Da guerra ao básico universal: jeans faz 150 anos e, na Ufoway, "se adaptar" não sai de moda
Com 30 anos de história, empresa aposta que o jeans sustentável é mais que uma simples tendência
Publicado em 4 de janeiro de 2023 às 11:00.
Última atualização em 4 de janeiro de 2023 às 14:54.
Calça jeans. Uma das peças mais icônicas e atemporais da moda completa 150 anos em 2023. Desde que surgiu, seu papel na sociedade só cresce: inicialmente, era usada principalmente como roupa de trabalho e chegou a ser uniforme na Primeira Guerra Mundial. Nos anos 1920 chegou a Hollywood pelos cowboys e nos anos 1950 foi associada à juventude ‘rebelde’ — como esquecer a calça jeans e a camiseta branca de James Dean?. Nos anos 1970, foi o símbolo da cultura hippie com a cintura baixa e as barras boca de sino, depois invadiu as passarelas e, já de forma mais recente, nos anos 1990, virou estilo tanto do hip-hop quanto do pop, até chegar ao status de hoje de básico universal. Em um mundo que muda tanto, mas no qual a demanda pela peça continua em alta, fabricá-la exige um dinamismo sem igual, tanto para acompanhar as ocasiões de uso da peça quanto as transformações na própria forma de produzi-la. No Brasil, essa é uma tarefa há 30 anos cumprida pela Ufoway, uma das maiores fabricantes de jeans private label do país. A empresa catarinense fornece calças, jaquetas — e o que mais os clientes pedirem nesse tecido atemporal — para lojas como Renner, Animale e Calvin Klein.
Em um mercado ainda tão pulverizado, sua produção anual é de 3,3 milhões de peças (o suficiente para vestir 1,5% dos brasileiros, em outras palavras), com um preço médio de R$ 65. A multiplicação de um com o outro permite calcular um faturamento de R$ 214,5 milhões para a companhia (cifra não confirmada) — se limitando a afirmar que o valor integral representa um crescimento de 265% de 2012 para cá. Para manter o ritmo de alta, a companhia continua pondo o foco em aumentar de tamanho, uma estratégia que depende, como a história mostra, da capacidade de acompanhar as atualizações relacionadas ao tecido que é sua principal matéria-prima.
Mesmo com uma demanda crescente, o jeans entrou na mira dos questionamentos da geração Z — assim como a carne bovina. Moda e tendência alimentar têm um fator em comum: a preocupação com sustentabilidade. E, no caso desses dois produtos, isso tem tudo a ver com a quantidade de água demandada na produção. As estimavas de quantos litros são necessários para a produção de uma única peça, uma única calça, variam de 5 mil a 11 mil litros de água, entre o plantio da fibra até o pós-consumo. Não importa em qual ponta esteja, o volume estratosférico perde apenas para os 15 mil litros que demandam a produção de 1 quilo de carne bovina. Para chegar ao ponto de poder trazer respostas a tantas alterações na sociedade, a Ufoway teve de mudar muita coisa. E nada que tenha começado ontem.
Grande parte da transformação que levou ao crescimento da fabricante de jeans começa em 2006, quando Grasiela Moretto, diretora administrativa da empresa, retornou à companhia fundada por seus pais — na época, apenas uma confecção — para ajudá-los enquanto a demanda de novos clientes crescia. Era o ano em que os primeiros pedidos seriam enviados a grandes e novos varejistas como a Lojas Renner, por exemplo. Diante desse cenário, a executiva (que tinha se formado há três anos e já tinha iniciado carreira fora da empresa) assumiu a parte comercial, enquanto seu irmão ficou com a parte industrial e o pai deles, no financeiro. Foram anos de muito — e intenso — trabalho.
“A gente não tinha hora para ir embora. Eu brinco que só saía da empresa na hora em que a gente fechava o baú do caminhão com as entregas. Nós nos dividimos em várias funções. Eu ficava na diretoria comercial, mas saía para comprar aviamentos, fazia entregas com a minha Fiorino e, meu irmão, com a dele. Mas, desde esse momento, prezamos por estabelecer uma relação de confiança com nossos clientes, que ajudou a empresa a crescer de forma significativa até hoje”, diz Moretto, em entrevista ao EXAME IN.
Nessa época, boa parte dos processos era terceirizada, um sistema de produção começou a mudar a partir de 2012, quando a empresa — depois de uma intensa reforma, de 2008 a 2011 — construiu uma planta própria para unificar a companhia e trazer uma modelo diferente para o negócio. Em vez de ter um galpão, praxe em empresas private label, a ideia era estruturá-la de modo que fosse reconhecida por quem passasse na rua, virasse um ponto de referência na região. O que, de fato, aconteceu.
