A aposta de R$ 25 bi da ArcelorMittal no aço brasileiro – apesar da China
Com operação rentável de olho em oportunidades em infraestrutura, a multinacional coloca o Brasil no centro da estratégia, diz o CEO Jefferson De Paula; imposto de importação para produto chinês está longe do ideal, “mas é um avanço”
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 18 de junho de 2024 às 07:09.
Última atualização em 21 de junho de 2024 às 13:21.
Numa conversa de uma hora com Jefferson De Paula, CEO da ArcelorMittal no Brasil, dá até para esquecer das dificuldades enfrentadas pela indústria siderúrgica no país.
Enquanto o setor sofre em meio à enxurrada de produtos chineses – cuja importação aumentou 50% no ano passado e mais 25% só no primeiro trimestre deste ano –, a Arcelor está implementando um dos maiores planos de expansão no país, com investimentos de R$ 25 bilhões entre 2022 e 2026.
Desse valor, R$ 11,2 bilhões foram desembolsados no ano passado com a compra da Companhia Siderúrgica do Pecém, que acrescentou 3 milhões de toneladas de capacidade e abriu as portas para os mercados do Norte e Nordeste, onde a companhia, a maior fabricante de aço do país, com 42% da produção, ainda não tinha nenhuma unidade.
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Outros R$ 4,2 bilhões foram investidos numa joint venture com a Casa dos Ventos para assegurar 40% do seu abastecimento energético com a matriz limpa de energia eólica, com um projeto na Bahia.
Os cerca de R$ 9 bilhões restantes estão sendo gastos em diversas fábricas espalhadas em oito Estados do País – de uma nova unidade de pelotização de minério de ferro na também mineira Serra Azul até uma nova linha de produção em laminados a frio em São Francisco do Sul (SC), passando por investimentos que eram ensaiados há anos, como a ampliação da unidade de aços especiais de João Monlevade (MG).
Tudo isso deve levar a um aumento da capacidade de produção dos atuais 15,5 milhões de toneladas de aço para 17,5 milhões por ano em 2026.
“O Brasil é um mercado consumidor enorme, em que falta tudo em termos de infraestrutura: saneamento, habitação, rodovias, ferrovias, transmissão de energia. A oportunidade de crescimento é gigantesca”, aponta De Paula.
Hoje, o consumo de aço no Brasil é de 108 kg por habitante, menos da metade dos 230 kg da média mundial. Ainda assim, trata-se quase de uma profissão de fé na capacidade do Brasil de fazer projetos estruturantes: em 40 anos, o consumo per capita avançou apenas 8%, numa das estatísticas mais emblemáticas da vocação nacional de perder oportunidades.
Enquanto outras siderúrgicas fizeram um ciclo de investimentos mais robusto nos últimos anos, a ArcelorMittal ficou mais atrás e hoje opera praticamente a plena capacidade, com utilização de 85% do seu parque fabril – com um fator de ociosidade considerado ideal para acomodar eventuais paradas para manutenção.
A média do setor é de uma utilização de capacidade é de 65%, o que se traduz em margens apertadas (quando não negativas) em meio à menor diluição dos custos fixos.
“Outra característica da Arcelor no Brasil é que crescemos muito via aquisições, ou seja, não compramos apenas capacidade, mas também os clientes e o mercado consumidor que eram abastecidos por essas empresas”, diz o CEO.
A ArcelorMittal Brasil responde por 12% da receita do grupo no mundo, mas por 25% do EBITDA – com um nível de excelência de operação e margens que a colocam entre as melhores do globo para o conglomerado. “O bom desempenho financeiro certamente é um dos principais fatores pelos quais o Brasil está recebendo os investimentos”, diz o executivo, que tem 30 anos de casa e já comandou as operações do grupo na Argentina e na Europa.
Parte desse bom desempenho vem da operação integrada da companhia, que atua desde o upstream, garantindo a matéria-prima com operações de minério de ferro e carvão vegetal para abastecer parte de sua indústria, até o downstream, beneficiando o aço bruto nos diversos produtos, além de controlar também grande parte da distribuição.
O fator China
Engana-se, contudo, quem acredita que a China não tenha tirado o sono de De Paula.
“Por ora, isso não mexeu em nada nos nossos planos de investimentos, que segue a pleno vapor. Mas a situação é complicada e se resume em duas palavras: concorrência desleal”, aponta.
No ano passado, as vendas da Arcelor Mittal no Brasil cresceram 2,2 milhões de toneladas, para 13,7 milhões de toneladas – um número que deveria ficar mais próximo da estabilidade não fosse a aquisição de Pecém.
Ainda que menos vocal na mídia que outras empresas do setor que foram obrigadas a fechar algumas fábricas no país – como a Gerdau, cujo CEO Gustavo Werneck incorporou a pauta em 10 de cada 10 discursos –, De Paula teve mais de uma centena de reuniões com membros do governo desde o ano passado, na condição também de presidente do conselho do Aço Brasil, associação que reúne as siderúrgicas nacionais.
É, em parte, dele a vitória que resultou num imposto de importação de 25% para os 11 principais produtos siderúrgicas que chegam da China para o país, anunciada neste ano.
