2021: "o primeiro ano do novo século", para Fersen Lambranho
Nesse artigo desabafo, o presidente do conselho de administração da GP Investments escreve como a pandemia traz só agora a real virada do século
Publicado em 18 de dezembro de 2020 às 14:38.
Última atualização em 18 de dezembro de 2020 às 14:47.
Ano que se esvai com cara que não vai acabar ainda. Vai acabar aos pouquinhos, em cada gota de vacina, e em cada pessoa imunizada.
2021 vai ser o ano do ajuste, do retorno, do reencontro e de “pivotar”, o termo mais usado em 2020.
Para mim, o século XXI começa, de fato e por coincidência, em 2021. Não é interessante? Talvez não seja pura coincidência: 20+21. O século 20 foi o último regido pelas leis de Newton.
A pandemia mostrou que somos capazes de ir para o digital mais rápido do que o previsto. Afinal, em 2020, avançamos 10 anos neste caminho. Dito isso, 2020 também nos trouxe de volta para casa, para nossas famílias, para nosso “eu”. Não é por outra razão que assistimos a um aumento no número de divórcios, gente bebendo mais, gente engordando além do que deveria. Efeitos colaterais de se “voltar para dentro”. Tendo a imaginar que, na média, a sociedade evoluiu. O crescimento costuma vir da dor.
Uma dor diferente, desta vez. Nos últimos 4 anos, a estatística mostra que, em média, 55 milhões de pessoas morrem, por ano, em todo o mundo. Neste ano de 2020, já temos 56 milhões de óbitos, incluindo a COVID-19. Provavelmente menos gente foi assassinada, menos pessoas morreram no trânsito e coisas assim, porque saímos menos de casa.
A questão é que pessoas deixaram de morrer por causas que nos “acostumamos”, para morrerem repentinamente, de algo que é sorrateiro, rápido, invisível, incerto, e que não nos permite acompanhar os doentes, e velar suas mortes.
O perigo do contágio está em quem você conversa, abraça, beija e ama. A covid não atingiu só a fragilidade de nossos corpos — porque isso todas as doenças fazem. A covid atingiu a nossa humanidade. Uma dor que corta a carne profundamente, e que nos revolta quando alguém, insensível, faz pouco ou minimiza seu efeito.
O século que estreia em 2021 não vai alterar a nossa essência. Estudos em Harvard mostram que a longevidade está relacionada às relações sociais, mesmo que tais relações sejam superficiais. Segundo este estudo, conversar com o porteiro, com a vizinha, com alguém em uma fila é mais importante do que fazer exercício e comer pouco, por exemplo.
Na HBO tem uma serie chamada “Pátria”, produzida na Espanha. O tema pode não atrair muitos, porque se trata de uma história ambientada nos Países Bascos, ao longo de 30 anos, e é relacionada ao conflito do ETA — o movimento separatista basco.
“Pátria” é, na verdade, a história de gente, famílias, sonhos e desafetos. Acima de tudo, reflete como amizades de longa data podem se deteriorar com o tempo e com a falta de diálogo. Embora o enredo se desenrole numa cidade pequena, sintetiza uma comunidade humana como a que todos nós vivemos.
Nesta pandemia estamos todos estressados, cada um a seu modo, e afastados de muitos que tanto gostamos. Importante ver os personagens femininos da série porque, quando voltamos para casa, as mulheres dominam o ambiente e, de certa forma, ditam a dinâmica da família.
Pelo mundo afora, vejo gente que vive apartada do seu país de origem. Na situação extrema da pandemia, que é a mais extrema que vi na vida, ficou clara, para mim, a frase de Fernando Pessoa:
“Minha pátria é minha língua.”
A língua que a mãe passa para o filho, pelo leite do peito. A língua na qual aprendemos a simular a vida, na chamada brincadeira. A língua que foi a trilha sonora dos nossos primeiros sonhos.
Que venha o século XXI. Que neste, o conceito de Pátria não se defina por fronteiras geográficas, mas que seja abrangente, com base na solidariedade humana.
*Fersen Lambranho é Master of Science, Engenheiro e Chairman da GP Investments
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