Esporte

SAF no Flamengo? Entenda como clubes ricos também podem se aproveitar da lei

Em entrevista para EXAME, Marco Sirangelo, Head de projetos da Outfield e especialista em gestão esportiva, afirma que a SAF pode ser vantajoso para clubes financeiramente estáveis como o Flamengo

Depois de Cruzeiro, Botafogo e Vasco, um dos maiores clubes do Brasil, o Flamengo, estuda virar SAF em futuro próximo (Hector Vivas/Getty Images)

Depois de Cruzeiro, Botafogo e Vasco, um dos maiores clubes do Brasil, o Flamengo, estuda virar SAF em futuro próximo (Hector Vivas/Getty Images)

Antonio Souza
Antonio Souza

Repórter da Home e Esportes

Publicado em 22 de março de 2023 às 11h31.

Última atualização em 22 de março de 2023 às 11h52.

Os investimentos no futebol crescem cada vez mais no Brasil. Os clubes têm pensado em modificar a forma de gerir os financiamentos da instituição, muitas vezes por conta de dívidas ou problemas financeiros de um modo geral.

Desde 2021, a sigla SAF tem tomado conta dos noticiários esportivos e alguns clubes já aderiram a tal lei. Apesar de ser muito falado, muitos torcedores ainda tem dúvidas do que exatamente significa uma SAF e se isso realmente será benéfico para seu clube do coração.

O que é SAF?

A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é uma lei criada no Congresso em 2021 que estimula os clubes brasileiros a deixarem de ser uma instituição sem fins lucrativos para se tornar uma empresa. Essa legislação, estimula os times a se tornarem "clube-empresa", cuja a organização controla os meios de financiamento específicos para o futebol.

Um clube-empresa pode atrair investidores, vender parte acionária, assim como uma empresa normal. Os exemplos mais recentes no Brasil foram no Cruzeiro e Botafogo, onde o ex-jogador Ronaldo fenômeno virou sócio majoritário do Cruzeiro e John Textor do clube carioca.

Flamengo vai virar SAF?

Depois de Cruzeiro, Botafogo e Vasco, um dos maiores clubes do Brasil, o Flamengo, estuda virar SAF em futuro próximo. A ideia partiu do presidente do clube, Rodolfo Landim, em reunião dos conselheiros do clube junto a Carlos Portinho (PL/RJ), relator da Lei da Sociedade Anônima do Futebol.

O presidente apoia a possível implementação do formato com o objetivo de captar recursos para construção do próprio estádio. Mas por que um clube financeiramente estável como o Flamengo deseja seguir um modelo de clube-empresa?

Em entrevista para EXAME, Marco Sirangelo, Head de projetos da Outfield e especialista em gestão esportiva, afirma que a SAF pode ser vantajoso para clubes financeiramente estáveis como o Flamengo: "Os clubes ricos não precisam abrir mão para se tornar SAF, pois já são bem geridos. O que podem fazer é olhar a lei como uma possibilidade de terem mais receita através de venda minoritária. Talvez o mercado goste da ideia para comprar 10% de um clube como Flamengo, por exemplo, porque a gestão financeira é saudável e provavelmente o clube siga no topo por algum tempo, completou.

A respeito de patrocínios e marketing, Marco defendeu que a SAF pode aumentar a credibilidade do clube e com isso gerar mais interesse de marcas. "Com a SAF, os clubes estão atrelados a organização esportiva. Uma marca que pretende se associar a um clube, leva a credibilidade em consideração e com a SAF, abre espaço para esse ganho de confiabilidade"

"Nem sempre clubes com grandes dívidas irão virar SAF, clubes com dívidas organizadas ou saudáveis também poderão aderir a esse modelo, ela pode ser uma alternativa para clubes médios se tornarem clubes gigantescos”, completou

SAF também é caminho para clubes entrarem na Bolsa de Valores

Caminho antigo na Europa, a abertura de capital na Bolsa de Valores no futebol começa a ser debatida também no Brasil. Para conseguir essa entrada, é obrigatório que os clubes estejam constituídos como Sociedade Anônima do Futebol.

