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Donald Trump

10 lições dos últimos 197 anos sobre os efeitos das tarifas de Trump

Estudo da FDRA, maior associação do setor calçadista dos EUA, analisou os prováveis impactos econômicos, políticos e sociais das tarifas de Trump

Efeito das tarifas? experiências anteriores revelam é que, embora o discurso mude de tom, os efeitos das tarifas costumam seguir um padrão conhecido (Mandel Ngan/AFP)
Efeito das tarifas? experiências anteriores revelam é que, embora o discurso mude de tom, os efeitos das tarifas costumam seguir um padrão conhecido (Mandel Ngan/AFP)
Carolina Ingizza

Carolina Ingizza

Redatora na Exame

Publicado em 7 de abril de 2025 às 14:15.

Última atualização em 7 de abril de 2025 às 16:52.

A mais recente ofensiva tarifária dos Estados Unidos, encabeçada pelo governo de Donald Trump, provoca reações internacionais e críticas internas — reacendendo uma discussão antiga no país.

Assim como em 1890 e 1930, as tarifas de 2025 são defendidas com discursos patrióticos e promessas de prosperidade: proteger os trabalhadores americanos, estimular a produção interna e conter o avanço de concorrentes estrangeiros. Mas o que as experiências anteriores revelam é que, embora o discurso mude de tom, os efeitos das tarifas costumam seguir um padrão conhecido.

É isso que mostra um estudo publicado pela FDRA, a maior entidade da indústria calçadista americana, uma das mais afetadas por tarifas de importação — hoje, segundo a associação, 99% dos calçados vendidos nos EUA são fabricados fora do país. O relatório foi elaborado por Andy Polk, vice-presidente sênior da FDRA, mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics e ex-assessor no Congresso dos Estados Unidos.

A análise percorre os seis principais episódios de guerras tarifárias enfrentadas pelos EUA desde 1776. Com base nessa retrospectiva, a FDRA elenca 10 lições que ajudam a prever os possíveis impactos das tarifas sobre os consumidores, o agronegócio, as cadeias de suprimento, a política externa e o eleitorado. A seguir, veja quais são essas lições.

1 - Impactos na agricultura

Em todos os grandes ciclos tarifários dos EUA, o setor agrícola saiu perdendo, segundo o relatório da FDRA. Desde 1828, quando o Reino Unido freou importações e derrubou preços de commodities, até 1930, quando o senador Robert La Follette classificou a tarifa Smoot-Hawley como “a pior da história”, o padrão se repete: mais custos para os produtores e menos acesso a mercados externos.

O cenário atual não é diferente. As tarifas de 2025 já encarecem insumos como o potássio — essencial para as lavouras americanas e majoritariamente importado do Canadá. Com o aço e o alumínio também taxados, até o preço de tratores pode subir. Um líder rural do Kansas alertou: “As tarifas vão nos prejudicar”. A resposta de Trump foi direta: “Divirtam-se”.

2 - Consumidores pagam a conta

Não importa a década: tarifas elevam os preços ao consumidor. Em 1828, elas encareceram tanto os insumos para fabricantes locais quanto os produtos importados. Em 1890, itens do dia a dia como roupas, açúcar e enlatados ficaram mais caros — por serem taxados ou por perda de concorrência externa.

O mesmo aconteceu em 1930: segundo estudo da Universidade de Wisconsin, a tarifa sobre o açúcar custou aos americanos US$ 384 milhões por ano. Já em 2018 e 2019, pesquisas do Federal Reserve mostram que quase todo o custo tarifário foi repassado aos consumidores, com aumentos em eletrodomésticos, roupas e móveis.

Agora, em 2025, o efeito se repete. Relatórios já alertam para alta em alimentos, impacto sobre fábricas e prejuízo direto ao bolso: as tarifas de Trump sobre Canadá, México e China podem custar mais de US$ 1.200 por ano por família americana, segundo estudo do think tank americano Peterson Institute for International Economics.

3 - Sempre há retaliação

A história mostra que as tarifas americanas são seguidas por respostas duras de parceiros comerciais. Em 1828, o Reino Unido aumentou as taxas sobre o algodão americano e reduziu compras de tabaco.

Já em 1890, o McKinley Act impulsionou o protecionismo do Reino Unido, incentivando a formação de um bloco comercial com tarifas preferenciais dentro do Império Britânico. A tentativa americana de pressionar o Canadá saiu pela culatra: em vez de se aproximar dos EUA, o país reforçou laços com Londres.

Em 1930, o Canadá reduziu tarifas para produtos do Império Britânico e impôs retaliações sobre alimentos e commodities dos EUA. Mais de 20 países seguiram o exemplo. Em 2018, a história se repetiu: China, México, Canadá e União Europeia reagiram com tarifas sobre produtos agrícolas, bebidas, automóveis, aço e alumínio. Agora, em 2025, o cenário volta a se repetir com o anúncio rápido de medidas retaliatórias contra as tarifas da gestão Trump.

4 - Eleitorado pune quem cria tarifas

Ao longo de dois séculos, a adoção de tarifas foi frequentemente punida pelo eleitorado, seja em eleições presidenciais ou legislativas.

Em 1828, o então presidente John Quincy Adams viu sua popularidade despencar após sancionar uma tarifa polêmica — e perdeu a reeleição para Andrew Jackson. A história se repetiu em 1932, quando o presidente Herbert Hoover, fragilizado pelo impacto da tarifa Smoot-Hawley em meio à Grande Depressão, foi derrotado por Franklin D. Roosevelt.

Mais recentemente, a guerra comercial de Donald Trump em 2018 custou cadeiras ao Partido Republicano nas eleições legislativas. Em 2025, a reação do eleitorado já se desenha no horizonte — com críticas crescentes sobre os efeitos econômicos das novas tarifas.

