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Do auge da diversidade ao recuo corporativo: decisões na Meta apontam para novo papel das empresas americanas na era Trump (David Paul Morris/Getty Images)
Editora ESG
Publicado em 11 de janeiro de 2025 às 16h37.
Última atualização em 11 de janeiro de 2025 às 16h39.
O chamado movimento anti-woke (reação conservadora que se opõe a inciativas para ampliação da representatividade corporativa de grupos minorizados) parece ter ganhado um novo protagonista, depois de uma sequência de decisões que redefinem o panorama das redes sociais e da cultura corporativa americana.
Trata-se de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, que em menos de duas semanas eliminou a checagem de fatos em suas plataformas, anunciou uma doação de US$ 1 milhão para o fundo inaugural de Trump e, agora, encerra todos os programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) da empresa.
A série de medidas, que inclui ainda a promoção de executivos alinhados ao Partido Republicano, sinaliza uma guinada significativa da maior empresa de redes sociais do mundo em direção a posições tradicionalmente defendidas por correntes políticas conservadoras.
Desmanche com efeito imediato
A comunicação de que a Meta está eliminando imediatamente diversos programas focados em grupos minoritários, incluindo práticas de contratação diversificada, veio por meio de um memorando interno revelado na sexta, (10), pela Axios e Business Insider.
No documento, Janelle Gale, vice-presidente de RH, afirmou que as metas de representatividade também serão abandonadas. A empresa contextualizou a mudança dentro do cenário legal e político dos EUA, citando decisões recentes da Suprema Corte, mas evitou comentar como estas alterações se alinham com seus objetivos corporativos mais amplos.
De qualquer modo, o conjunto de "novidades" é uma guinada significativa e sinal dos novos ventos do Vale do Silício. A série de modificações estruturais na empresa de Zuckerberg vão além do encerramento dos programas DE&I. A eliminação do programa de fact-checking, seguida pela promoção do republicano Joel Kaplan a diretor global de assuntos e a inclusão de Dana White, CEO da UFC e próximo a Trump, em seu Conselho, demonstram um claro realinhamento estratégico.
Adicionalmente, a contribuição sem precedentes de $1 milhão para o fundo inaugural de Trump marca uma ruptura - talvez definitiva - com as práticas anteriores da empresa e sugere uma tentativa de reconciliação com um líder que já ameaçou seu CEO com prisão.
Suprema Corte pavimenta caminho do desmonte
Embora soprando mais forte no Vale do Silício, o movimento de redução dos programas de DE&I ultrapassou suas fronteiras e alcança diversos setores da economia americana. Gigantes do varejo como Walmart, do setor automobilístico como Ford, do fast-food como McDonald's e do setor agrícola como John Deere, estão reduzindo suas iniciativas de diversidade.
E poucos casos o fizeram com sutileza, como a Amazon, cuja executiva de RH, Candi Castleberry, anunciou recentemente o encerramento de "programas e materiais desatualizados" até o final de 2024, focando em "programas com resultados comprovados".
As mudanças são justificadas por um ambiente legal e político em rápida transformação. Especialistas apontam que a decisão histórica da Suprema Corte em 2023 contra ações afirmativas baseadas em raça nas universidades americanas criou um precedente que agora reverbera no mundo corporativo. Também a decisão judicial que impediu a Nasdaq de impor regras de diversidade em conselhos corporativos contribuiu para criar um novo ambiente regulatório.
E o próprio termo "DE&I" tornou-se politicamente carregado, sendo frequentemente interpretado como uma forma de tratamento preferencial, uma percepção que tem gerado crescente resistência nos círculos conservadores.Depois do Black Lives Matter, uma reviravolta em três anos
O momento atual representa um dramático retrocesso nas iniciativas corporativas adotadas após os protestos de 2020, desencadeados pelo assassinato de George Floyd. Não é exagero afirmar que movimento avalizado atualmente pela Meta representa uma transformação fundamental na relação entre grandes empresas de tecnologia e questões sociais, numa sequência de decisões que sugere uma estratégia coordenada de alinhamento com correntes políticas conservadoras.
E as implicações dessas decisões são potencialmente transformadoras para o ambiente corporativo americano, mas influenciam o resto do mundo, potencializando o risco real de um efeito dominó que afetaria práticas de contratação, promoção e cultura organizacional em companhias de todas as nacionalidades e tamanhos.
Papel das empresas será reescrito?
O cenário atual sinaliza mais que uma simples reversão de políticas corporativas - marca uma redefinição do papel das empresas na sociedade. Se no início da década as corporações se posicionavam como agentes de transformação, agora retornam a uma postura que prioriza resultados financeiros sobre impactos sociais.
O movimento, que encontrou na Meta seu caso mais emblemático, sugere que o experimento das companhias como protagonistas de mudanças sociais pode ter chegado ao fim, ao menos neste ciclo.
À medida que programas de diversidade são reformulados ou eliminados, emerge uma nova filosofia corporativa que busca distância de questões consideradas polarizadoras, recalibrando a participação empresarial no debate público e sinalizando um retorno à visão mais tradicional do papel corporativo: focado em negócios, não em transformação social.
Para observadores do mercado global, o momento americano pode representar o início de uma nova era, onde o envolvimento privado em questões sociais será mais cauteloso e pragmático. Uma transformação que, ironicamente, pode ter consequências tão profundas quanto o movimento que pretende desmantelar.