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SAF: o combustível de aviação sustentável parece viável, mas representa menos de 1% do total (David McNew/Getty Images)
Repórter de ESG
Publicado em 20 de julho de 2023 às 07h01.
Última atualização em 20 de julho de 2023 às 07h25.
A diminuição das emissões de CO2 é um dos maiores desafios para as empresas do setor de aviação. Para acompanhar metas como as do Acordo de Paris, a indústria deve chegar à emissão zero de carbono até 2050. E, apesar do cenário de quase trinta anos, a corrida deve ser acelerada, visto que grande parte das iniciativas são recentes e deixam dúvidas sobre o que realmente é viável. Para compreender as possibilidades, a EXAME conversa com as principais companhias aéreas do Brasil, e analisa cenário internacional a partir de uma visita à sede da Airbus em Toulouse.
Uma das indústrias mais poluentes do planeta, a aviação gera 2,5% de todas as emissões globais anuais de CO2. Diminuir a emissão dos gases de efeito estufa é um desafio central para frear o aquecimento global em 1,5 grau celsius e evitar maiores desastres ocasionados pelas mudanças climáticas. Para isto, uma das mudanças necessárias é em relação à produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF).
O SAF é um biocombustível feito a partir de, por exemplo, milho ou óleo de cozinha. Apesar do Brasil ser um grande produtor de etanol, outro biocombustível, os testes e o uso do SAF são mais comuns no hemisfério norte. Exemplo disso é um acordo fechado na Europa, em abril, quando os fornecedores concordaram em garantir que 2% do combustível disponibilizado nos aeroportos da região seja sustentável até 2025. A proporção deve aumentar para 6% em 2030, 20% em 2035 e 70% em 2050.
Com a notícia, algumas companhias aéreas destacaram a já utilização do SAF. A Air France, por exemplo, afirmou estar envolvida no desenvolvimento desses combustíveis alternativos desde 2011 e pretende aumentar gradativamente seu uso para pelo menos 10% até 2030.
Ao invés de querosene, o SAF tem como base resíduos sólidos, resíduos de gordura animal e insumos agrícolas. O uso, entretanto, é um desafio pela necessidade de aumento da produção por parte das empresas de energia. Estima-se que atualmente o SAF represente apenas 0,1% do total de combustíveis utilizados na aviação. Para 2025, espera-se que a produção seja de 8 bilhões de litros, isto é, 2% do total.
A vantagem do SAF é a redução das emissões de CO2 em até 80% quando comparado ao querosene. De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), o SAF é sustentável também por não competir com colheitas ou produção de alimentos, nem exigir uso incremental de recursos, como água ou terra compensação e, de forma mais ampla, não promove desafios ambientais, como desmatamento, perda de produtividade do solo ou perda de biodiversidade. Contudo, o SAF não emite menos do que o querosene quando queimado no avião. O diferencial, na verdade, está na etapa de produção. Além disso, o voo pode ser operado com o combustível misto – parte querosene e parte SAF.
Outra vantagem do SAF é que ele pode ser produzido de forma a ser usado em um avião sem qualquer alteração mecânica. “Não precisar de mudanças no avião é de fato um dos incentivos para o uso do SAF, mas ele precisa acontecer com um conjunto de outras iniciativas como demanda e preço”, diz Steve Le Moing, chefe de assuntos ambientais da fabricante de aviões Airbus, que, atualmente, tem cerca de 30% dos voos operados com o uma mistura entre SAF e o combustível tradicional.
Se o SAF é ambientalmente vantajoso, o impasse atual ainda está no desenvolvimento e no preço. Enquanto ele custa de quatro a cinco vezes mais do que o combustível utilizado atualmente, as companhias aéreas e as fabricantes não se comprometem com a compra e a venda.
De acordo com as fabricantes, um dos desafios está no aumento da produção e no desenvolvimento de novas fábricas. É por isto, por exemplo, que a Vibra se compromete com metas apenas para 2025, quando estima produzir 500 milhões de litros em Manaus. A Raízen também afirma ter planos ambiciosos para liderar a agenda, mas a produção em si ainda precisa evoluir.
Para as fabricantes, o gargalo é ter competitividade no custo da operação de forma a se comprometerem com a compra. “Hoje não há escala para as empresas embarcarem nos projetos. Combustível é 40% do nosso custo e não podemos repassar isto aos clientes agora que o setor começa a ser reaquecido no pós-pandemia da covid-19”, diz Eduardo Calderon, diretor do Centro de Controle de Operações e Engenharia da GOL.
Ainda assim, as companhias brasileiras estão testando as possibilidades. O executivo da Gol afirma que a empresa tem acompanhado as discussões em fóruns recentes. Na Latam, por exemplo, a meta é que 5% da operação seja com SAF em 2030. Para isto, a companhia tem feito parcerias com a Airbus e utilizado o combustível sustentável pelo menos no transporte do avião da fábrica até o primeiro destino, no voo sem passageiros, conhecido como “ferry flight”.
