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Americanas moderniza negócio, mas não o controle

Objetivo da listagem nos Estados Unidos é estrutura de capital flexível que permite alavancagem do controle

Lojas Americanas e o stand no Rock in Rio: versão física do slogan "tudo, a toda hora, em qualquer lugar" (Lojas Americanas/Divulgação)
Lojas Americanas e o stand no Rock in Rio: versão física do slogan "tudo, a toda hora, em qualquer lugar" (Lojas Americanas/Divulgação)

Publicado em 30 de abril de 2021 às 01:29.

Última atualização em 30 de abril de 2021 às 01:49.

Mistério resolvido. A operação que vai consolidar o chamado Universo Americanas, o mundo físico das Lojas Americanas e o mundo digital da B2W, moderniza a estrutura para as exigências do varejo pós-pandemia, mas não a visão de controle do grupo.

O anúncio na quarta-feira à noite de que haverá uma holding listada nos Estados Unidos, a atual Lojas Americanas depois que ela passar as lojas físicas e a fintech Ame Digital para dentro da B2W, criou muita expectativa. Não estava na conta. Por algumas horas, gerou espaço para leituras de que uma holding para investimentos globais de Beto Sicupira, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann em varejo estava a caminho. Ledo engano.

O modelo mira apenas maior flexibilidade na estrutura de capital e acesso a recursos com um custo mais interessante, conforme ficou evidente após teleconferência na tarde de quinta-feira. Essa é a intenção, ao menos.

A holding — que vai se chamar americanas inc. — será uma companhia de investimento. Mesmo assim, não há pretensão de aquisição de outros ativos além da americanas (Amer), a operação brasileira. A Amer nada mais é do que a B2W do futuro, depois que incorporar as lojas físicas do grupo e a Ame Digital. Após todas as etapas, a holding  terá 38,9% da Amer.

Até lá, em uma etapa intermediária, os investidores da Lame terão recebido 37,7% da B2W em ações, diretamente. É o pagamento pelas lojas físicas e pela Ame Digital. No total, os sócios hoje da Lame terão 76,6% da B2W reorganizada, a Amer — na soma das participações direta e indireta.

Esse esclarecimento explica a queda das ações preferenciais da Lojas Americanas, as mais líquidas. O papel registrou ontem um tombo de 5,17% e fechou a R$ 21,46. Nem a alta forte das ações da B2W seguraram: a valorização foi de 7,69%, para R$ 68,33.

Para avaliar se a queda é grande ou pequena, é importante lembrar que cada ação da atual Lojas Americanas dará direito a 0,18 ação da futura Amer e ainda à listagem nos Estados Unidos (em condições ainda não definidas). É como dizer que 18% do preço de Lame vem da B2W, agora.

“Desculpe se não fui suficientemente claro antes. Nosso único investimento será a Amer”, disse o presidente da Lojas Americanas, que vai conduzir o negócio após a reorganização, Miguel Gutierrez, durante teleconferência na tarde desta quinta-feira, 29. E é a operação brasileira que será o veículo de aquisições e expansão.

O tema dominou as discussões com os analistas e investidores durante a apresentação sobre a operação. Essa parte das novidades não agradou. Alguns deixaram claro que havia expectativa de que a americanas inc poderia ser um veículo para explorar oportunidades na América Latina, por exemplo. Mas veio um balde de água fria. Como os donos do grupo são quem são — os investidores que exploraram a consolidação global do mundo das cervejas com a AB Inbev e ainda uniram Kraft e Haeinz — ficou uma certa frustração no ar.

A conclusão que predominou é que após anos e anos no aguardo da união entre Lojas Americas e B2W, a transação chegou , mas com um jeitão meio 'Brasil velho'. A holding migra para os Estados Unidos, o grupo ganha ares de modernidade, mas o objetivo final é tão somente garantir a manutenção do controle.

Do lado operacional, houve uma visão positiva. Era um passo mais do que necessário, o que explica a valorização da B2W — combinado ao fato de que toda a mistura de ativos será feita a valores de mercado, sem sustos nessa etapa. Juntas, as companhias registraram um GMV, ou seja, vendas totais de R$ 40 bilhões no ano passado, com um Ebitda de R$ 3,3 bilhões. Desde de 1.999, quando o trio de ouro assumiu a operação, esses números significam multiplicar por 26 a receita e por 133 o Ebitda.

Mas, incomodou que por trás do discurso de Gutierrez ficou claro que o objetivo da listagem nos Estados Unidos é o espaço para alavancagem do controle. “Eu não sei se está claro para todo mundo o quanto nós valorizamos a cultura do dono”, disse o executivo em outro momento. Ele também frisou que a companhia acessou o mercado de dívida internacional pela primeira vez no ano passado e que a listagem fora do Brasil dará maior visibilidade e a expectativa de um custo menor.

O problema todo é que investidores já viram esse modelo antes. E não gostaram da aplicação, na época, e nem do resultado. Em 2007, o empresário Rubens Ometto criou a Cosan Limited e levou os papéis para a bolsa de Nova York, a Nyse. O objetivo era o mesmo. Ometto vislumbrava uma infinita oportunidade de consolidação e o mercado americano poderia lhe prover recursos sem ameaçar o controle do negócio.

A história que se viu não foi essa. A divisão das companhias listadas, apesar de uma única e mesma operação, acabou criando um desconto e uma desconfiança constante dos investidores. O dinheiro da holding americana veio uma só vez e a liquidez ficou dividida. Levou 13 anos, mas Ometto reverteu esse modelo e concentrou a liquidez no Brasil. Para isso, até mesmo aceitou abrir mão de ter ele próprio, em sua holding, a maioria do capital.

Gutierrez disse não acreditar que esse não será o destino do Universo Americanas. Os investidores de mercado, pelo que tudo indica, pensam um tanto diferente. É difícil projetar se o mercado de 2021 é o mesmo de 2007 para o quesito governança corporativa. E também existe espaço para que a história seja diferente dada a visibilidade internacional que os sócios do comando possuem. Mas a americanas inc terá de provar seu propósito e valor com o tempo.

Lá, em Nova York, com as ações supervotantes, é possível controlar os poderes político da companhia com cerca de 10% do capital total. Aqui, no Brasil, um acionista que queira se manter majoritário pode, no máximo, reduzir sua fatia a 25% do capital, mais uma ação, se adotar o modelo de preferenciais (Pode ser 17%, para empresas com capital formado antes da reforma da Lei das S.As., em 2001, mas isso é detalhe demais). No caso da B2W, listada no Novo Mercado, precisa mesmo de maioria absoluta do capital. Um limite cinco vezes maior, portanto.

Se alavancarem o controle da Lojas Americanas nos Estados Unidos, a futura americanas inc, os atuais donos da companhia manterão sempre o poder sobre a holding e mais os 14,4% diretamente das ações daquela que será a Amer. Com isso, somarão influência sobre 53,3% do capital da americanas operacional, essa sim, listada no Novo Mercado da B3. Mas, economicamente, eles podem reduzir sua fatia a pouco mais de 18%.

A mensagem que Gutierrez passou durante a teleconferência é que o grupo está pronto para brigar forte no Brasil. Recursos competitivos são interessantes nesse percurso. Será preciso ver como eles vão chegar.

 

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