 5 - Justificativas nacionalistas

Desde o século 19, a narrativa da “justiça” econômica tem sido usada como justificativa para o aumento de tarifas. Em 1890, William McKinley defendeu sua proposta dizendo que ela traria “justiça a cada indústria e trabalhador americano”.

O discurso se repetiu em 1922, quando o Congresso aprovou a tarifa Fordney-McCumber. Os defensores alegavam que, após a Primeira Guerra Mundial, era necessário proteger a indústria nacional da concorrência estrangeira — um apelo à ideia de “jogo justo”.

Em 2025, Donald Trump voltou a acusar países como China e Japão de manipular suas moedas e afirmou que os EUA foram “explorados por praticamente todos os países”.

6 - Caos cambial

Grandes tarifas frequentemente provocam efeitos colaterais nos mercados de câmbio, desestabilizando moedas e enfraquecendo economias ao redor do mundo. Após o aumento tarifário de 1890, os padrões monetários baseados em ouro e prata sofreram forte pressão. O preço da prata caiu globalmente, e países exportadores para os EUA passaram a ter dificuldade para obter ouro americano — essencial para manter a estabilidade cambial. O resultado foi uma fuga de ouro dos EUA a partir de 1893.

No início da década de 1930, o Reino Unido abandonou o padrão ouro para conter a pressão sobre sua moeda. A medida desencadeou uma onda de protecionismo: a França impôs sobretaxa de 15% sobre produtos britânicos, enquanto a Holanda elevou tarifas em 25% para compensar a vantagem competitiva dos países que desvalorizaram suas moedas.

Hoje, o cenário se repete. As tarifas de 2025 reacenderam debates sobre desvalorização cambial como estratégia comercial. Trump já defendeu publicamente um dólar mais fraco — movimento que, segundo especialistas, ameaça desorganizar o comércio global e afetar empresas americanas que dependem de importações ou atuam no exterior.

7 - Nacionalismo

Ao longo da história, tarifas elevadas deixaram de ser apenas medidas econômicas e passaram a alimentar disputas nacionalistas. A Tarifa de 1828, por exemplo, foi um dos fatores que acirraram as tensões entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil (1861–1865).

Nos anos 1930, a Tarifa Hawley-Smoot levou potências como Reino Unido e França a fortalecerem blocos econômicos fechados, excluindo os EUA. Alemanha e Japão, sob forte pressão econômica, optaram por ampliar seus territórios à força, em um movimento que culminaria na Segunda Guerra Mundial.

Em 2025, a retórica nacionalista voltou com força. O premiê canadense ameaçou cortar exportações de eletricidade para os EUA “com um sorriso no rosto”. Ao mesmo tempo, o país busca alianças com potências asiáticas para reduzir sua dependência dos americanos. A China endureceu o discurso: “Se os EUA quiserem guerra — seja de tarifas, comércio ou qualquer outra — estamos prontos para lutar até o fim.”

8 - Disputa entre Poderes

Grandes tarifas costumam reabrir debates sobre os limites da Constituição dos EUA e a distribuição de poderes entre o Executivo, o Legislativo e os estados.

Em 1828, o então vice-presidente John C. Calhoun defendeu, no manifesto “Exposição e Protesto da Carolina do Sul”, que os estados tinham o direito de anular leis federais consideradas inconstitucionais. Durante a crise de 1930, o Congresso tentou tirar do presidente o poder de alterar tarifas, por meio do projeto de lei Collier, que previa um conselho do consumidor e novas regras para a negociação comercial.

Em 2025, Trump usa as tarifas como instrumento central de sua política externa e comercial, reacendendo críticas sobre o excesso de poder presidencial. No Senado, republicanos bloquearam um projeto que pretendia limitar a capacidade do presidente de impor tarifas unilaterais a países aliados.

9 - Populismo vs. economia

Em momentos de forte tensão política, a formulação de políticas tarifárias costuma ser guiada mais por ideologia, populismo e interesses pessoais do que por fundamentos econômicos, segundo Polk.

No debate tarifário de 1890, o próprio William McKinley admitiu que os altos impostos de importação não refletiam convicções econômicas, mas sim um cálculo político para aprovar o projeto no Congresso: “Sabia que algumas alíquotas estavam altas demais, mas não conseguiria aprovar a lei sem isso.”

Em 2025, a lógica parece se repetir. O assessor de Trump Peter Navarro chegou a desprezar críticas vindas do setor privado e acusou opositores das tarifas de “desonrar” vítimas de overdose de fentanil.

10 - Pressão política

Ao longo da história, presidentes e parlamentares americanos muitas vezes reconheceram os efeitos negativos das tarifas, mas optaram por mantê-las por conveniência política ou falta de alternativas viáveis. Em 1828, John Quincy Adams aceitou um pacote tarifário mais agressivo do que gostaria, pressionado pelo Congresso, que se recusava a debater propostas moderadas.

O cenário se repetiu em 1930. Hoover recebeu críticas de todos os lados ao sancionar a tarifa, mesmo ciente da resistência de agricultores, empresários e da opinião pública. Segundo seu secretário, “raramente houve no país uma onda de protestos tão grande quanto a provocada por essa lei”.

Em 2025, a dinâmica continua. Enquanto o mercado reage negativamente às tarifas de Trump, parlamentares republicanos demonstram desconforto, mas evitam confrontar abertamente o presidente. “Um pequeno distúrbio” provocado pela guerra comercial seria aceitável, afirmou Trump, minimizando os impactos econômicos da medida.

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Carolina Ingizza

Carolina Ingizza

Redatora na Exame

Repórter freelancer. Antes, trabalhou na revista EXAME, no jornal Financial Times e no site JOTA.

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