A nova estação de trabalho já chegou pequena para o tamanho da demanda no fim da reforma. Colocando em números: em 2012, eram 150 colaboradores no local. Hoje, são 950. Há dez anos, a companhia fabricava 1,8 milhão de peças, número que chegará a 3,3 milhões em 2022. “É como se tivessem 20 Ufoway que existiam em 2006”, diz Moretto.
Para acelerar tanto, a companhia contou com a boa reputação diante dos clientes — hoje, a executiva afirma que toda procura por encomendas vem de forma orgânica, sem busca da empresa — e também com atualizações nos próprios processos de produção.
Com as preocupações atuais sobre o jeans, a companhia investe consistentemente nos processos de lavanderia para torná-los cada vez mais eficazes. O ponto mais recente dessa história é a criação de um circuito fechado, que levou um investimento de R$ 1,7 milhão, para garantir que toda a água utilizada na lavagem dos jeans pudesse ser reaproveitada. O dinheiro foi investido de olho em trazer de volta uma água em perfeitas condições de uso para a caixa d’água da companhia. Funciona, entre outras etapas, com um sistema de ultrafiltragem avançado, em que todas as impurezas do processo de produção do jeans são removidas e o PH (acidez) da água fica em condições de uso novamente.
O processo de lavanderia, aliás, é a etapa mais cara para a produção. É o maior que a empresa tem dentro de casa. Em contrapartida, o de costura é feito em grande parte fora da planta, mas com parceiros de longa data, auditados na mesma frequência da Ufo. “Temos uma cadeia no Paraná bem grande, de nove fábricas, que há oito anos eram apenas três. A proposta é todo mundo crescer junto, senão tem algo errado”, diz a diretora.
As inovações atendem a critérios de sustentabilidade, é claro, mas, no fim do dia, também trazem um componente importante de produtividade. Hoje, com o investimento contínuo nos processos de lavagem do jeans, a empresa já reduziu, em determinados processos, o uso de água em 80% em relação ao que era feito há cinco anos. Como resultado, se tudo tivesse permanecido igual, a Ufoway entregaria 60% do que entrega hoje.
É um conjunto de tecnologia com inovações da própria indústria química, na visão da executiva. Além da lavagem mais sustentável, a companhia desenvolveu um tecido próprio, reciclado com base nas sobras de tecido, o EcoWay. Feito em parceria com a Santista Têxtil, consiste na tecelagem de resíduos desfibrilados com a mistura do algodão virgem, servindo como fonte de matéria-prima para a criação de peças cada vez mais sustentáveis. E, além de tudo isso, conseguiu colocar em prática um telhado de alto poder de absorção, que permite o reaproveitamento de água da chuva.
São pontos que colaboram para a empresa ter mais eficiência ao longo do tempo e compensar o aumento de custos. Na pandemia, especificamente, a empresa viu até 36% de reajuste de uma única matéria-prima usada na fabricação dos jeans, um patamar muito acima do ‘normal’. Antes da covid-19, a média era de aumentos que variavam de 3% a 7% ao ano, para referência. “Nós tivemos clientes que aumentaram em 40% o preço de venda. E foi só o repasse que pagamos de aumento de tecelagem, de produto químico, linha, zíper. Tudo subiu muito. Estamos pagando a conta até hoje”, diz.
Excluído o efeito da covid-19, o que ficou mais caro tem menos a ver com os investimentos para modernizar a cadeia de produção e mais com uma outra discussão: a das substâncias restritas em aviamentos. Moretto dá o exemplo do níquel, por exemplo, usado em zíperes durante toda a história da empresa pela alta resistência a reações químicas relacionadas à lavagem do jeans. Agora, o ZDHC — sigla para Programa de Descarte Zero de Produtos Químicos Perigosos — definiu que é uma substância restrita.
“Tivemos de substituí-lo por outro produto e ficou infinitamente mais caro. Além disso, a gente tem de lidar com componentes, como strass, por exemplo, que são importados e muitas vezes vêm com laudos fraudados. Quando chegam aqui no Brasil, descobrimos que têm componentes proibidos na formulação e não podemos usá-los nas peças. Estamos indo para uma seara que é o detalhe do detalhe”, diz a executiva, quando o tema é sustentabilidade. Para se manter na cadeia de fornecimento de grandes marcas e redes de varejo, não há outra saída. E é por isso que tudo é conferido pela empresa realmente nos mínimos detalhes. Esse é, cada vez mais, seu diferencial na indústria.
Como resultado desse efeito e da restrição do poder de compra do consumidor, o que a Ufoway viu em 2022 e deve ver em 2023 é a redução no volume de encomendas por parte dos clientes. Na prática, não há perda de receita, mas uma estabilidade, entregando menos peças, a preços mais altos. Para este ano, a diretora projeta um orçamento também estável em volume de peças vendidas. “Nosso trabalho, hoje, tem sido entregar com cada vez mais qualidade e eficiência”, diz. A demanda, nesse meio tempo, só aumenta. A Renner, por exemplo, uma das clientes da empresa, afirmou no ano passado que 100% das peças em jeans têm algum atributo de sustentabilidade (que varia entre algodão certificado, processos com consumo reduzido de água e fio reciclado, por exemplo). A novidade veio na quinta coleção Re Jeans, feita exclusivamente com técnicas de upcycling.
