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Mercados

Análise: Esqueça o mercado acionário. A ‘Trump put’ está nos bonds

Ameaça de colapso nas Treasuries suavizou com a trégua em parte das tarifas; mas o presidente americano segue flertando com o abismo

Peter Tuchman, operador de pregão, reage enquanto trabalha no pregão durante o sino de abertura da Bolsa de Nova York (TIMOTHY A. CLARY/AFP via/Getty Images) (TIMOTHY A. CLARY/AFP/Getty Images)
Peter Tuchman, operador de pregão, reage enquanto trabalha no pregão durante o sino de abertura da Bolsa de Nova York (TIMOTHY A. CLARY/AFP via/Getty Images) (TIMOTHY A. CLARY/AFP/Getty Images)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 10 de abril de 2025 às 11:41.

Última atualização em 10 de abril de 2025 às 11:54.

Desde a eleição para o segundo mandato de Donald Trump, o mercado vinha se fiando na chamada “Trump put”: a convicção de que o presidente americano – um empresário afinal de contas! – seria sensível a quedas no mercado acionário e portanto voltaria atrás em medidas que fizessem o S&P 500 despencar.

O wishful thinking, contudo, não passou pelo teste de realidade.  Depois de o índice implodir, com uma queda de quase 20% em relação à máxima de fevereiro depois do tarifaço, essa convicção caiu por terra.

A Trump put, contudo, parece existir. Mas no mercado de bonds, ou títulos de dívida do governo americano – que passou ontem por um dia de mercado emergente.

O que poderia fazer Trump mudar de ideia? Seria o Congresso, os conselheiros do presidente, empresários, o sistema legal, mercados ou algo extra?”, questionou ontem Mohamed El-Erian, o lendário ex-CEO da Pimco no X.

“Tivemos a resposta hoje: É o mercado de títulos de dívida pública – particularmente o quão perto ele ficou da linha que separa uma ampla volatilidade do mal funcionamento do mercado.”

Um dia de mercado emergente

A trégua do presidente americano para as tarifas ex-China veio num dia que o rendimento dos títulos do Tesouro de 30 anos chegou a superar a barreira dos 5%, uma alta de mais de 50 bps dos 4,5% a que eles negociavam no começo da semana.

(Yields maiores significam que o preço nominal dos títulos de dívida americanas estão caindo.)

Era uma reversão de tendência de proporções sísmicas, talvez no sinal mais notório do tamanho da ferida autoinfligida pelos Estados Unidos. Normalmente, quando as ações e outros ativos de risco caem, os investidores correm para a segurança dos títulos soberanos dos Estados Unidos, e os bonds se valorizam.

A disfunção nos mercados levantou todo o tipo de especulação. Um deles era de que se tratava de uma nova retaliação da China, maior detentor dos títulos americanos.

O país poderia estar desovando Treasuries antes de trocar suas reservas para ouro ou alguma outra moeda de um país com uma relação mais amistosa. (Verdade ou não, essa possibilidade ainda existe.)

Havia também o fator técnico, que parece o mais plausível: vários hedge funds se financiam com uma estratégia chamada ‘basis-trade’, que arbitra a diferença normalmente ínfima no preço à vista e o futuro dos Treasuries, em apostas altamente alavancadas.

Movimentos bruscos de mercado acabam provocando um sell-off e gerando uma espiral de vendas. Isso aconteceu na crise do covid e forçou, inclusive, o Fed a intervir.

O maior temor, contudo, era de que os estrangeiros em geral simplesmente estivessem perdendo a confiança na economia americana e correndo para outros países, como Alemanha ou Japão, que agora estão com yields mais atrativos. O movimento está acontecendo em algum grau, mas parece que não na velocidade que se temia.

O pânico total se suavizou um pouco antes do anúncio da trégua de Trump, quando um leilão de títulos do Tesouro de 10 anos teve uma demanda bastante forte, após um certame no dia anterior para os bonds com vencimento de dois anos ter tido uma adesão baixíssima.

Foi após a trégua de Trump, contudo que, a taxas dos Treasuries realmente cedeu – ainda que os principais vencimentos tenham terminado o dia em alta em relação ao pregão anterior.

Flertando com o abismo

O episódio de ontem, contudo, mostra o quanto Trump está flertando com o abismo.

Os Estados Unidos têm um déficit gigantesco, de 121% do PIB, e depende de capital estrangeiro para se financiar. Para isso, depende essencialmente de confiança – um ativo que o mandatário está fazendo questão de jogar pela janela.

Na sua campanha, o presidente americano prometeu reduzir o déficit ao diminuir a máquina do Estado. Por enquanto, ameaça seguir o caminho contrário.

A Gavekal resumiu o grande elefante na sala: “A questão é se os Estados Unidos atingiu o ponto de virada fiscal no qual uma deterioração do crescimento – uma consequência altamente provável das tarifas de Donald Trump – pode levar à deterioração das finanças do governo e daí a um aumento no yield dos bonds.

(De novo, qualquer semelhança com o dilema do Brasil não é mera coincidência.)

Ao contrário do mercado acionário, em que o efeito sobre a economia e a riqueza das famílias demora um pouco a aparecer, o aumento dos yields dos títulos do governo pesa diretamente nos custos de financiamento das famílias e das empresas. Outra promessa muito vocalizada na campanha que Trump periga não cumprir.

Passado o susto mais iminente dos bonds – cujos yields recuam hoje com sinais de inflação mais controlada nos Estados Unidos – as questões estruturais permanecem.

“A desordem nos bonds de ontem aconteceu porque os Estados Unidos agora é muito dependente de investidores estrangeiros para financiar seu déficit? Ou porque a formulação de políticas nos Estados Unidos começou a parecer mais com a de um mercado emergente, com um poder executivo poderoso tomando decisões arbitrárias desafiando os precedentes?”, questionou Louis Vincent-Gave, fundador da Gavekal.

“Qualquer que seja a razão, o cavalo de pau das tarifas não muda esse novo ambiente de mercado nos Estados Unidos.”

Em outras palavras: há um preço em um líder de uma economia desenvolvida se comportar como o mandatário de uma republiqueta das Bananas.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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