Como a SAF é algo incipiente no país, visto que a regulamentação do tema só aconteceu a partir de 2021, as gestões engatinham quando esse é o assunto, mas já começam a discuti-lo internamente.

"O processo de abertura de capital de um clube brasileiro na Bolsa de Valores, que parecia ser um fato distante, ganhou tração após a Lei das SAF e as posteriores vendas de clubes para investidores estrangeiros. Isso não quer dizer que possa acontecer rapidamente, mas mostra que as condições para tanto estão sendo formadas e não será uma surpresa se um clube tomar esta iniciativa", indica o advogado especializado em direito desportivo, Eduardo Carlezzo, do Carlezzo Advogados, cujo escritório assessora clubes da Series A e B na criação das SAF.

"O IPO neste momento cabe mais para os clubes que não tem intenção em se desfazer do controle das ações, já que poderiam criar a SAF, vender no mercado, por exemplo, algo como 30% e permanecer com o controle da empresa. Isso, portanto, se aplica a poucos clubes da elite do futebol nacional. Porém, o investidor americano, que é o grande comprador neste momento, não está focado neste tipo de operação, e sim na aquisição de controle dos clubes mediante operações privadas", explica Carlezzo.

Na Europa, a abertura de capital na Bolsa de Valores já acontece naturalmente, e pelo menos dez agremiações se destacam. O Manchester United, da Inglaterra, é o maior em valor de mercado - foi avaliado em US$ 1,7 bilhão na New York Stock Exchange (NYSE). O segundo melhor listado é a Juventus, da Itália, avaliado en € 884,1 milhões.

As atualizações do dia-a-dia do mercado, aliás, contribuem diretamente para queda ou aumento nesses ativos. Foi quando o atacante Cristiano Ronaldo chegou ao time italiano, em 2018. Na época dos rumores sobre a contratação, os ativos da Juve na Bolsa subiram 30%.

Quem aparece no Top 3 de times europeus destacadas na Bolsa é o Borussia Dortmund, da Alemanha, com avaliação de € 391,4 milhões. Já os que compõem a lista dos dez principais, estão Benfica, Sporting e Porto, de Portugal, Roma e Lazio, da Itália, Ajax, da Holanda, Celtics, da Escócia,

O executivo Jorge Braga, que comandou o processo de SAF no Botafogo e veio do mundo corporativo, com sucesso em empresas como Nextel e Claro, e que já foi conselheiro de companhias gigantes como a Citibank e a Dasa Digital, entende que estão se consolidando três modelos de SAF no Brasil.

"Segunda chance para clubes ultra endividados, capitalização e defesa de direitos dos mecenas e super credores, e pulverização estratégica do Capital. Para esta última é consenso a necessidade de existir uma estrutura formal de gestão e governança que pode ser muito facilitada pela constituição de uma sociedade anônima do futebol. Especialmente na hora de captar novos recursos, e aí se inclui um lançamento de ações na Bolsa, o caminho mais aceito e seguro seria através da venda de participação nesta empresa nova, corresponsável pelo pagamento da eventual dívida da associação, mas livre de penhoras, que a Lei da SAF viabiliza", explica.

Com três clubes na Bolsa, os portugueses foram precursos neste novo tipo de investimento. Por lá, os clubes tornaram-se Sociedade Anônima Desportiva (SAD) em 1997, em processo idêntico à SAF no Brasil. Para Renê Salviano, especialista em marketing esportivo e com passagem por diretoria comercial de instituições de futebol, essa abertura é mais uma maneira de os clubes buscarem novos recursos.

"Estamos falando não apenas em equilíbrio financeiro, mas também administrativo. O processo no Brasil deverá ser mais demorado, pois os clubes tornaram-se SAF muito recentemente, ao contrário do que acontece fora do país. Mas pode ser uma tendência, com movimento que trará um capital diferente e compartimento entre aqueles que investem. E já existe um modelo consolidado a servir como referência, que são esses times listados acima", aponta.

Jorge Braga, CEO com expertise em lei de SAF, afirma que existem outras formas para captação de novos recursos que vão além da abertura de capital, como os fundos de investimentos. "Esses, no entanto, são arranjos particulares, sem estrutura e segurança jurídica adequada para transações financeiras de maior porte e abrangência", esclarece.

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