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Varejo

A rainha dos selinhos voltou - após uma pausa valiosa

Beatriz Ramos está de volta ao varejo e vai conduzir a L - Founders of Loyalty no Brasil: agora é a vez da fidelidade com propósito

Beatriz Ramos, após um ano sabático: as pausas tornam as pessoas e os profissionais melhores (Leandro Fonseca/Exame)
Beatriz Ramos, após um ano sabático: as pausas tornam as pessoas e os profissionais melhores (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 18 de fevereiro de 2021 às 10:19.

Última atualização em 18 de fevereiro de 2021 às 12:08.

Pianista profissional, formada pela The Juilliard School, de Nova York, Beatriz Ramos, que começou os estudos internacionais aos 13 anos, ensaiava à exaustão uma peça por seis meses antes de levá-la ao público. Mas, antes do dia derradeiro da apresentação, descansava dela por uns dois meses. Sabia que nesse intervalo, nesse afastamento, o olhar sobre a obra ficaria mais apurado. Voltaria para a peça uma pianista melhor.

Bia Ramos, como é conhecida, acaba de adotar a mesma estratégia para sua vida corporativa. Após um ano sabático, que sem nenhuma programação prévia — afinal, quem prevê pandemia além do Bill Gates? — coincidiu com o isolamento social adotado como estratégia no combate ao novo coronavírus, ela está pronta para voltar à vida empresarial e ao mercado de soluções de fidelidade para o varejo.

Retorna de casa nova, a holandesa L – founders of loyalty. Projeto do mesmo fundador da BrandyLoyalty, Robert van der Wallen, multinacional da qual Bia Ramos foi presidente no Brasil até o comecinho de 2020. Depois, se afastou, em um momento que mistura os compromissos de não-competição com um desejo antigo de parar e ficar com os filhos. Respirar um pouco outros ares.

“Chama assim, founders of loyalty [fundadores da lealdade], porque se juntarmos o tempo de experiência da equipe toda com varejo e fidelidade dá mais de 1.200 anos”, conta ela, ao EXAME IN.

Robert van der Wallen vendeu o controle da BrandyLoyalty ao grupo americano Alliance Data Systems Corporation. Depois de cumpridos os ritos e compromissos, fundou a L e agora a empresa vai estrear em solo brasileiro. Mais uma vez, convidou Bia Ramos para ser presidente de seu negócio por aqui. E esperou ela viver o seu sabático antes de assumir a posição.

Para trazer ao plano concreto o que é fidelidade no varejo e quem é Bia Ramos, basta simplificar da seguinte maneira: ela foi a responsável por disseminar por aqui a febre dos selinhos colecionáveis de supermercado, usados com maestria pelo Pão de Açúcar, e coordenou campanhas memoráveis como a do álbum de figurinhas do chef britânico Jamie Oliver – quem tem filho com pelo menos 8 anos de idade viveu essa experiência.

Bia navega pelo tema da mesma maneira que fala de piano e de ser mãe — de dois meninos, com 9 e 7 anos. Com a missão de trazer ao varejo soluções que unam fidelidade e propósito — com tecnologia embarcada, claro —, a tarefa da L é inovar em um ramo no qual as pessoas já têm uma paixão, e querem ela de volta: o selinho. “Ele cria uma relação afetiva com a marca. É diferente de tudo. E precisa ser no papel.”

Para se ter uma ideia de impacto, em 2017, quando o Pão de Açúcar fez a campanha de aniversário pelos seus 69 anos com facas do Jamie Oliver, conseguiu elevar suas vendas, durante a temporada, entre 5% e 10%. Na campanha, os clientes da rede resgataram nada menos do que 50 milhões de selos para trocar por 1 milhão de facas.

Bia carrega consigo, com um orgulho indisfarçável, todos os artigos, comentários em redes sociais, e até programas de humor sobre a paixão do brasileiro pelos selinhos. “Dá uma olhada nesse aqui”, vai mostrando, com empolgação. Entre os preferidos está o programa da Sandra, na rádio Joven Pan, sobre o desespero de colecionador.

Agora, o projeto na L vai além de acolher o cliente, criando empatia e vínculo com os selinhos. No novo mundo, de consumidores mais exigentes, informados e engajados com tudo, a ideia é desenvolver programas que ajudem as pessoas nas melhores decisões sobre o que consumir e também como colaborar com projetos que busquem um mundo melhor.