Em meio a esse tipo de discussão, a Ufoway procura se tornar cada vez mais atual e sustentável. Além dos investimentos na própria cadeia de produção, a empresa estuda fazer um mapeamento mais profundo das emissões de carbono para obter novas certificações — o que, ao longo do tempo, ajudará a companhia a se manter competitiva para um pool cada vez maior de clientes.
Hoje, as empresas estão focadas em reduzir as emissões de escopo 1 e 2, que dizem respeito basicamente a tudo que está da porta para dentro mais a fonte da energia consumida. Em meio a esse processo, traçam metas também para as de escopo 3, que penetra toda cadeia de fornecimento, um ponto para o qual a Ufoway já quer se mostrar pronta.
Por causa de todo esse conjunto, Moretto vê discussões como a do trabalho escravo, que ainda permeiam a moda em pleno 2022 — com dúvidas sobre a cadeia de produção da Shein, por exemplo — como antiquadas no cenário brasileiro e, principalmente, no de indústrias no sul do país.
“Hoje eu vejo uma cadeia muito transparente, bem fiscalizada. Nós somos uma indústria auditada todos os meses. Tenho da ABVTex, da Renner, da Zara, da Calvin Klein, tem a Fama, que é uma certificação internacional, Restoque, Grupo Soma, Shoulder… Eu realmente não sei se, no Brasil, tem algum segmento tão auditado quanto o nosso”, diz a diretora.
A discussão de trabalho escravo pode ser antiga na visão da executiva, mas o cuidado com o trabalhador é cada vez mais atual. E pode ser também considerado core business. Se hoje a indústria não vê assim, logo verá. Afinal, a moda nada passageira do ESG diz respeito a três fatores: ambientais, sociais e de governança.
De olho em construir um ambiente saudável aos colaboradores, a Ufoway conta com uma série de benefícios, como uma escola inteiramente dedicada aos filhos de quem trabalha na Ufoway. Sem distinção. O Centro de Educação Infantil, chamado “Alinhavando o futuro” acolhe crianças entre 4 meses de idade aos 5 anos, em tempo integral. Com capacidade para 70 alunos, o espaço tem como objetivo fazer com que os pequenos já saiam dali prontos para o primeiro ano. O espaço teve um investimento de R$ 1,5 milhão para ser criado e, hoje, demanda uma manutenção de R$ 650 mil anualmente. Além disso, há também o “Viva com Tudo”, projeto criado na pandemia para proporcionar equilíbrio e bem-estar com uma psicóloga clínica de forma gratuita, e a iniciativa “Sonho de Vida”, em que, a cada três anos, os funcionários mandam uma carta contando seu maior desejo. Ao fim do processo, um deles é escolhido para ser realizado.
L’accord: a “filha mais nova”
Para coroar toda essa trajetória de esforço e dedicação à cadeia do jeans, a Ufoway lançou em 2022 a L’accord, marca própria que surgiu por iniciativa da executiva no intuito de trazer novidade e tirar a executiva da zona de conforto. A ideia (que se cumpriu) era ter relacionamento com o cliente final e gerar experiência positiva. Tudo de forma direta, sem representantes. No mundo atual, não há quem não queira ter ao menos uma das mãos dadas ao consumidor. É lá que está o pulso do mercado, afinal. Ainda mais na era dos dados e da inteligência artificial.
A marca, que vende somente via e-commerce, não tem pressa em ganhar o Brasil. Assim como a empresa-mãe, escolheu como posicionamento produtos de qualidade e experiência positiva desde o dia um. Como indicador de sucesso, mesmo com pouco tempo de vida, a executiva afirma que tem clientes que compraram mais de 10 vezes no site.
Para o ano que vem, uma possibilidade estudada de olho em garantir a expansão é fortalecer o relacionamento com o canal multimarcas. Um passo possível é o de criar um site específico para os lojistas, de olho em garantir essa interação com eles, mais uma vez, de forma direta.
“A história da Ufo não me deixou com muita paciência [risos]. A gente cresceu de forma muito significativa, algo que também queremos replicar com a L’accord. Hoje, a gente vê que onde chega, fica. É isso que queremos manter e expandir cada vez mais para todo o Brasil”, diz Moretto. Se a história do jeans muda ao longo do tempo, a Ufoway quer mostrar que está pronta para se adaptar, mas com um valor que permanece: a vontade de fazer o melhor.
Saiba antes. Receba o Insight no seu email
Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade