riscos de inadimplência que o mercado de balcão procura mitigar”, diz o diretor da B3 que notou, nas últimas semanas, um maior número de interessados no mercado de energia.
Ele explica que o produto ajuda na gestão de risco de contraparte, uma vez que, da maneira como o mercado livre de energia funciona, cada parte de uma negociação precisa saber com quem está negociando e, não necessariamente, todos os participantes têm a noção exata do tamanho de riscos envolvidos.
O mercado de energia, informa Zenaro, tem três pontas: distribuidoras, consumidores e comercializadoras, sendo que as comercializadoras – mais numerosas – compram e vendem energia e também negociam entre si. E esse é o segmento para quem o produto da B3 tem maior atratividade.
“Tentamos dar uma ferramenta para tomadas de decisão e gestão de risco. Quanto maior o número de participantes, melhor. Temos 10 clientes e mais 9 ou 10 em fase de adesão. Estamos começando e o começo é sempre difícil porque os potenciais participantes precisam conhecer e entender o produto. Mas o desejo de boa parte dos participantes desse mercado é o desenvolvimento de um mercado de energia listado ou negociado em Bolsa."
O diretor de Produtos Balcão e Novos Negócios na B3 pondera que um mercado futuro de energia será semelhante ao futuro de dólar ou de soja. "Contudo, não adianta apenas criar o contrato. É preciso ter players que entendam os riscos e é preciso a modelagem de risco. Há um caminho a percorrer e dentro de algum tempo, que não dá para precisar, teremos uma clearing de contratos de energia. Esse é nosso objetivo final.”
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