“Em março de 2023, o grupo LATAM realizou a sua primeira operação internacional com SAF em um voo da LATAM Cargo Chile, de Zaragoza, na Espanha, para a América do Norte. Em seguida, iniciamos um estudo em parceria com Airbus e o Massachusetts Institute of Technology (MIT) para avaliar os impactos em políticas públicas dos distintos modelos de desenvolvimento do SAF”, diz Juan Jose Toha, diretor de assuntos corporativos e sustentabilidade da Latam.
A Azul também utiliza SAF em voos de Toulouse, cidade sede da Airbus, para o Brasil. “Recebemos ao menos três novos aviões desta forma desde novembro. Um deles foi o A320 com a pintura da Margarida, personagem de Disney”, diz Diogo Youssef, gerente de engenharia e despacho de voos da Azul.
Segundo ele, a companhia participa de frentes de trabalho com o Renovabio e órgãos internacionais. “O Brasil tem a capacidade para a fabricação do SAF. O que falta é a política púbica que une os interessados de forma competitiva e viável para o setor”. Youssef lembra ainda que é importante considerar onde o SAF será produzido e entregue. “O SAF é mais sustentável pela sua produção. Se ele for, por exemplo, feito nos Estados Unidos e trazido ao Brasil em um navio, se perde o sentido. Por isto, queremos fazer um trabalho consistente ao invés de usar o combustível apenas para falar que estamos fazendo algo novo”.
Apesar do SAF ser um tema importante e urgente na aviação, ainda não é a bala de prata. Alternativas como o hidrogênio verde parecem ser ainda mais distantes, uma vez que parte do espaço das aeronaves precisaria ser destinado para o compartimento de hidrogênio. O fato de o peso não diminuir ao longo do voo também é um desafio.
Assim, as companhias buscam outras formas de ao menos mitigar parte das emissões de CO2. Uma das ações é a renovação da frota, uma vez que os aviões mais novos e modernos podem emitir cerca de 20% menos CO2 quando comparado aos modelos anteriores.
A Gol, que tem as aeronaves fabricadas pela Boeing, comprova a economia de 15% do combustível. “Até 2050 toda a frota terá sido renovada”. Durante o primeiro trimestre de 2023, a companhia recebeu novas aeronaves Boeing 737-MAX 8 e devolveu três aeronaves Boeing 737-NG como parte do plano de transformação.
Já a Azul afirma que diferentes modelos estão sendo trocados. “Temos a frota mais nova do mercado, com 7 anos em média”, diz Youssef. Outra ação recente da empresa é o Programa de Eficiência de Combustível, que reduziu 134 mil toneladas de CO2 em 2022. “Uma série de iniciativas foram colocadas em prática para termos esse resultado, incluindo o que fazemos no chão, antes e depois do voo”.
Um exemplo é a eficiência do time aeroportuário e o uso de energia elétrica ao invés do querosene para preparar funções como o ar-condicionado antes do embarque dos passageiros. Ao todo, são 15 aeroportos com a nova operação. “Parece algo simples, mas que demorou para ser iniciado – a primeira operação foi em abril de 2022 – porque é algo complexo que envolve muitas pessoas e equipamentos embaixo do avião”. Além disso, a Azul fechou uma parceria com a Raízen para o abastecimento de aeronaves com caminhões elétricos.
Para além de diminuir as emissões, as empresas estão buscando também compensar o CO2 que já está na atmosfera. É por isso que a LATAM trabalha com a conservação de florestas em projetos como um em Orinoquia, na Colômbia, que prevê capturar 11,3 milhões de toneladas de CO2 até 2030 em uma área de 575 mil hectares, o equivalente a mais de três vezes o tamanho de cidades como Bogotá e São Paulo.
“Queremos reduzir ou compensar o equivalente a metade das emissões domésticas até 2030 e ser uma companhia neutra em carbono até 2050. Por isso, fazemos parte de projetos que podemos trabalhar ativamente e beneficiar famílias do entorno a partir da valorização da biodiversidade. Nesta iniciativa em Orinoquia, por exemplo, são 700 famílias impactadas”, diz Toha.
Na Gol há as iniciativas como quando as emissões da rota Recife-Fernando de Noronha são compensadas em parceria com a Moss. Ou ainda ao convidar os clientes a pagarem uma taxa para a compensação da viagem. “Em 1 ano e 10 meses do lançamento do projeto #MeuVooCompens foram neutralizadas 14,1 mil toneladas de CO2 de maneira voluntária pelos clientes, nas rotas carbono neutro da GOL (Fernando de Noronha - com operações suspensas atualmente - e Bonito) e em ações pontuais de compensação. Esse montante equivale aproximadamente a 2.027.860 árvores ou 3.526 hectares preservados por um ano”, diz Calderon. Na Azul, desde este ano, clientes também podem optar por compensar suas emissões e apoiar projetos socioambientais na Amazônia.