Esporte

De Elgin Baylor a Colin Kaepernick, Vini Júnior marca novo episódio na luta antirracista no esporte

Postura de enfrentamento muda panorama e força providências no futebol espanhol

Vinicius Júnior se posiciona contra o racismo e se torna um símbolo de resistência no futebol (Vini Jr/Rede Social/Reprodução)

Vinicius Júnior se posiciona contra o racismo e se torna um símbolo de resistência no futebol (Vini Jr/Rede Social/Reprodução)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 24 de maio de 2023 às 15h17.

Última atualização em 24 de maio de 2023 às 15h35.

Em 1959, em pleno movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, Elgin Baylor, um dos principais jogadores da NBA de sua época, se recusou a disputar uma partida contra o Cincinnati Royals após ser discriminado junto a companheiros negros de Minneapolis Lakers em um hotel que só queria abrigar brancos.

Na mesma época, nomes como Jim Brown, da NFL, e o boxeador Muhammad Ali arriscavam suas carreiras de forma frequente para marcar suas posições, entre elas a luta antirracista.

Mais de cinco décadas depois, Colin Kaepernick segue ignorado por todas as franquias da NFL após se ajoelhar durante o hino nacional. O racismo segue como um fantasma que mancha a sociedade e o esporte no mundo inteiro, mas o forte posicionamento de Vinicius Júnior, vítima de ofensas racistas mais uma vez na Espanha (na derrota por 1 a 0 do Real Madrid para o Valencia, no domingo), ajuda a construir um novo episódio simbólico nesse histórico de resistência.

Vini Jr. e o combate ao racismo

Foram várias as vezes em que Vini deixou recados em suas redes sociais, mas, até então, eram poucas as providências tomadas para frear o comportamento criminoso do qual o atacante era vítima de forma quase sequencial.

De domingo para cá, algo mudou: os ataques no Mestalla, em Valencia, mexeram com o brasileiro num nível em que não foi possível mais tolerar a passividade dos dirigentes. A postura de enfrentamento do jogador do Real Madrid a Javier Tebas, presidente de La Liga, e a outros que tomaram partido dos infratores, fizeram dos últimos dias uma data marcante e do brasileiro um personagem grandioso na luta antirracista no esporte.

"O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui", escreveu um jogador em um de seus primeiros longos desabafos, uma fala que deu margem até mesmo a uma possível saída do Real Madrid.

Depois, Vini ainda fez questão de rebater Tebas, que pediu que o atacante "não se deixasse manipular" e afirmou que os casos de racismo (com oito ocorrências contra o próprio brasileiro) são "extremamente pontuais".

"Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas. Não sou seu amigo para conversar sobre racismo. Quero ações e punições. Hashtag não me comove", disse o jogador, que segue postando em suas redes sociais explicitando o comportamento racista entre torcedores da Espanha.

Sacrifícios para serem ouvidos

A postura mostra uma segurança nas suas reivindicações, garantida pelo próprio trabalho do jogador, hoje um grande nome do futebol mundial. Ao mesmo tempo, lembra os movimentos de sacrifício das grandes figuras para serem ouvidas ao deixar no ar até a possibilidade de ir embora do Real Madrid, clube que nunca escondeu ser seu maior sonho no futebol.

No caso de Vini, o apoio foi quase unânime: o presidente do clube Florentino Pérez se reuniu com ele logo após o ocorrido prometendo medidas duras e o técnico Carlo Ancelotti, que já havia se posicionado ao lado do jogador desde a partida de domingo, também garantiu sua permanência no clube.

Para o jornalista e comentarista do Grupo Globo Paulo Cesar Vasconcellos, as mudanças na sociedade e a forte figura de Vini, que considera uma referência aos jovens do povo preto, são caminhos para transformá-lo num símbolo dessa luta:

"No caso do Vinicius Junior, a mudança, entre outros aspectos, está aí. Ele não vai ser boicotado ou apagado pelo ponto de vista profissional. Pelo contrário, vai ganhar cada vez mais visibilidade. Exatamente pelo que representa e pelo que é a sociedade atual, uma sociedade com muito embate, com crescimento da extrema-direita, de simpatias em relação a ideias nazistas. Mas nesse instante, a carreira dele não vai sofrer nenhum abalo. Até por isso digo que ele pode se transformar num símbolo, porque o que vitimou outros atletas em épocas diferentes, não creio que vai vitimar o Vinicius".

Respostas das autoridades

Apesar da morosidade das autoridades espanholas nos ataques que sofreu — ninguém havia sido presos ao longo de quase dois anos de ofensas até os acontecimentos dos últimos dias —, a atitude de Vini mexeu com autoridades do país.

Luis Rubiales, presidente da Federação Espanhola (RFEF), foi um dos primeiros a reprovar o comportamento de Tebas e admitir que há um problema de comportamento racista na sociedade e no esporte da Espanha. Na terça-feira, foram sete detidos, três em Valência e quatro em Madri, pelos ataques de domingo e pelo caso do boneco pendurado em um viaduto antes do clássico contra o Atlético de Madrid, em janeiro.

O assunto virou pauta de conversas entre diplomatas e ministros de Brasil e Espanha e levou o presidente da Fifa, Gianni Infantino, a lembrar que o protocolo da entidade prevê duas paralisações e até o encerramento da partida em casos de racismo. Ainda na terça, a RFEF fechou parte da arquibancada do Mestalla, multou o Valencia e retirou os efeitos do cartão vermelho aplicado a Vini na partida.

"Não foi apenas a primeira vez que o futebol da Espanha tomou providências. Antes disso, foi a primeira vez que efetivamente o comportamento do torcedor e do dirigente espanhol foi confrontado. O que está acontecendo é uma consequência desse confronto. Ao apontar o crime dentro do estádio do Valencia, o Vinicius quebrou uma estrutura em que não havia enfrentamento. Havia um lamento aqui, um protesto acolá. Assim como dentro de campo ele pega a bola e vai para cima do marcador, ele foi para cima dessa estrutura, desse sistema que privilegia a prática do crime de racismo por omissão", adiciona Vasconcellos.

Colin Kaepernick sacrificou sua carreira, mas viu seu gesto de ajoelhar virar marca registrada de posições de protesto, como na NBA durante o auge do movimento Black Lives Matter e na Copa do Mundo do Catar em meio à discussão sobre o direito dos LGBTQIA+. Vini, por sua vez, vem ganhando apoio de colegas de profissão no Brasil e no mundo. A luta do jogador e de outros atletas negros no esporte seguirá sendo longa, mas já tem vitórias importantes fora e até dentro dos gramados. Na terça, o meia Yunus Musah, do Valencia, fez crítica aos torcedores próprio clube que cometeram o crime no Mestalla: "Se você é racista com ele, é racista comigo", escreveu o jogador americano de 20 anos em suas redes sociais.

Acompanhe tudo sobre:FutebolRacismoFutebol europeu

Mais de Esporte

Por que Belém se tornou a 'casa' da seleção brasileira na região Norte?

Inspirado em estádio de futebol, Clippers inaugura nova arena de mais de R$ 11,5 bilhões

Mike Tyson perde para youtuber Jake Paul em retorno ao boxe

Holanda x Hungria: onde assistir e horário pelo UEFA Nations League