Em um exemplo hipotético, Bia explica: o consumidor, ao comprar a água de uma determinada marca, vai entender quanto de hidratação aquela garrafa contém da necessidade diária e ainda vai poder destinar parte do valor para uma organização que cuide de projetos de despoluição de lençóis freáticos.

O tempo das coisas

Nesse período de afastamento, Bia Ramos também consolidou uma proposta que quer defender nas empresas: tempo. Pausas. Elas não apenas definem a música, mas fazem parte da própria estrutura da melodia.

As pessoas, segundo ela, precisam poder se afastar, tanto para sabáticos mais longos, que exigem maior planejamento, como para uma licença maternidade ou paternidade bem-vivida, ou para simplesmente separar a vida corporativa do tempo da família.

“Tem debate sobre a mulher, sobre a igualdade de gêneros, sobre várias questões. Mas não vejo acontecer o debate que defenda o tempo para as famílias cuidarem de seus filhos. Sair da loucura do trabalho contínuo. As crianças vão ser a economia do futuro. Além disso, faz bem também profissionalmente. As pessoas se tornam profissionais melhores e as empresas precisam perder o medo disso.”

Um 2021 difícil

Mesmo entusiasmada e repleta de projetos para a L, Bia Ramos acredita que o varejo alimentar vai viver um ano difícil. “No ano passado, as pessoas ficaram muito em casa e, neste ano, querem sair mais”, explica. Além disso, na opinião de Bia, há o impacto das perdas de emprego e o próprio despreparo das empresas com as novidades. As margens estarão mais apertadas.

Quando a executiva fala em despreparo com as novidades quer dizer o oposto do que você, leitor, entendeu. Aposto!

O que a especialista vê são empresas correndo para se mostrarem digitais e tecnológicas deixando “o básico bem feito para trás”. E é isso que mais faz perder ou ganhar clientes, na opinião dela: ter o essencial bem executado. “As companhias se perdem muitas vezes na pressão por resultados de curto prazo e por respostas rápidas.”

As empresas precisam estar atentas para não perder sua essência nessa busca, ou seja, focar em novos clientes, em crescimento, descuidando dos fiéis. “No fim das contas, em todos os lugares a gente vê a mesma coisa: 80% das vendas são geradas pelos mesmos 20% de clientes leais. É preciso cuidar deles, antes de aventurar atrás do novo.”

A executiva concorda que tudo hoje está relacionado à inteligência de dados, mas aponta que as companhias precisam saber o que elas procuram, o que elas querem. Do contrário, toda essa digitalização e tecnologia vão tirar foco das empresas, no lugar de agregar valor.

Beatriz ramos - CEO da L - Founders of Loyalt foto: Leandro Fonseca data: 08/02/2021

"A febre tecnológica está fazendo as empresas desviarem a atenção do básico bem feito." (Leandro Fonseca/Exame)

Disrupção também começa pelo básico

Antes da experiência no varejo com toda a disrupção tecnológica, Bia Ramos bebeu na fonte. Ou seja, viveu o drama da digitalização em uma das primeiras indústrias afetadas pela era da internet, a musical.

A carreira de pianista profissional foi interrompida por uma lesão nos tendões do braço esquerdo, fruto de um acidente na infância. Aos 21 anos, com um currículo  internacional de fazer inveja — que inclue o Conservatório de Haia, antes da Juilliard — ela teve de se reinventar. Como sempre adorou tudo do universo de negócios, enquanto estudava música também se formou como economista.

Depois de uma breve tentativa na vida acadêmica, foi parar na Sony, exatamente quando os executivos assistiam desesperados a disseminação dos iPods e correlatos. A gigante internacional estava em busca de jovens que pudessem ajudá-los a entender o que estava ocorrendo com o mundo.

Depois de uma entrevista com o CEO global da companhia, deu a largada na carreira corporativa.

Foi ainda na Sony que entrou em contato com estratégias de fidelização de clientes e com a BrandyLoyalty — sem saber, seu próximo trabalho. Foi lá também que Bia colocou em prática seu mantra pelo básico. Quando chegou, descobriu que, enquanto estava atônita, a companhia ainda não havia se programado para a parte mais óbvia: digitalizar seu próprio acervo para que estivesse pronta para as novas formas de vendas.

Por isso, para ela, tudo começa sempre pelo básico azeitado.

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