A proposta ficou longe do que queria o setor: um imposto na cabeça para qualquer tipo de produto siderúrgico chinês que chegasse ao país, a exemplo do que fizeram países como Estados Unidos, Europa e vizinhos latino-americanos como o México e até mesmo o Chile, considerado um dos países mais liberais e abertos ao comércio internacional da região.
Por aqui, o alívio veio na forma de um arranjo complexo: o governo estabeleceu uma cota de produtos que podem entrar no país sem imposto de importação. A base foi a importação chinesa de 2020 a 2022, antes do boom de 2023, portanto.
Mas, em meio ao lobby dos setores de máquinas e construção, os principais consumidores de aço, essa média foi acrescida em 30%. Tudo que superar esse patamar está sujeito ao novo imposto.
De novo, um complicador: quem já importa aço chinês terá direito a 80% dessa cota. Os 20% restantes ficarão a cargo de eventuais novos importadores.
O monitoramento da entrada de produtos chineses vai acontecer de forma trimestral.
“É o que o setor siderúrgico queria? Não. As fórmulas são complexas, foi só assim que o governo aceitou. Mas é um avanço, especialmente por conta desse acompanhamento que vai ser feito. O objetivo final é reduzir a importação chinesa. Se essa importação não cair, a gente vai ter que rediscutir de novo”, afirma o executivo.
Sinergias de Pecém
Um ano depois da compra da siderúrgica de Pecém, De Paula afirma que a integração vem acontecendo mais rápido que o esperado. De acordo com o balanço fechado de 2023, as sinergias capturadas desde a aquisição foram de US$ 100 milhões, o dobro do estimado antes da compra.
“Compramos a CSP, no curto prazo, porque tem rentabilidade. Mas no médio e longo prazo, é uma oportunidade, porque essa planta é o futuro da Arcelor Mittal no Brasil”, afirma.
Com a capacidade de produção de 3 milhões de toneladas em placas quase toda tomada, a unidade pode ser expandida para 5 milhões de toneladas “com pouco investimento”, segundo executivo.
“Não temos presença industrial no Norte e Nordeste, podemos ir mais para a rente, no downstream. Hoje a gente só faz produtos intermediários.”
Próxima ao porto e com cerca de 70% da produção voltada o mercado externo, há possibilidade de fazer produtos e abastecer também América Latina, Central e o Sul dos Estados Unidos.
Outra vantagem da região é o acesso à energia limpa, com um acesso à eletricidade verde que promete transformá-la numa das pioneiras na produção de hidrogênio verde – crucial para a descarbonização dos altos fornos da siderurgia.
“Pecém pode virar um hub para aço de baixo carbono”, afirma De Paula.
Energia limpa
A ArcelorMittal é pioneira nos compromissos para a redução das emissões de carbono. A meta global é reduzir em 25% as emissões por tonelada de aço até 2030, tornando-se net zero em 2050.
“A meta intermediária é o que está a nosso alcance, o que conseguimos fazer hoje com as tecnologias que estão na nossa mão”, afirma De Paula.
A descarbonização completa depende de outras tecnologias que hoje estão em desenvolvimento, como o uso de hidrogênio verde e outras fontes para produzir aço a partir da redução direta.
Patrocinadora das Olimpíadas de Paris, a companhia produziu uma tocha olímpica com aço de zero emissão que já está rodando o mundo. Mas não aposta no fim dos altos-fornos. “A indústria siderúrgica não tem margem para isso, por isso, como grupo, estamos apostando em tecnologias de captura e armazenamento de carbono, para estocar essas emissões e não permitir que elas cheguem até a atmosfera.”
Por mais que o Brasil tem uma vantagem em relação a outros países do mundo quando o assunto é matriz energética renovável, De Paula ainda não vê uma vantagem clara na forma de preço por parte dos concorrentes.
“Tem muito interesse, principalmente por parte da indústria automobilística, de entender melhor nossas metas. Mas pagar prêmio por um aço mais limpo ainda não é uma realidade, ao menos não em escala”, diz.
Ele também não aposta no CBAM, o imposto que será cobrado pela Europa para produtos intensivos em carbono e que passa a valer no ano que vem, como uma alavanca para o produto brasileiro.
“Eles não consideram o escopo 2 [de consumo de energia], somente o escopo 1 [envolvido na produção] e, de certa forma, tem um componente bastante protecionista nessa agenda”, diz.
Ainda assim, a companhia vem apostando alto em limpar cada vez mais a matriz energética no Brasil.
Além dos investimentos no projeto com a Casa dos Ventos na Bahia – que vai corresponder a 40% da necessidade de energia da companhia até 2030 –, a companhia está “em fase avançada” para a entrada também em projetos solares, que devem contribuir para atender a metade de ser 100% abastecida por fontes renováveis até o fim da década, diz o executivo.
A companhia em forte atuação em Minas Gerais, um dos estados de mais insolação e com os maiores projetos de energia solar do Brasil.
Seja no aço ou na energia, a ArcelorMittal ainda vê o sol brilhando no país.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.